O Governo eleito terá de satisfazer rapidamente (...incluindo a fome)

Angola é já uma potência regional e poderá e deverá ser um exemplo positivo em África no que se refere à legitimidade democrática e ao desenvolvimento socioeconómico sustentável, equilibrado e flexível ─ tanto em termos sectoriais como especialmente em termos provinciais e entre áreas urbanas versus rurais.  Estas duas vertentes fundamentais do desenvolvimento humano e da erradicação da pobreza dependem, em grande medida, da forma como decorrerem as próximas eleições legislativas, em 5 de Setembro de 2008, na medida em que a legitimidade democrática facilitará a implementação dos enormes desafios que o nosso País terá ainda de enfrentar nos próximos anos.  E as expectativas dos Angolanos são, merecidamente, gigantescas.  Está, todavia, nas nossas mãos fazer com que elas se realizem!  E sempre através do voto, obtido de forma pacífica e como resultado de uma campanha eleitoral sem restrições de qualquer espécie, mas ordeira e construtiva.  O nosso Povo já ganhou este direito.

A legitimidade dos governantes advém da existência/consolidação de um sistema político-institucional aberto, democrático, justo e eficaz, incluindo a descentralização regional e local (de facto) do poder, da responsabilidade e dos recursos produtivos.  A legitimidade democrática irá em muito contribuir para a consolidação da reconciliação nacional ─ baseada no desenvolvimento de uma cultura de transparência e responsabilização popular, bem como em investimentos maciços nos sectores sociais, de forma inclusiva e participativa.

Por conseguinte, o sucesso das próximas eleições legislativas traduzir-se-á pela qualidade da liderança eleita e, consequentemente, pela boa governação que ela colocar ao serviço dos Angolanos.  Pois ambas são essenciais para uma gestão honesta e eficaz dos recursos do Estado, para o cumprimento da lei e ordem, para a criação e consolidação de instituições e infra-estruturas funcionais e pro-desenvolvimento, para a promoção dos sectores sociais, para o investimento maciço na agricultura, na investigação agrícola, no sistema de crédito e na comercialização, assim como para o desenvolvimento de um sector privado que produza riqueza, crie empregos, fomente parcerias público-privadas benéficas para as populações e desenvolva métodos de produção ambientalmente sustentáveis e limpos.  Como complemento é também fundamental o fortalecimento de uma sociedade civil organizada e fiscalizadora da “bondade” da governabilidade política e da concretização das metas socioeconómicas, claramente definidas pelo governo eleito.

As expectativas e/ou necessidades são muitas, variadas e sobejamente conhecidas. O Governo eleito terá de satisfazer rapidamente, pelo menos, as mais básicas, nomeadamente as relacionadas com a segurança alimentar (incluindo a fome), o fornecimento de água potável e de saneamento adequado, a educação básica e os cuidados de saúde primários para todos, a erradicação da pobreza extrema e exclusão social, a desminagem (em particular nos campos de cultivo e junto às fontes de água), e a reintegração social, económica e “territorial” de todos aqueles que estão ainda à espera dos benefícios da paz.

Angola tem tido nos últimos anos taxas elevadíssimas de crescimento económico (segundo a OCDE/BAD de 2007/2008) de 18,6 e 19,8% em 2006 e 2007, respectivamente; todavia, continua a ter enormes desigualdades na distribuição do rendimento, da riqueza e de oportunidades (de facto, teve em 2005 um dos mais elevados coeficientes de Gini do mundo, 0,64) e um baixo índice de desenvolvimento humano (0,446) ─ ocupa a 162ª posição num conjunto de 177 países ─ inferior à média dos países da África subsariana (0,493) e dos países em desenvolvimento (0,691).  O nosso crescimento não contribuiu, portanto, como seria desejável, para a redução da pobreza e para uma mais alargada diversidade da economia, pois continuamos muito dependentes dos hidrocarbonetos.

Como economista sei perfeitamente que não existem varinhas mágicas e muito menos soluções simples ou únicas.  Sei também que poderia ter enumerado demagogicamente outros indicadores muito negativos para a nossa imagem externa ─ não vou por aí.  Sei ainda que poderia realçar outros aspectos muito positivos, iniciados alguns apenas há dois anos (como, por exemplo, os relacionados com o desenvolvimento infra-estrutural e agrícola; com o impulso dado às indústrias transformadoras e à actividade bancária; o desenvolvimento de algumas competências técnicas e profissionais; e o melhoramento dos fundamentais macroeconómicos).  No entanto, escolhi aqueles dois, por dois motivos: (i) como cidadã independente e que quer o melhor para o seu País tenho a obrigação de dar o meu contributo, por pequeno que seja e pouco ouvido, pressionando de uma forma construtiva, desde já o Governo a ser eleito, para que se faça mais, melhor e mais depressa e se obtenham resultados palpáveis a curto prazo; (ii) porque são os indicadores que nos dizem algo sobre quão desequilibrado tem sido o modelo de desenvolvimento escolhido para Angola.  Temos capacidade financeira, temos quadros, temos mão-de-obra suficiente, temos terras altamente produtivas, temos recursos naturais, temos excesso de oferta de água, temos bom clima e temos ainda parceiros amigos dispostos a suportar connosco a dor deste parto difícil … o que nos falta, então?

O novo Governo eleito democraticamente terá: de conseguir um consenso alargado para levar a cabo as principais transformações de longo prazo ─ através de um modelo centrado no desenvolvimento social, um modelo aplicado às populações e com as populações ─ ; de consolidar e ampliar um sentimento de solidariedade nacional ─ é insustentável a desigualdade existente na distribuição da riqueza, dos recursos e das oportunidades; de fomentar o acreditar de toda uma nação que a opinião e o trabalho de cada um são igualmente importantes; e de criar um clima mais harmonioso de confiança pessoal e cívica e de optimismo social, tanto para os Angolanos como para os investidores estrangeiros.  Angola precisa de ter uma sociedade mais justa e mais livre, e uma economia mais flexível, aberta, equilibrada e inclusiva, com regras claras e credíveis,  bem como uma administração pública gerida de forma eficaz, funcional e pro-desenvolvimento.

*  Os desafios ficarão para a parte II deste artigo

Fátima Moura Roque, Angolana, Professora de Economia, Doutorada em Econometria e em Economia Internacional
Fonte: Club-k.net