Johanesburgo – Faleceu,  terça-feira (06), na África do Sul, o antigo Director  de Informação e Análise  do Serviço de Inteligência Externa de Angola (SIE),   Constantino Vitiaca, conhecido internamente  pelo código “Biavongue”.  O malogrado  perdeu a vida vitima de um derrame cerebral.


Fonte: Club-k.net

Queixava-se de perseguição

Natural de Benguela, Constantino Vitiaca foi um dos mais influentes  quadros do SIE  no consulado do general Fernando Miala cujo mandato cessou em  2006.   Enquanto   responsável da área de informação  analise,  foi a figura que dois anos antes do seu afastamento,  processou   o envolvimento de certas individualidades nacionais que, por ignorância ou falta de patriotismo, formaram empresas ou outros negócios com comprováveis agentes da Al-Qaeda, sem terem contribuído com algum tostão.

 

Ainda na acção externa, foi   um  dos protagonista  da “cover action” que resultou na neutralização  de uma tentativa de  golpe de Estado contra o Presidente, Teodoro Obiang  Mbasogo,  da Guine- Equatorial. Teriam  tomado nota do assunto com base de uma  denuncia de um angolano na África do Sul ligado ao extinto  batalhão búfalo. 

 

Constantino  Vitiaco, era  o  único civil,  do grupo dos afastados da era Miala,  razão pela qual não foi alvo do  “julgamento militar” a semelhança dos seus colegas. Durante ao seu afastamento teve sob seu controle  antigos “case officer” que a ele recorriam para prestação de solidariedade. Observou  o caso de alguns de seus colaboradores que teriam misteriosamente falecido  de mortes súbitas. 

 

Figuras ao seu redor, notaram que durante aquela altura, o mesmo observou manobras de diversão consubstanciadas em  perseguições. A sua vida deixou de ser a mesma visto que passou a  enfrentar   dificuldades financeiras responsável pela sua decadência humana. Em finais de 2010, circulou no SIE informações segundo a qual seria reintegrado porem alegava-se que o seu caso aguardava por “orientações superiores”.

 


“Dos cinco, eu era o único civil, daí não estar preso e terem falado pouco a meu respeito, mas fui colocado numa situação desesperante; sem trabalho e salários há quase um ano”, revelou ele em  2007, num entrevista ao Jornal Folha8, conduzida por Jorge Eurico  que pela importância das suas confições, o Club-K retoma  na integra.

 


Luanda - Ao Jornal Folha8, o ex-director de Informação e Análise, dos Serviços de Inteligência Externa, Constantino Vitiaca faz uma radiografia da humilhação aos seus colegas. Conta também sobre os seus pertences que teriam sido confiscados pelo General Zé Maria ao tomarem de assalto o seu Gabinete.

 

Folha 8 – O senhor foi exonerado das funções de director de Informação e Análise do SIE, neste momento onde está colocado, uma vez os restantes quatro terem sido encaminhados para as Forças Armadas Angolanas?


Constantino Vitiaca – Eu fui colocado na rua! Infelizmente é este o reconhecimento que tive da parte de um governo, pelo qual dei o melhor de mim por mais de 20 anos. Uma tal comissão de Sindicância disse ter apurado várias irregularidades, que apontavam para um golpe de Estado, sem nunca terem conseguido sustentar nada e provar. Assim a melhor forma de afastarem a verdade é colocarem-nos fora de forma injusta, sem trabalho e salário, no meu caso concreto…

 

F8 – O senhor diz não receber salários há muito tempo, mas o actual director do SIE, André Sango disse que ninguém tinha salários em atraso. Em que ficamos?


CV – É mentira! O último dinheiro que recebi do SIE em Junho de 2007 dizia respeito às férias e o respectivo subsídio, que não tinha gozado naquela altura. Portanto depois daí, nunca mais vi um único tostão do SIE e ninguém me disse nada, mesmo apesar de eu lhes ter escrito.

 

F8 – Então onde está enquadrado e como vive?


CV- Neste momento trato da minha vida como posso, aliás, este país é uma grande escola, basta ver que tirando aqueles que roubam, todos os outros vão encontrando formas de viver com dignidade, mesmo que os trabalhos realizados não sejam os mais dignos. Eu tenho essa escola também, independentemente, das funções que exerci, porque faço parte daquela geração que comeu o pão que o diabo amaçou.


F8 – A ideia das pessoas é dos agentes secretos serem pessoas próximas dos monstros. Vocês são de facto esse poço de insensibilidade para com os demais cidadãos?


CV – Não é verdade, nós somos pessoas normais. O agente secreto é um funcionário duma instituição de que nenhum Estado deve abdicar. A história diz que esses agentes existem há centenas de anos nos vários Estados e são cidadãos como os outros, apenas com uma especificidade própria na sua actividade, estipulada na lei e em conformidade com a Constituição em vigor.

 

F8 – Numa situação de injustiça, como a que parece estar a ocorrer, o agente em sua defesa, pode abrir mão dos conhecimentos que detém?


CV – Não! Porque contrariamente aquilo que certas pessoas pensavam de que iríamos abrir as comportas, nós somos profissionais e vamos continuar a sê-lo independentemente destas injustiças, porquanto não defendemos pessoas singulares em cargos de chefia, mas os mais altos valores do Estado de Angola, como seus servidores. Isto por não sermos bufos, mas profissionais preocupados com as questões da segurança do país e tranquilidade dos seus cidadãos.

 

F8 – V ocês sempre preparam cenários para os outros, mas nunca para vocês, talvez por isso hoje estejam no banco dos réus?


CV – Nós não estamos no banco dos réus, ainda que a condição física seja essa. Quem está a ser julgado, verdadeiramente, é o regime, que permite passar a mensagem pública de não ser uma pessoa de bem. Nós no nosso tempo no SIE, não nos pautamos por acusações gratuitas aos cidadãos, mas é isso que os nossos detractores estão a fazer. Para nós é uma benção, pois permite ao povo ver quem é quem nesta farsa e como poderá ser daqui para frente se for instituída a cultura da mentira e da intriga.

 


F8 – Está a dar uma imagem cândida da vossa actividade. O que é efectivamente o SIE?


CV – Sei o que era o SIE do nosso tempo, não posso falar dos serviços hoje, por me terem expulso, mas essa instituição começou a ser erguida em 1993 e era completamente diferente. Se reparar, por exemplo, já não existia a componente de instrução, detenção e prisão, a nossa actividade está espalmada na Lei de Segurança Nacional de 2002… Daí nunca nos novos moldes termos julgado ou prendido alguém, por não ser a nossa missão, contrariamente as instituições antecessoras do SIE. Nós transformamo-nos numa instituição de utilidade pública, completamente diferente, com os seus membros conhecidos e uma folha de salários e os nomes do elenco directivo, publicados em Diário da República, sendo conhecidas as suas regras e rostos, está aí o que se tornou uma inovação, levando certas pessoas a afirmar termos humanizado os Serviços de Inteligência Externa.

 

F8 – Deixou de acreditar nas instituições do Estado depois do que se passou com o vosso consulado?


CV – Seria injusto da minha parte dizer que deixei de acreditar nas instituições do Estado. As instituições estão lá, o grande problema são as pessoas, mas estas passam e as instituições ficam. Aqueles que hoje primam por aquilo que chamo a lei da força, esquecem-se do seguinte: a vida do Estado é um processo e nos processos existem mudanças justas e injustas, apenas julgadas pela maturação do tempo. Ora bem, se assim é por que não acreditar que um dia poderemos ter um futuro melhor. Por que não acreditar que essas instituições hoje que se calhar não são credíveis por causa dos seus titulares, amanhã serão diferentes. Não acredito que será sempre assim! Gosto muito da fuga para a frente, porque acredito ainda haver muita boa gente que não se mistura na lama criada com este caso, com vontade de fazer, verdadeiramente, repito, verdadeiramente, um país melhor e mais justo para todos.

 

F8 – Voltemos à sua condição anterior. O senhor fez passagem de pastas e conseguiu levar todos os seus pertences?


CV – Não! Infelizmente foi uma vergonha, mas tal como os outros disseram no Tribunal, ninguém fez a passagem de pastas, aliás a situação era de que os “golpistas” não deveriam ter acesso aquilo que são os seus pertences. Mas aqui devo abrir um parêntese, o actual director do SIE, fez questão, pelo menos em termo de bibliografia, que tinha muita no meu gabinete, de informar o general José Maria, que pretendia confiscá-la ou descaminhá-la, de dizer que era minha pessoal e não dos Serviços. Assim sem voltar nunca mais ao meu gabinete, recebi alguns dos meus pertences…

 

F8 – Acha que deve reclamar salários em atraso, ou acredita como diz, ter sido “desvinculado compulsivamente” para não reivindicar salário?

CV – Eu sou angolano, só tenho esta pátria, que servi por mais de duas décadas com uma folha limpa e se já não me querem devem ao menos respeitar a minha dignidade como homem e profissional, com direitos constitucionalmente consagrados. Agora o que se passa é que a pessoa que estava com o meu processo me disse que o que se está a passar é uma questão política. Mas que política é essa que trata assim os seus servidores? Mas a partir daí percebi outras coisas, essencialmente que era uma pedra no sapato de quem apenas está interessado em tachos e delapidar o dinheiro público e não a dignificação das instituições e do bom nome de Angola e dos angolanos.

 

F8 – Chegados até aqui, independentemente de tudo, qual é o seu sentimento?


CV – É um sentimento de crença no futuro e descrença no presente. Este País é de todos nós, pelo menos é o único que tenho e é aqui onde vou ficar e onde me vou bater com todas as forças ao meu alcance para que injustiças do género não venham a acontecer. Não é bom para o País, não é bom para as futuras gerações, não é bom para o prestígio dos angolanos. Eu estava numa posição privilegiada para dizer o seguinte: este País sempre teve um grande prestígio, não vamos queimar o capital acumulado ao longo desses tempos, até porque nós encontramos fórmulas próprias para chegar a paz, isso é louvado no estrangeiro pela comunidade internacional. Agora temos de lançar o estrume para as sementes de uma verdadeira reconciliação, tolerância, compreensão, brotarem no coração de todos angolanos. Cultivar o ódio, a raiva e a desconfiança é mau para a actual e futuras gerações. As pessoas deveriam sentar e resolver os problemas internos em casa e não lavar roupa suja na praça, como se está a fazer.

 

F8 – Acredita que é isso que se está a fazer?

CV – Tenho a certeza! E pergunto. Porquê tanto ódio? Se analisarmos um bocadinho o processo em que estão envolvidos os nossos camaradas deduz-se que é muito ódio por aí. Porquê? Quem lucra com isso? Se tentámos banir este ódio para chegar à paz, porquê ressuscitá-lo agora. É bom que estas pessoas que têm nome e cara, não vale a pena falar dos seus nomes, porque todo mundo as conhece, tenham a coragem de assumir as suas responsabilidades, numa eventual derrapagem deste processo. Isso, porque essas pessoas não são assim tão jovens, muitas delas já passaram a casa dos 55, dos 60. A vida é para frente e aquela lei segundo a qual o homem nasce, cresce, pode reproduzir e depois morre é uma lei natural, ninguém vai ficar aqui eternamente. Não vale a pena criar recalcamentos porque isso fica para as futuras gerações, os nossos filhos vão ter que digladiar um dia, vão ter que olhar para os apelidos e abrir novas frentes. Isso não é bom, estarmos a ver permanentemente a descendência das pessoas e das tais famílias tradicionais. Se analisarmos bem, que reclama muitas vezes o tradicionalismo das famílias esquece-se de dizer que este estatuto, por vezes tinha a ver com a sua ligação com a PIDE colonial, muitos eram bufos, queixavam os nacionalistas e ainda assim hoje pretendem reivindicar um estatuto de tradicionais. Vamos acabar com isso e tornarmo-nos todos iguais perante a lei, como diz a Constituição. Ainda vamos a tempo de evitar isso e é minha convicção que essas pessoas vão reflectir um dia e constatar os erros que estão a cometer. Aqui não se trata do general Miala, do Miguel, da Maria da Conceição, do Ferraz ou do Vitiaca, mas de quadros que lideraram uma instituição credível a nível interno e externo e não se apaga a estória dessas pessoas com actos do género, é bom que isso sirva para reflexão.

 

F8 – Na sua opinião, acha que o Presidente da República deveria intervir neste processo?

CV – É muito complicado entrar para este campo, muito sinceramente tenho uma opinião própria, mas não quero exteriorizá-la.

 

F8 – Mas acha que poderia ter sido evitado este julgamento?

CV – O julgamento nos termos em que ele foi realizado sim. Foi uma grande vergonha até para o mais analfabeto. E se pretendiam uma humilhação dos meus camaradas, não foram felizes, pois a maioria do povo está contra eles e sabe que se tratou de uma autêntica cabala, duma encomenda suja e triste…Nós todos assistimos e constatamos que ouve coisas que foram mal produzidas, não só do ponto de vista do próprio processo, mas também da lei e isso descredibiliza, não só os seus mentores, como as instituições e o partido no poder, que não vai deixar de ficar sem parte da factura, ainda que por arrasto, porque posso afirmar ter havido muita má fé. As pessoas que conduziram esse processo não agiram como pessoas de bem e vou dar um exemplo concreto, quando foi da nossa exoneração houve um alarido terrível na TPA, na Rádio Nacional, no Jornal de Angola e na Angop, mas, quando chegou a hora de os prenderem pura e simplesmente não queriam que o País soubesse que eles foram presos até porque sabiam e temos o exemplo concreto do general Miala que afinal não está na reforma está no activo e foi preso. Mas a Lei diz ser preciso que lhe retirassem as imunidades e isso não foi feito, demonstrando claramente haver pessoas que se sentem acima da Lei ou elas mesmas serem a Lei!

 

F8 – Está triste com o comportamento do Tribunal?

CV – O Tribunal e os juizes deveriam ser isentos, imparciais e não foram, deixaram-se manietar e truncaram a Lei. Era bom que essas pessoas reflectissem seriamente sobre as suas posturas, isto é um processo e os processos muita vezes trazem consequências cujos resultados são incalculáveis. Não gostaria de um dia olhar para o meu filho e ele perguntar: – papai mas vocês não fizeram nada para evitar aquela pouca vergonha? – Não gostaria de estar nesse papel, mas seja como for essa é a nossa triste realidade e temos de reflectir todos sobre o que se passou e sobre aquilo que está a acontecer.

 

F8 – Como reagiu a condenação do Tribunal a condenação dos seus antigos colegas de direcção pelo crime de insubordinação?

CV – Com muita mágoa e revolta e sentimento de se ter feito injustiça, numa altura que Angola assume a coordenação da Comissão dos Direitos Humanos, viola flagrantemente os direitos dos cidadãos no país. Todos vimos que o julgamento não foi justo, nem imparcial e que eles festejaram com se se tratasse de um grande vitória. Oxalá Deus lhes proteja e não sejam confrontados com o caminho das trevas amanhã, porque o Tribunal que só deve obediência à Lei e a consciência dos juizes agiu com pressões de um poder político, que está a prejudicar o país e a lançá-lo para o caminho do caos.