Luanda - Os desmaios de crianças e adolescentes por inalação de substância tóxica continuam a ser investigados, mas a Polícia Nacional já deteve algumas pessoas supostamente envolvidos nos casos, adiantou, em entrevista concedida ao Jornal de Angola, o segundo comandante-geral da corporação para a Ordem Pública. O comissário-chefe Paulo de Almeida justificou a detenção de alguns dos suspeitos com o facto destes utilizarem bisnagas de gás paralisante contra pessoas, por razões ainda por esclarecer. Outros, acrescentou, estão detidos por terem sido encontrados em posse de produtos tóxicos no seio de certo aglomerado de pessoas.


*Yara Simão
Fonte: Jornal de Angola


Jornal de Angola (JA) – Já há conclusões sobre o caso dos desmaios nas escolas?

Paulo de Almeida (PA) – Ainda ninguém está em condições de poder afirmar, com muita propriedade, o que se passou. Consideraram-se todas as hipóteses: lançamento de gases  tóxicos ou paralisantes, uso de produtos com grande percentagem de tóxicos, mal-estar patológico, droga, consumo de bebidas alcoólicas, etc. Todas essas situações contribuíram para a situação. Por se descortinar está o mal maior, mas tudo indica que a questão da histeria colectiva teve o maior efeito multiplicador do caso.

 

JA – A hipótese do produto de cabelo, avançada pela Polícia, mantém-se de pé?

 

PA – Não é nenhuma invenção! Nós falamos com evidência, convicção e dados. Existem alguns produtos para cabelos nos quais se detectaram algumas substâncias tóxicas que provocam um certo mal-estar às pessoas que os utilizam quando expostas ao calor e em sítios fechados e com certa aglomeração de pessoas. Não é por acaso que, quando socorridas, algumas dessas pessoas foram obrigadas a lavar o cabelo, a desmancharem as tranças e até mesmo a cortarem o cabelo.

 

 Como é que explica o facto de as mulheres serem as mais afectadas?

 É verdade! A maioria das pessoas afectadas foi, de longe, mulheres. Porquê, não estou em condições de responder. Aí é que o argumento da intoxicação levanta algumas dúvidas, uma vez que só afectou mulheres, quando também havia homens nas salas, por exemplo. Outra preocupação é o facto de, num grupo de 30 alunos, só cinco pessoas terem sentido esse mal-estar. Houve uma série de situações que nos criaram muitas dúvidas.

 


Como justifica as declarações que prestou durante a conferência de imprensa, segundo as quais os desmaios eram causados por fome?

Como disse, não há ainda uma conclusão! Nem mesmo os peritos internacionais da OMS (Organização Mundial da Saúde) e outros concluíram as suas investigações. Não é verdade que tenha afirmado que a causa dos desmaios era a fome. Dissemos, sim, que alguns casos de desmaios surgiram porque algumas dessas pessoas estavam com fome. Muitos de nós não tomamos o pequeno-almoço, não por falta de comida em casa, mas por vários factores. E quando não se fazem as refeições é natural que nos sintamos fracos.

 


Continuam a registar-se casos de desmaios?

 Sim! Mas são um ou outro caso por semana.

 

Há um prazo para ser apresentado o resultado definitivo sobre o que realmente aconteceu?

Não, porque são estudos científicos que estão a ser feitos com toda a calma e eficiência, até conseguirmos os verdadeiros resultados.

 

Quantas pessoas foram afectadas a nível nacional?

 Não estou em condições de lhe fornecer números exactos. Mas deve exceder as duas mil pessoas em todo o país.

 


 A Polícia Nacional já deteve alguém?

 Já foram detidas algumas pessoas supostamente envolvido nos casos.

 

Que razões estão na base dos envolvidos agirem dessa maneira?

 Brincadeiras de mau gosto e outras causas inconfessas. Mas continuamos a investigar!

 


Pode-se afirmar que existe uma rede no país com intenções maléficas?

Estamos a trabalhar e não podemos afirmar ainda que existe uma rede. Vamos primeiro fazer o nosso trabalho com eficiência para depois divulgarmos os resultados.

 

Como é que essas pessoas têm acesso a esses gases?

As bisnagas de gás paralisante encontram-se à venda nos mercados oficiais, sobretudo no exterior do país. É uma arma não letal defensiva que lá fora qualquer cidadão pode comprar.

 

Que comentário faz às manifestações que se têm realizado, principalmente em Luanda?

As manifestações em Angola são livres, mas têm regras. A Polícia tem a responsabilidades de garantir a ordem e a segurança das pessoas e locais onde se realizam as manifestações. Estamos muito bem preparados para cumprir essa missão. A preparação dos nossos efectivos prevê o assegurar e a cobertura policial das manifestações massivas com os meios e técnicas adequadas.

 

No dia 3 de Setembro houve, no Largo da Independência, uma manifestação em que muitos dos manifestantes terão agredido cidadãos inocentes. Onde estava a Polícia?

Não considero aquele acto como sendo uma manifestação. Foi sim um acto de vandalismo e violência. A Polícia esteve presente e soube, em tempo, repor a ordem. Por isso é que o tribunal julgou os insurrectos.

 


O comandante sempre defendeu que se deve desarmar os agentes das empresas de segurança privada. Em que pé está essa situação?

 A Comissão Nacional para o Desarmamento da População Civil propôs que a retirada das armas de guerra nas empresas privadas de segurança fosse antecedida da aprovação ou revisão da Lei do Uso e Porte de Armas e, também, da Lei sobre o Licenciamento das mesmas. Queremos definir um novo critério de organização das empresas privadas e o tipo de armamento a utilizar. Hoje, existem instrumentos letais e não letais que podem ser usados pelas empresas privadas de segurança que são consideradas armas de defesa pessoal e que se enquadram no modelo de armas que nós consideramos serem apropriadas para esses serviços.

 

 O que falta para a revisão das leis atrás referidas?

Por razões próprias, ainda não foi possível fazer-se essa revisão. Para não deixarmos as empresas desarmadas e incapacitadas de cumprirem o seu papel, excepcionalmente decidiu-se ainda manter tal situação.

 

Luanda continua a ser a província com o maior número de pessoas em posse de arma?

Todos os dias recolhemos armas. Actualmente, Luanda é a província que está a recolher o maior número de armas. Os números já não são exorbitantes, mas continuamos a recolher. A campanha mudou de dinâmica. Há menos propaganda e menos acção, porque tudo esteve condicionado a questões de organização interna. Passaram-se quase cinco meses sem coordenação, situação que dificultou a execução financeira para a cobertura dos encargos da campanha.

 

 Como classifica a criminalidade em Angola?

A marginalidade em Angola não deixa de ser preocupante, mas está sob controlo. Não causa muita instabilidade. Temos marginalidade, mas adequada ao momento político, económico e social do país. Acreditamos que, a medida que o país se vai desenvolvendo, é possível reverter para muito melhor.

 

 Que tipo de medidas estão a ser tomadas?

Estamos a modernizar-nos e a organizarmo-nos no sentido de fazermos um combate mais actual, convincente e eficaz. Vamos criar unidades especializadas de combate à droga, e estreitaremos a nossa relação com os países que connosco têm colaborado neste domínio.

 


A entrada de drogas no país é cada vez maior?

 Sim. É uma preocupação porque cada vez mais detectamos a entrada dessas substâncias no país. São provenientes da América Latina, que a partir de Angola serve de placa giratória para outros países, como a Namíbia, África do Sul e Europa, ou então vice-versa. Porém, preocupa-nos também o facto de no país estar-se a consumir consideravelmente. Na maior parte das vezes, o consumo de drogas origina a criminalidade. A polícia está a fazer todos os possíveis para combater esse fenómeno porque é um crime com repercussões nefastas para a vida familiar, para a sociedade e para a estabilidade do país. As vítimas são na sua maioria jovens dos 15 aos 40 anos de idade.

 

O tráfico de seres humanos é um assunto sempre abordado nos discursos das autoridades policiais. Já podem ser apresentados dados ou casos concretos sobre o assunto?

Falamos quase todos os dias disso. A imigração ilegal é um veículo do tráfico de seres humanos, a prostituição importada ou transfronteiriça é também tráfico de seres humanos, assim como a contratação de trabalhadores estrangeiros  O que temos e já  não se faz sentir nos dias de hoje é a prostituição. E vimos no sul do país pessoas que se aproveitavam das crianças para a exploração infantil. Mas venda de pessoas para o exterior do país não temos registo.

 


A imigração ilegal continua a ser um problema sem solução?

Esse é um outro fenómeno. Apesar de estar a diminuir, não deixa de ser preocupante, porque não estamos em condições de acabar com a imigração ilegal, devido à grande extensão das nossas fronteiras. O que estamos a fazer é a desenvolver sistemas de protecção das fronteiras no sentido de conter essa imigração. O perigo que pode surgir nos próximos 50 anos é Angola passar a ser um país de imigrantes consideráveis, se não forem tomadas medidas urgentes, quer de carácter policial, quer de política administrativa.

 

Aproximam-se as eleições de 2012. O que se pode esperar da Polícia Nacional?

Estamos a trabalhar em parceria com o Ministério da Administração do Território sobre o programa eleitoral. Estamos a gizar os meios e homens necessários para manter a ordem durante o pleito eleitoral.