Luanda -  As manifestações de protesto e reivindicação social e política dos últimos dias, previstas por observadores e analistas sociais, como sendo potenciais, indiciam a existência de um quadro latente de conflitualidade social no país. Aliás, elas vão ser uma tendência, seja de forma organizada e programada, seja de maneira espontânea.


Fonte: Angolense


Em relação a participação dos cidadãos na vida pública, no país, ocorrem dois processos simultâneos, em contra-mão e interligados, cujos principais actores são o Executivo e alguns sectores discordantes da sociedade.

 

De um lado, o Executivo angolano investe forte na sua imagem e propaganda sobre o que se está a fazer para a resolução dos problemas da população, com destaque para a juventude, bem como na promoção da participação e diálogo com a sociedade. Nesta perspectiva, foi reformulado o modelo do Conselho Nacional de Concertação Social. Foi reafirmada a importância política dos CACS – Conselhos de Auscultação e Concertação Social, no quadro da implementação dos Programas de Desenvolvimento Rural e Combate a Pobreza, visando promover a participação da sociedade civil e de outros actores sociais na monitoria dos referidos programas. A apresentação pública do IBEP – Inquérito Integrado sobre o Bem-estar da População.

 

A realização regular de conferências de imprensa pelo Executivo, como forma de prestar contas e dialogar com a sociedade através da mídia. O mesmo é válido em relação ao TPA Actualidade e o recente Espaço Público da mesma estação televisiva e outros. O discurso político dá tónica ao que está ser feito para a juventude e as promessas de outras coisas. O Conselho Nacional da Juventude reapareceu recentemente no espaço mediático. Entre outras respostas concretas do Executivo para mitigar os graves e complicados problemas da juventude e promover o seu bem-estar, destaca-se, as Casas da Juventude, os condomínios para a juventude, as bolsas de estudos para a juventude. Concorde-se ou não, bons para uns e menos bons para outros, goste-se ou não, é a filosofia, a política e prática do Executivo angolano.   

 

Do outro lado, objectivamente, aumenta a contestação social e política, sobretudo da juventude. Esta contestação se desloca gradual e rapidamente do espaço privado ao espaço público, virtual e físico. Esta é uma expressão legítima de indignação social de vastos sectores da sociedade. Os jovens o fazem através da música de intervenção social, do teatro da crítica social, e agora começam actuar de forma pública, identificada e com autoria. Por enquanto, estes sectores são identificados por algumas correntes como sendo os sectores não – tradicionais de contestação social, ou seja, antes eram aparentemente invisíveis e desconhecidos do público. Não são os partidos políticos. Não são os sindicatos. Não são as associações e grupos cívicos tradicionais ou conhecidos. Não são as ONG's, como as vezes se insinua. Não são os que se acham iluminados da sociedade civil. São sim, jovens e não jovens, actores sociais actuantes com conteúdo de acção e causas a defender. 

 

Eles são humanos e mulheres passíveis de cometer erros e sujeitos às limitações próprias da pequenez humana. Todavia, isso não lhes retira o direito e a legitimidade de expressar, expectativas, discordâncias nos marcos da lei e do respeito pelas instituições públicas vigentes. Mesmo que não se concorde com eles, mesmo que se diga que só eram fisicamente cerca de 400 pessoas, mesmo que os chamem preconceituosamente de arruaceiros, mesmo que os tratem de jovens que querem tudo, e são da confusão, como aconteceu em Londres, mesmo que se faça condenação pública na mídia antes do julgamento nos tribunais, mesmo que os condenem em tribunais com justiça ou sem justiça, eles são angolanos com direitos iguais aos que se manifestam apoiando o poder. Não são os menos bons, e os outros mais bons. Este fenómeno de contestação sócio político crescente é incontornável, sobretudo pela sua natureza geracional – os jovens.

 

Estas forças, que tendem a configurar um movimento social, actuam a par de outras forças sociais que usam outros métodos como advocacia social, através da pressão ou diálogo, de forma pública ou privada, advocacia judicial, a educação cívica, a educação para o desenvolvimento, a educação jurídica.


Portanto, enquanto outros actores sociais emergem buscando outras formas de reivindicação e aprendendo com os seus erros e suas virtudes, o Governo, através das forças da ordem, também deve procurar aprender a lidar com novas formas de acção social reivindicativa.


    
A situação actual de Angola é delicada e sensível, pela nossa história recente de conflito armado e suas consequências. Deve haver prudência e discernimento do governo e dos governados. Deve-se estudar e pesquisar as causas, possíveis soluções e pô-las à discussão da sociedade. Deve-se assumir que a democracia não se reduz as eleições, mas sim no dia-a-dia e de forma participativa. Deve-se desafiar o ódio, a vingança e a tentação de aplicar a lei do mais forte. Deve-se promover o diálogo honesto, incluindo com aqueles que não concordam com quem tem o poder político. Deve-se promover uma cultura e educação de não recurso a violência para conquistar direitos por parte dos cidadãos e não usar violência desproporcional para manter a ordem pública por parte do Governo.