Luanda - Antes de tudo, tentemos definir os conceitos da juventude, cultura e tradição.


Fonte: Angolense


Segundo o dicionário prático ilustrado, Novo dicionário enciclopédico Luso-brasileiro, publicado sob a direcção de Jaime de Séguier, Lello e Irmão, Porto 1988, a juventude é a idade juvenil, a mocidade.

 

O referido dicionário define como  Tradição, a transmissão verbal de hábitos, usos e costumes de geração em geração.  A cultura (lusansu, kiwuntu, em Kikongo) é a alma e o factor de identificação de um povo. A juventude é o presente e o futuro de uma comunidade, de um país.  Nesta ordem de ideia são os jovens que asseguram a perpetuidade de uma cultura, de uma tradição.

 

Os jovens adquirem os hábitos, usos e costumes do seu povo através da transmissão oral, da vivência a partir da casa (família restrita de pai e mãe), aldeia e comunidade. Uma criança deve ser criada dentro dos padrões da cultura dos seus ascendentes.

 

Acontece hoje, que mesmo em casa os pais abandonaram as suas culturas ou melhor os seus usos e costumes, as suas línguas e os seus nomes.

 

Criam os filhos segundo as culturas estrangeiras copiadas a partir da internet, dos filmes e  das novelas.

 

Um filho criado neste ambiente estrangeiro adquire outras culturas que lhe tornam estrangeiro na sua própria terra.

 

Pior ainda é que estes mesmo jovens gozam férias escolares fora do País, nomeadamente na Europa, América ou Ásia, em vez de irem às suas aldeias de origem (aldeias do pai e da mãe) para adquirir os usos e costumes dos seus pais.

 

Nas comunidades rurais, os anciãos ensinaram ao jovem proveniente da cidade como os povos ou populações de ascendência comum constituem uma etnia e como esta se subdivide em tribos, clãs e linhagens.

 

É necessário explicar à juventude que as etnias constituem as verdadeiras nações ou melhor cada etnia é uma nação.

 

Os actuais países africanos resultantes da Conferência de Berlim (Alemanha) de 1885 são multi-étnicos e multi-culturais, quer dizer são compostos de vários povos, etnias e nações.

 

No caso de Angola, o País é composto pelos povos Kikongo, Kimbundu, Umbundu, Nganguela, Tchokwe, Kwanhama, etc.,

 

Cada um destes povos constitui uma nação etnolinguística. Cada etnia representa uma nação e tem a sua cultura específica.

 

Assim, não existe uma cultura angolana, existem sim culturas angolanas.

 

Uma identidade cultural angolana ainda não existe, temos sim identidades culturais de Angola.


Mas, apesar da sua diversificação, os povos bantu (muntu, no singular, significa pessoa; bantu é um plural prefixado de muntu que quer dizer pessoas) têm traços culturais comuns ou aproximados, um mesmo padrão cultural, pois defendem quase os mesmos valores culturais.

 

Hoje fala-se em Globalização que é a redução do Mundo numa aldeia.

 

O que acontece numa extremidade da aldeia é visto simultaneamente noutra, através das tecnologias de informação e comunicação (TIC) como a imprensa (televisão, jornais, revistas, etc.), a Internet, redes sociais e os meios de transporte rápidos.

 


O fenómeno globalização tende a perverter os valores culturais específicos dos povos.

 


Por isso, a campanha de resgate dos valores morais, cívicos e culturais é bem-vinda.

 

Mas esta campanha deve começar pela recuperação das línguas e dos nomes. Os nomes e as línguas são os elementos identificadores de um povo.  Os nomes traduzem a origem de uma pessoa. Os colonialistas viveram muitos anos nos países colonizados, mas não abandonaram os seus nomes de origem e não adoptaram os nomes dos colonizados.

 

No caso concreto dos portugueses, eles colonizaram Angola durante cerca de cinco séculos (cerca de 500 anos), mas não adoptaram os nomes bantu deste país.

 

Pelo contrário, deram aos indígenas os nomes portugueses, considerando os nomes bantu como sendo de cães, macacos, matumbos e sanzaleiros.

 


Criaram um complexo de inferioridade aos autóctones que rejeitaram os seus nomes e a sua originalidade.

 

Hoje, pelos nomes, muitos Angolanos confundem-se com os europeus.

 


Aqueles que têm nomes bantu, estes (nomes) são amputados, de maneira a aportuguesa-los.

 

Em vez de Nkanga (Kanga ou Canga, amarrar, prender, apreender, deter); Nkondo (Embondeiro) para Kondo ou Condo, Nkosi para Koxi ou Cose, Encoje, etc.

 

Deformaram ainda os nomes indígenas durante o registo ou campanha de vacinação ou de Pentamedina para a doença do sono: Sita (Estéril) para Esteves, Nuni (Ave ou pássaro) para Nunes, Mvika para Viegas, Yingila por Ingila, Venasakio para Venâncio, Ngombe para Gómes, etc. Trocam a ortografia e a fonética dos nomes bantu.

 


No que diz respeito à língua, geralmente, uma criança desde a nascença é criada na língua dos seus progenitores. “Tata (pai), mama (mãe)”, são as primeiras palavras que pronuncia um bebé mukongo (nkongo, mukongo é o singular de akongo, bakongo, minkongo que é uma pessoa de etnia Kikongo). A língua que fala é Kikongo.

 


“Endinga keyitumbuluilanga owana ko, kumfoko ikuendanga” (Uma língua que não é falada pelas crianças tende a desaparecer).

 


É o caso da língua Kimbundu do povo que habita a faixa de terra que vai de Luanda, Bengo, Kwanza-Norte a Malange.

 


Outrora a língua Kimbundu era falada na capital de Angola, Luanda. Hoje, raras são as pessoas que falam Kimbundu. Os próprios elementos desta etnia têm dificuldades de a falar correctamente. Mesmo nas aldeias, o kimbundu tende a desaparecer, a favor da língua portuguesa.

 

O alimento é um outro elemento de identidade cultural de um povo. Os alimentos de base e as maneiras de comer variam de um povo ao outro.

 


A mandioka  (funge, kikuanga ou mandioka fervida) é o alimento de base de um mukongo; o milho (pirao) o do povo do centro e sul de Angola.

 

O povo bantu come com as mãos.

 


Com a colonização, muitos bantu deixaram de comer com as mãos. Usam facas e garfos.

 

Quem come à mesa com colher, faca e garfo é civilizado e assimilado. O contrário é matumbo, não civilizado e sanzaleiro.

 


De igual modo, comer bife com batata ou arroz é motivo de orgulho, quando o funge é desprezível.

 

O pequeno-almoço é com café ou chá e leite com pão, queijo e manteiga. Comer bombom assado com ginguba (zinguba, em kikongo, pois g lê-se guê) é desprezível. De igual modo, lanche com mandioca (madioko, em kikongo) com coconote (nkandi), é abominável.

 

Uma criança bantu é criada dentro da moral cívica da sua etnia ou tribo. “Pua! Owa dianguaku, owa diasaku, owa diamuntu ke muntu, o muntu ke muntu Nzambi-a-Mpungu” (Respeitar e obedecer à tua mãe, ao teu pai e à toda pessoa. Toda pessoa é Deus) – aconselha-se a um recém-nascido Kikongo.

 

O respeito pelos mais velhos é obrigatório. Uma criança não se intromete nas conversas dos pais ou mais velhos, não responde mal (kindula, tianguna) a um mais velho, não desobedece a um mais velho. Um olhar dum mais velho basta, para uma criança saber que se comportou bem ou mal. 

 

O amor ao próximo é sagrado, na cultura bantu. “Zola kusundidi mawonso” (O amor é superior a tudo) – diz a civilização bantu.

 

O mau comportamento é condenável. Injuriar e lutar não são permitidos.

 

Dizer a alguém que “vou te aleijar” é proibido, pior ainda prometer a morte ao seu próximo. “Kanikina ivanga” (Prometer é fazer), significa isto dizer que quem promete cumpriu.

 

Uma mulher não cumprimenta um homem, logo depois de acordar, sem antes tomar banho, porque ela está suja. De igual modo, uma mulher de menstruação não faz comida, não cozinha para os homens.

 

Não se faz amizade entre uma mulher e um homem. Uma mulher só tem amigas e um homem amigos.

 

Uma menina não apresenta um amigo aos pais ou irmãos, nem tão pouco uma mulher pode apresentar um amigo ao marido e vice-versa.

 

Uma mulher não assobia, não cruza as pernas perante os homens e não se inclina contra os homens.

 

A mulher bantu usa pano. O uso de roupa indecente – calça, calção, mini-saia, cola, roupa transparente ou apertada (juste-au-corps) – não é aceite na comunidade bantu.

 


Uma mulher bantu não mostra as partes sensíveis do corpo como o umbigo, as mamas (seios), as coxas e o sovaco. “Ensaki mbizi ansoni, fukidila i zitu” (Kizaka é comida vergonhosa, tapada e honrosa).

 

Um homem não trança cabelo, não usa brincos, não se maquilha nem faz cirurgia plástica. Também um homem não usa cabelo postiço (peruca) e não se veste de um modo indecente. A sua beleza é natural.

 

O beijo não existe na cultura bantu. Ninguém chega à uma aldeia e beija as pessoas, principalmente as mulheres, para cumprimentar. Pior ainda o beijo de língua (tire langue). Dá-se a mão, bate-se a palma, a mulher ajoelha-se.

 

Uma menina não apresenta um namorado aos pais. Namorar é obsceno. As meninas bantu têm pretendentes “Nzitikila”. Uma menina que apresenta um namorado ou amigo aos pais ou irmãos, comete um escândalo, uma vergonha e cria um problema em casa. Namorar é explorar o sexo. Namoro é uma exploração ou brincadeira com o sexo.

 

As meninas podem casar-se quando crescerem as mamas “Fusila”, começar a menstruação, saber cozinhar, fazer trabalhos domésticos e mesmo cultivar. Uma menina deve chegar virgem à casa do marido. Uma mulher recêm casada não deve ir à casa do marido, deixando uma coluna de namorados atrás.

 

Um jovem procura uma parceira quando conseguir construir a sua casa, caçar e as vezes cortar dendem. Quando atinge a puberdade, um menino deve ser circuncisado.

A circuncisão masculina é obrigatória para os bantu, pois torna o homem viril e digno.

A sesta (dormir de dia) junto com a mulher é obscena.

Quanto a família banto, ela não se limita ao pai, mãe e filho. Ela é larga e inclui os tios (irmãos da mãe), sobrinhos (filhos das irmãs), avós, etc.

Na tradição bantu, a irmã da mãe é mãe, o irmão do pai é pai; a irmã, a sobrinha e a neta materna do pai, é tia. Tia só existe do lado do pai. Tio é o irmão da mãe. O filho ou filha da irmã da mãe ou do irmão do pai é irmão. A palavra primo não existe, é depreciativo e pode dividir a “família”.

A cultura tem aspectos profundos como, por exemplo, a esposa de um tio ou de um sobrinho não é sogra, é cunhada; pois quando morre um tio, a viúva pode escolher, em substituição, entre os irmãos menores ou sobrinhos um marido; a irmã ou sobrinha do pai é tia e se pode casar com ela; os filhos do tio não são irmãos, são filhos, pois na ausência do tio são os sobrinhos que assumem o papel do pai sobre os filhos, etc.

Uma pessoa pertence à uma etnia bantu não por ter nascido ou vivido num espaço territorial do referido grupo etnolinguístico, mas sim por ser descendente deste, por ter sangue dele. O local de nascimento pouco importa para os Bantu.

Em muitas etnias bantu, o alembamento ou casamento tradicional é o mais importante, é o que dá ao marido a categoria de genro.

É com o alembamento que se adquire os poderes de marido sobre a mulher e de pai sobre os filhos.

Sem  cumprir os deveres, sem as “famílias” da mulher comer e beber para a sua filha, o homem pode viver anos com ela e fazer tantos filhos, ele é solteiro e não é considerado “genro” e nem tem poderes sobre estes (mulher e filhos). São os responsáveis da mulher que dão os poderes ao genro sobre a sua esposa e seus filhos.

 

Os títulos de genro e pai não se oferecem gratuitamente, conquistam-se.

 

O incesto é proibido. Um matrimónio ou uma relação amoroso entre “primos” é um crime. Se acontecer, os infractores serão obrigados a casarem-se e comer publicamente a carne de cão. Os infractores são comparados aos cães.

 

Um casamento só se realiza com o acordo dos pais, principalmente do chefe do clã ou “família” materno. Nunca um casamento ou alembamento se trata com os noivos (jovens) ou entre estes, secretamente, mas sim com os mais velhos destes e na presença das testemunhas. representados pelos sábios e anciãos da comunidade.

 


Quando morre um homem, a viúva e os filhos que este deixa fazem parte do seu património. Estes (viúva e filhos) continuarão a viver no recinto do clã materno ou paterno do defunto. No fim do luto (luziku ou komba), a viúva escolhe entre regressar à sua família e manter-se em casa do falecido, escolhendo entre os irmãos menores (nunca irmão mais velho) ou os sobrinhos deste como marido, podendo escolher também um filho dela, este como simbólico.

 

A viúva e os filhos constituem o maior património que um defunto deixa. Os filhos são os herdeiros primários dos bens materiais e financeiros de um defunto.

 

Em termo de direito, os povos bantu têm os tribunais costumeiros. Os conflitos são resolvidos pelo diálogo em sentadas. Os juristas são chamados Mpovi. O matrimónio, óbito e os crimes, são tratados pelos mais velhos, dialogando. O dialogo é fundamental na resolução de conflitos.

 

A sentada realiza-se no lumbu (corte) de Mfumu a vata (chefe costumeiro de aldeia, que é um cargo linhageiro).


Ofender, lutar ou agredir e matar são condenáveis.