Porém, e mesmo com a consciência do risco de ser malinterpretado, não posso não debitar alguns pensamentos – avulsos mas discordantes – sobre as posições que vêmsendo defendidas pelo FM e a AJPD relativamente ao processo eleitoral. Em segundo lugar, e na tentativa de fazer-me entender neste acto inusitado, tenho que apresentar algumas credenciais que funcionarão como justifi cativa.

Em 1991/92 estava eu destacado na região sul do país coordenando a área de desenvolvimento comunitário de uma conhecida ONG internacional. Nessa condição fui testemunha dos estragos causados nas mentes e nos corpos de milhares de compatriotas pelos discursos incendiários e acções descomedidas que caracterizaram a campanha eleitoral de então. Os «amigos» da comunidade internacional, com as Nações Unidas à cabeça coadjuvados pelas super-potências da Guerra Fria e por Portugal, impuseram a sua agenda e o seu timing, ansiosos por uma solução descartável em que os mais honestos apenas esperavam – apenas podiam esperar – que depois de saírem do país os angolanos se entendessem o melhor que pudessem. Mas tudo rebentou antes mesmo disso, com as consequências que sabemos.

D. Alexandre do Nascimento diria ao votar, mais palavra, menos palavra: «Espero que os políticos estejam à altura do civismo do Povo». Não estiveram. Numa entrevista à TPA no Lubango lembro-me de ter dito que a Histórianão perdoaria fosse quem fosse que contribuísse para mergulhar o país outra vez na guerra. Se a História já perdoou ou vai perdoar, isso (ainda) não sei. Só sei dizer que aprendi – eu e os milhares de angolanos que vivemos aqueles horrores – que jamais deveríamos permitir que aquilo se voltasse a repetir.

Parece-me que é por isso que os discursos, as posturas, a propaganda, enfi m a comunicação das campanhas eleitorais assumem a tal «mornês» que não agrada a tanta boa gente. E é por isso, caro Fernando Macedo, que as vivências descritas nos parágrafos anteriores e que são colectivas a milhares de concidadãos não me permitem fi car em sã consciência sem manifestar-te a minha discordância.

E, olha, esqueci-me de uma coisa: quando a kitota aqueceu,as minhas funções mudaram, e sabes para quê? Logístico-chefe de uma agência de viagem improvisada para evacuar do país os estrangeiros e familiares das chancelarias que tinham contribuído mais ou menos à socapa para incendiar o país. E essas chancelarias não me parecem longe de ti e da AJPD. Ah! E evacuei também alguns angolanos que «de repentemente sacaram» de outros passaportes que andavam embarrados, vê lá…Dali que gostaria que compreendesses que todos precisamos de caminhos de saída.

Caminhos de saída que têm que ser também caminhos de esperança. Caminhos de esperança que não precisam de ser necessariamente perfeitos, só têm que ser necessariamente nossos. Criados por nós com as limitações que temos, criados no nosso contexto com as especifi cidades que nos são próprias, e criados para a nossa terra com as adaptações que lhe sejam necessárias, não impostas por uma cartola teórica de um país ocidental qualquer.

Caminhos de saída e esperança que tu podes e deves ajudar a encontrar com a belíssima inteligência que Deus te deu e tanto nos orgulha! Parece-me que as elites angolanas decidiram velar por estes aspectos e tomar este passado por referência. Por isso o teu discurso, caro FM, ressoa isolado e provoca receios. Por isso, então, esta reacção deste
teu irmão de peito.

A responsabilidade que temos,as elites, é de fi scalizar o processo sim, mas levando em conta as nossas idiossincrasias.E uma delas, realmente assumida é que os discursos incendiários, apaixonados, virulentos são nesta fase como fogo posto:qualquer que seja a causa, não deixa de ser nocivo, perigoso mesmo, para o bem comum.

Aceitemos pois as imperfeições do nosso processo e construamos a nossa própria história com a responsabilidade dos grandes povos onde todos se toleram. Porque é importante nesta fase acreditarmos na boa vontade de todos, independentemente dela existir ou não. É o preço do progresso rumo à democracia plena. Onde chega-se não às catadupas mas por etapas.Onde os erros em vez de armas de arremesso, constituem os pilares das lições aprendidas rumo à tal perfeição.

Fonte: Semanario Angolense