Luanda - Na trajectória político-administrativa do MPLA, desde a sua suposta fundação há cerca de 50 anos, em 1956, registaram-se várias clivagens, cisões, afastamentos arbitrários e até mesmo fuzilamentos de personalidades que não concordavam com os métodos e procedimentos de actuação da liderança de Agostinho Neto, que consistiam na prática anti-democratica, consubstanciados, principalmente, na violação dos princípios básicos das normas da democracia interna;


Fonte: Club-k.net


Foi assim que, no ano de 1963, o co-fundador e arquitecto do manifesto que deu corpo à criação do MPLA, nacionalista e patriota Viriato da Cruz, então primeiro secretário-geral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), se desentendeu com Presidente Neto e par, dando origem à primeira crise de liderança no seio do Movimento; este grande patriota e visionário sabia e antevia que Agostinho Neto e pares chegassem a governação do país o neocolonialismo, em Angola, seria inevitável. Pois, Neto e pares mantinham correspondência com a elite militar do regime salazarista. (essas reflexões do lendário Viriato da Cruz podemos encontrá-las no livro "Amplo Movimento..." de Lúcio Lara.

 

Nessa crise e na sequência do gesto de Viriato da Cruz, abandonaram também a liderança de Agostinho Neto, os compatriotas Matias Miguéis, José Miguel, Manuel dos Santos Lima, Mário Pinto de Andrade, Graça Tavares, dentre outros membros do Comité director do MPLA;


Essa crise é por nós e por muitos outros compatriotas considerados como sendo das muitas razões de fundo que provocaram a não concretização dos objectivos que vêm reflectidos no manifesto acima aludido, pois, os seus arquitectos e ideólogos demarcaram-se da liderança desviante de Agostinho Neto, praticamente no inicio do Movimento que  fundaram, onde avulta a não prestação de contas; frustrando a obra à nascença.

 

Os compatriotas que chamaram a si essa responsabilidade, por razões várias e algumas aqui focalizadas, não conseguiram dar continuidade ao processo que resultaria na materialização do programa maior, que assentava essencialmente na obtenção da independência política, eco-nómica, jurídica e cultural do país, em suma, o bem-estar geral das populações, sem discriminação;

 

De 1968 a 1974, surgiu outra crise, desta vez liderada pelos Comandantes Daniel Júlio Chipenda e Jibóia, facção essa conhecida historicamente como a Revolta do Leste. Recordarmos que alguns dos membros dessa revolta foram mortos na guerra civil, entre os três Movimentos de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA), no período de transição para a independência. No futuro, a história encarregar-se-á de revelar os factos reais dai decorrentes.

 

Em 1974, como consequência da não resolução da gama dos problemas ocorridos ao longo da trajectória e pela complexidade que o processo de luta apresentava, a ausência de unidade de todas as forças nacionalistas que almejavam a independência de Angola, surgiu a Revolta Activa, posteriormente liderada pelo malogrado doutor Joaquim Pinto de Andrade, então pároco da igreja católica. Por ironia da história, liderou por pouco tempo o Partido Renovador Democrático (PRD), ora extinto por força da Lei dos Partidos Políticos, criado por sobreviventes do holocausto de 27 de Maio de 1977. As reivindicações e propósitos que o grupo da Revolta Activa defendia vieram reflectidos no documento que a história conhece como o «Apelo dos 19».


O famoso Congresso de Lusaka, de 1974, deve ser desmistificado, para permitir conhecer a sucessão de erros cometidos pelos percussores da luta pela independência, para que as gerações presentes e futuras saibam e venham a encontrar no futuro o caminho correcto que permita solucionar as diferenças, na base do diálogo e de consenso, rejeitando em definitivo a via de violência;


Recordamos aqui que a ala presidencialista do referido congresso, que estava representada em minoria, face ao conjunto das duas alas (Activa e Leste), lideradas por Joaquim Pinto de Andrade e Daniel Júlio Chipenda, respectivamente, levou vantagem sobre as forças em maioria, tendo em conta a intervenção contundente do lendário Comandante Nito Alves. Este, ingenuamente, sugerira um congresso abrangente, que se deveria realizar em Angola independente, o que foi aceite, mas, infelizmente, a ideia de Nito Alves não se efectivou, porque Agostinho Neto e pares, reconhecendo os erros cometidos durante os 18 meses de governação criaram o fantasma de Golpe de Estado, a fim de realizar um congresso a seu bel prazer sem a presença dos patriotas antes fuzilados por uma sentença colectiva por ele ditada publicamente e que os lançou para as valas comuns espalhadas por todo território nacional.

 

A história dos factos deve merecer a melhor reflexão dos angolanos, porquanto as reivindicações manifestadas continuam actuais, apesar de se estar num outro contexto político, pois, a miséria e a pobreza extremas dia após dia continuam galopantes sob olhar cínico do Presidente da República, dos ministros, governadores e das instituições de direito criadas para combater a impunidade, que encoraja a corrupção institucionalizada.
Na sequência dos problemas então acumulados, surge então o maior movimento contestatário no seio do MPLA, desembocado no dia 27 de Maio de 1977, liderado pelos compatriotas e nacionalistas Nito Alves, José Van-Dúnem e outros, com resultado dramático, como é do domínio geral.

 

Muito recentemente, foram sucessivamente afastados da direcção do MPLA os compatriotas Lopo de Nascimento, Marcolino Moco e João Lourenço como secretários gerais, sem justificação plausível. Tais factos não deixam de ser considerados crises internas, pois a maioria dos militantes não sabe até aqui o que esteve na origem de tais afastamentos e muito menos das clivagens havidas e que acima referimos.

 

Assim, qualquer uma dessas tendências ou correntes de opinião têm algo em comum, porquanto, não defendia o presidencialismo absoluto de Agostinho Neto e agora de José Eduardo dos Santos, que consistia e consiste na concentração de todos os poderes nas mãos de um só homem (Presidente do MPLA, Presidente da República, Chefe do Executivo e Comandante em Chefe das Forças Armadas). Essa prática encorajou e encoraja a bajulação, a corrupção, o culto à personalidade; desmobilização e apatia de quadros e militantes pensantes; destruiu e destrói as estruturas de base, já que, em tudo, só uma pessoa é determinante, o Presidente José Eduardo dos Santos.


Os métodos denunciados nas crises referidas e no Congresso de Lusaka e atribuídas a Agostinho Neto, foram retomados pelo seu sucessor, de tal forma que, nos congressos havidos até aqui, é sempre reconduzido com votos de mão ao ar, sem concorrência. Quando João Lourenço ousou, nos seus pronunciamentos em 2003, mirar o cargo do chefe, foi pura e simplesmente aniquilado, mantendo-o no silêncio absoluto, assim como os outros dirigentes Marcolino Moco e Lopo do Nascimento.


Texto extraído no livro "Nito Alves, a última vítima do MPLA no século xx" de José Fragoso e Lucas Pedro.