Luanda - A necessidade de preservar a nossa integridade física em virtude de uma agressão por parte de terceiro pode levar-nos a exercer outra agressão quando não vamos a tempo de evitar, escapando eventualmente. Ou seja a necessidade de defender-nos de um agressor pode levar-nos a configurar-nos igualmente como agressores. Seria assim, a luz da Lei, se não fosse prevista a legítima defesa como causa de justificação do agredido que leva a retirar a ilicitude do acto praticado susceptível de o levar a assumir a responsabilidade criminal daí derivado, mesmo quando se sabe que o defendente tenha agido com visível intenção de neutralizar o adversário, ou melhor, mesmo quando haja culpa (o seu acto seja susceptível de censura).


Fonte: Club-k.net

ImageA legítima defesa surge da necessidade de auto-defesa em caso de agressão física por parte de terceiro, surgindo como causa justificativa ética nos casos em que não é possível a intervenção de forças da ordem para estancar a agressão em curso e como causa justificativa normativa quando tenha sido exercida segundo os requisitos previstos na Lei. A legítima defesa pode surgir da necessidade de auto-defesa contra uma acção com alguma sequência perceptível e alongada no tempo (alguém que vem sendo perseguido há algumas horas por um estranho com visível intuito maléfico) ou não (uma agressão repentina ao sair do automóvel) tal como pode surgir da necessidade de exercer uma defesa a favor de terceiro visivelmente indefeso (um velho a ser agredido por um grupo de jovens) ou sem possibilidade de auto-defesa (agressão contra um individuo embriagado ou com manifesta diminuição física), para além de outros casos e situações que a Lei justifica.

 

Vale chamar atenção ao facto de que a legítima defesa só tem lugar em duas situações concretas: primeiro, que agressão esteja em eminência ou em situação de “quase-agressão” – é o que se passa com a mulher perseguida por alguém que o quer violar ou algum que se vê confrontado com uma arma pontada na testa. Aqui a agressão ainda não aconteceu estando por isso reste a ocorrer. Em eminência, portanto. Segundo, que a agressão esteja em curso. Esteja já acontecer. Embora nos casos de actos não distendidos no tempo (assalto repentino, golpe desferido com visível surpresa) nem sempre é possível controlar a agressão ao ponto de se exercer a legítima defesa eficaz. Porém, a legítima defesa é sempre mais eficaz e como tal frequente nos casos das agressões controladas pelo defendente. Porque aqui verificamos situações interessantes: por um lado, se o defendente, no uso de uma arma de fogo, atira contra o agressor antes deste apontar-lhe a arma, poder-se-á descartar a legítima defesa porque a agressão não estava em curso; por outro lado se, o agressor já tiver atirado, e por exemplo atingiu a perna e tentou disparar pela segunda vez sem sucesso porque a arma já se encontrava sem munições, o agredido não pode atirar legando legítima defesa porque a agressão já tinha cessado no momento da defesa. Estas situações levam a ponderar o segundo momento da legítima defesa que acontece quando a agressão esta em curso.

 

A legítima defesa tem como causa fundamental da sua consagração legal a necessidade de preservação da integridade física (art.º36º - Lei Constitucional) conservando a existência vital pela manutenção do direito à vida como direito humano fundamental absolutamente inviolável. Para realizar tal inviolabilidade vem a consagração da legitimidade de defesa quando o recurso as forças de ordem não seja possível

 

No âmbito do Direito a legítima defesa apesar de ter consagração normativa no domínio privado ou mais concretamente civil (porque o seu exercício retira a eventual responsabilidade de reparar os danos causados por quem a empregou), é uma figura patente no Direito Penal, devido ao facto de ser mais conhecida nos casos que envolvam crimes. Aqui, a lei (art.º 46º - Código Penal) prevê os requisitos para que a legítima defesa possa ter lugar sob pena de responsabilizar o seu autor levando-o ao cometimento de um outro crime. O primeiro dos requisitos é que a acção contra a qual se pretenda ou se esteja a defender seja uma agressão ilegal, ou seja, que a lei não preveja como normal.

 


Assim, não pode alegar legítima defesa o paciente que na mesa de operação, na eminência de uma cirurgia se insurja contra os médicos alegando estar sobre agressão física. Porque, a incisão cirúrgica, como acto médico, embora entendida como uma agressão, é juridicamente aceite como agressão consentida e como tal prevista na Lei. Pois é uma agressão necessária e em benefício do agredido. Sendo assim lícita ou legal. Logo, o paciente colérico ao sentir a dor da incisão do bisturi do médico por insusceptibilidade analgésica do deu organismo e se insurge contra o cirurgião com golpes não é legalmente justificado e como tal assume as consequências legais do seu acto apesar do seu estado clínico. Da mesma forma o pugilista em derrota eminente pela superioridade física do seu adversário, não pode, fazer recurso a meios estranhos para aparar os golpes do adversário com argumentos de estar a defender a sua vida, porque aqui a agressão do outro pugilista também é consentida pela aceitação do combate por parte do agredido e como tal legal. Ou seja, a agressão que leva ao recurso da legítima defesa deve ser contrária a lei e como tal censurável e sancionável (punível, no caso). O segundo dos requisitos é que o agredido não esteja em condições de recorrer à força púbica (polícia em especial). E que na hora da agressão esse recurso seja impossível.


É o que acontece nas agressões repentinas em que o agredido não teve qualquer oportunidade de perceber com alguma antecedência o intuito lesivo do agressor. Já nos casos de perseguição em que o eminente agredido esta próximo de uma esquadra policial, este fica sem justificação legal se convencido que pode neutralizar o adversário (é adestrado em artes marciais por exemplo) entende dispensar os agentes da polícia tratando ele mesmo da “saúde” do agressor. Aqui desaparece a legítima defesa e o defendente passa igualmente a agressor segundo a lei.

 

O terceiro dos requisitos é a necessidade racional do meio empregado para prevenir ou suspender a agressão. Ou seja, o meio utilizado pelo defendente para justificar a legítima defesa não deve ser superior ao meio usado pelo agressor (o agredido não pode atirar com arma de fogo sobre um assaltante que vinha sobre si com um punhal; um adulto saudável ou bem encorpado não pode alegar legítima defesa sobre uma criança que lhe golpeia com os braços; um artista marcial bem adestrado não pode ver uma velha trémula como um perigo, salvo se esta tiver em mão algum instrumento susceptível de causar lesão que deve ser contido ou parado simplesmente sem se seguir qualquer neutralização humana). Sendo iguais ainda pode colocar-se o problema da racionalidade dos meios. Não há muito que analisar em se tratando de uma agressão de arma de fogo parada com um outra arma de fogo. Mas, já é duvidoso aceitar como legítima defesa o soco certeiro e fatal dado por um pugilista nos seus “bons dias” a uma indivíduo magrizela que tentava acertar-lhe com um outro golpe de punhos. Aqui vê-se a falta de proporcionalidade de meios e como tal a racionalidade. Pois a força do pugilista podia ser doseada no momento em que procurava neutralizar o adversário. Pode-se falar então na necessidade de doseamento da defesa para efeito útil da legítima defesa que é igualmente extensivo aos indivíduos praticantes de artes marciais (caso de agressões com armas naturais – braços e pernas) ou atiradores profissionais ou militares e paramilitares ou agentes da polícia e forças de segurança privada (no caso de agressão com armas de fogo). Aqui a referência é que o adestramento em artes afins do defendente pode levá-lo ao excesso de legítima defesa que é por isso punível. Embora não seja punível o excesso de legítima defesa devido a perturbação (susto, por exemplo) ou medo desculpável do agente (defendente, no caso) o que é difícil de verificar nos casos exemplificados.

 

Em meio as agressões de que são alvos as zungueiras por parte de indivíduos ligados as forças policiais vale deixar claro que a agressão de um agente da Polícia é em princípio lícita porque admitida por lei. E o reforço adicional desta afirmação é a presunção de legalidade que goza o acto administrativo praticado pelo agente em representação da administração pública como é o caso. Desde logo o agredido não pode justificar a contra-agressão com base na legítima defesa. Porém, se o agredido defender-se com a convicção de estar a exercer a legítima defesa poder-se-á apurar o caso como aceitável se se perceber que o agente actuou com excesso de força configurando por exemplo abuso de autoridade. Nesse caso, a justificação do agredido torna-se mais evidente quanto mais próximo do perigo de vida estiver. Uma vez que a possibilidade extinção da vida não é dado como poder à ninguém e nem mesmo as forças de ordem. Logo, estando na eminência de ser executado, com evidências marcantes dessa possibilidade, torna-se legalmente razoável que até mesmo um ladrão confesso se insurja contra o agente da polícia ou de qualquer força de ordem que o tem sob custódia.