Brasil - Agora o inimigo é outro! Sim, é isso mesmo, agora o inimigo é outro. Essa é uma célebre frase do Capitão Nascimento no filme Tropa de Elite 2 estrelado pelo “grande” atora brasileiro Wagner Moura dirigido por José Padilha lançado em 2010, que por sinal, chegou a bater o recorde de bilheteria como o filme nacional mais assistido no Brasil. Não sei por que, mas hoje essa frase me veio à cabeça e ficou martelando dentro de mim e enquanto fui pensando nela, automaticamente minha mente e meu coração foram arremetidos a Angola; o nosso querido e amado país.


Fonte: Club-k.net


Angola é um país novo; novo porque apenas agora, em novembro faremos 36 anos de independência de Portugal. Desde 1961, até hoje, passaram-se mais de 42 anos e durante esse tempo sempre pensamos ou pelo menos fomos levados a pensar que os nossos maiores inimigos eram os portugueses que tinham Angola como província ultramarina.

 

Durante muito tempo, nos levaram a pensar, ou pelo menos passamos a pensar que os nossos maiores inimigos, eram aqueles que não compartilhavam do regime que ideologicamente assumiu o poder no período pós-independência, portanto, se não se era do MPLA, automaticamente você era tido por inimigo.

 

Durante muito tempo, nos levaram a pensar que os nossos maiores inimigos eram aqueles que estavam nas matas e que se insurgiam energicamente contra o sistema. Porém, parece que de uma forma profética, nossos amigos e irmãos que estavam nas matas perceberam mais rapidamente a verdadeira face do inimigo por isso se levantaram para combater – não coloco em causa a forma como isso foi feito, não é o que eu quero abordar aqui.


Eu era pequeno, lembro-me dos meus tios serem apanhados pelo CRM, na chamada “canga” alguém se lembra? Pois é; meus tios, assim como muitos irmãos nossos, fugiam, não queriam ir para o serviço militar obrigatório, mas não tinha jeito, eram pegos iam às matas (...), onde ficavam anos lutando e combatendo os seus próprios irmãos e vice versa.


Muitos filhos de Angola se perderam assim. Muitos morreram, não tiveram oportunidade de estudar, se formar, aprenderem o respeito à lei e a dignidade da pessoa humana. Toda vida apenas aprenderam a dar tiros e nada mais.

 

Faz quase 10 anos que terminou a guerra em Angola; aos poucos as atenções começaram a ser colocadas noutros lugares. Não se trata mais de olhar para os nossos irmãos que estavam nas matas; eles saíram de lá, vieram para as cidades e percebemos que eram e são como nós! Também são seres humanos, merecem respeito e admiração. – isso porque o sistema colocava nas nossas cabeças que os da UNITA não eram pessoas; os kwatchas, não mereciam viver. Era assim que se pensava. Eu mesmo fui vitima dessa lavagem cerebral, graças a Deus não me atingiu, mas muitos dos nossos irmãos que sempre moraram nas cidades (MPLA), até hoje ainda tendem a pensar que os nossos irmãos que viveram nas matas (UNITA), não merecem respeito.


Hoje a realidade é outra, ainda há muito a ser feito para sarar as feridas e as marcas que ficaram e não podemos de modo algum aceitar que um governo, Estado, ou qualquer política de quem quer que seja, trabalhe em prol da desunião do nosso país. Somos um só povo e uma só nação!

 

É por isso que hoje, o nosso inimigo é outro. Aliás, diga-se de passagem, não temos apenas um inimigo, mas vários inimigos! E esses são os mais perigosos.


Quem são hoje os nossos maiores inimigos?

 

Sabe, irmãos, hoje, eu fico pensando na nossa realidade e a conclusão a que chego é uma: nossos maiores inimigos são aqueles que não nos deixam sermos nós mesmos. Sermos nós mesmos implica em sermos um povo que tem a capacidade de exercer os seus direitos políticos, sociais, (...). Um povo que conquista o respeito e a admiração do mundo pela sua humildade e inteligência.

 

Nossos maiores inimigos hoje são aqueles que usurpam o poder que lhes foi conferido pelo povo para o exercerem em nome do povo e para o povo – a soberania pertence ao povo -, mas que não o exercem em favor do povo, mas em favor de si mesmos e dos seus interesses. Aqueles que forma muitos espertos: enquanto os filhos dos pobres estavam nas matas lutando (percebe-se hoje que essa luta era para os seus próprios interesses), eles mandavam os seus filhos nas Europas e Américas da vida estudar; muitos são os médicos, administradores e engenheiros de hoje – a realidade epistemologicamente falando, demonstra que essa é a grande verdade! São muitos espertos os nossos chefes hem? Filho de pobre tinha que ser da JMPLA, lutar muito dentro do sistema para ver se, com muita sorte, lhe era atribuído uma bolça de estudos!

 

Nossos maiores inimigos são aqueles que não deixam a sociedade pensar, refletir, questionar, se expressar; roubam e estupram as nossas consciências e ainda tem a coragem de nos chamarem para lutarmos e combatermos outra vez nossos irmãos que estava nas matas – não podemos nos deixar enganar outra vez! Angola é um país grande; é de todos angolanos maioria ou minoria política.

 

Nossos maiores inimigos são aqueles que não investem em educação; refiro-me a uma educação libertadora capaz que encher o coração, a alma do povo angolano ao ponto de inseri-lo no meio de outros formados em qualquer parte deste mundo e se sentir no mesmo patamar; sem complexo, medo do conhecimento ou da técnica.


Nossos maiores inimigos, senhoras e senhores, são aqueles que em nome do Estado angolano, firmam contratos com o exterior sem o explicarem ao povo endividando o país nos levando à masmorra e comprometendo a saúde e o desenvolvimento das próximas gerações. Nossos maiores inimigos são aqueles que nos intimidam; infringem o medo a nós que somos jovens; chamam-nos de arruaceiros, quando no fundo no fundo só estamos querendo um país onde haja liberdade, igualdade, verdade e compromisso com a lei e a sociedade.

 

Nossos maiores inimigos são, ainda, aqueles que tomam a comunicação social e a paternalizam tornando-a escrava de um sistema; de uma ideologia, de um partido; de um líder; de uma minoria em detrimento dos interesses da maioria e censuram as redações de informações dos órgãos de informação não deixando, por exemplo, ir ao ar matérias que mostrem a sujeira do Governo e comprometam perante a sociedade e às organizações internacionais! Falta mídia investigativa em Angola.

 

Nosso maior inimigo é o nosso Presidente da República, com todo respeito, que assina um decreto presidencial de mais de 50 milhões de dólares passando aos cuidados da empresa do seu filho os cuidados da imagem institucional do Estado angolano! – Meu Deus, Angola é uma República e não é casa da Mãe Joana onde o Presidente e o Estado angolano firma contratos administrativos sem licitação violando sistematicamente o princípio da igualdade, da legalidade, da moralidade administrativa e da impessoalidade; ninguém pode falar nada! Sim, esse é o nosso maior inimigo! Vem cá, o nosso Presidente da República não tem assessores não é? Fazem o que afinal? Vem o presidente violar a lei e a constituição e não falam nada? E o parlamento afinal faz o que? Não lhe compete fiscalizar a atividade do executivo? Esses é que são os nossos maiores inimigos!

 

Nossos maiores inimigos são aqueles (MPLA) que sustentam todo esse sistema de roubalheira que se vive em Angola, onde eu – como angolano vivendo num país tropical -, vou passar férias no meu país e tenho que beber água mineral porque senão pego diarreia ou tifo! Isso é uma vergonha (aconteceu comigo ano passado quando fui passar férias fiquei 40 dias no Sumbe, na primeira semana peguei diarreia e tifo por causa da água). Isso é uma afronta às nossas consciências. Eu sempre bebi água da torneira aqui no Brasil. Tenho que beber água mineral no meu país? Não; eu não aceito isso! Um governo que não consegue proporcionar água potável, luz elétrica, e saneamento básico, aos seus concidadãos, não merece ser governo; é o nosso maior inimigo.


Nossos maiores inimigos são aqueles que até hoje não conseguem proporcionar o mínimo existencial: água potável, luz elétrica, um banheiro com um chuveiro dentro. Muita demagogia no meu país. Meus irmãos não podemos nos calar; temos que exigir; Angola tem condições; se os administradores são incompetentes, temos que mudá-los.
Nossos maiores inimigos são aqueles que falam de democracia, mas que por trás tem um governo que é sagaz na maneira de violar sistematicamente a constituição do país tanto por ação ou omissão. Fazem as leis, mas são os primeiros a violarem. Fragilizam as instituições democráticas em detrimento do chefe do executivo. Esses é que são os nossos maiores inimigos!


Nossos maiores inimigos são aqueles que pensam que paz é cantar nas praças é apenas o calar das armas é encher de cerveja os nossos jovens, não; não é isso! Paz é muito mais do que isso; é respeito às liberdades públicas, paz é respeito à dignidade humana, é valorização do ser em detrimento do ter. Paz é proporcionar oportunidade a todos em iguais condições de acesso à justiça, à liberdade à expressão.


Nossos maiores inimigos são aqueles que fortalecem o exército e se esquecem de que o exercito é uma organização para manter a soberania e não para acobertar os interesses do sistema, e mais do que isso, ser guiado por Generais que nas terras da Lundas, dominam os locais onde tem diamantes; tudo pelos seus interesses!


Que país é esse? Tudo em nome da paz; isso é paz?


Paz é investir num sistema de governabilidade que seja embasado na verdade; na ética, na moral pública. Paz é não partidarização das instituições, é não censurar a mídia; paz é criar condições para o exercício pleno dos direitos políticos e sociais.


Paz é fazer o ser angolano orgulhoso dos líderes e dirigentes que tem; é saber olhar nos olhos e não ter medo; é colocar todos ao alvitre da lei. Paz é respeito ao princípio da separação e interdependência de poderes. Paz é fortalecer legalmente o Ministério Público alçando-lhe à categoria de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e que seja regido institucionalmente pelos princípios da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional. É assegurar a este órgão (nos estados democráticos são considerados 4º poder) da autonomia funcional e administrativa.


Paz é reforma política e administrativa séria (Angola precisa urgentemente), levando o país aos caminhos da reconciliação nacional. Paz é prestação de contas; é termos uma administração publica que funcione sob os principio da Legalidade, Impessoalidade, Eficiência, Moralidade e Publicidade.

 

Paz é entender que Angola precisa urgentemente de descentralização e desconcentração política, económica e administrativa. Maior parte das províncias é pobre porque tem líderes pobres de espírito e não tem capacidade administrativa. Muitos não pensam, só estão lá porque são do MPLA. São sem criatividade, e só esperam cair alguns dólares do Governo Central para fazerem alguma coisa!


Esse sistema centralizado é a maior desgraça do nosso país. O Mundo mudou, mas nós não queremos mudar. É preciso fortalecer os governos municipais e potencializá-los com pessoas que sejam capazes e competentes, isso porque é nos municípios onde os maiores problemas acontecem; até se ter uma política do Governo Central para resolver aquele determinado problema municipal, surgem outros problemas e aquele anterior não é resolvido isso porque a realidade é bem dinâmica e não é homogênea; cada localidade de Angola é uma realidade única. Assim, o Governo Central ao chamar para si a responsabilidade administrativa de todo país, corre o risco sério de cair muito facilmente no descrédito e mais do que isso; alimenta a corrupção que é a grande desgraça do povo angolano!

 

É preciso fortalecer os Municípios. Município forte é sinônimo de população local forte; população local forte é sinônimo de províncias fortes e províncias fortes é sinônimo de país forte, e claro, de um forte Governo Central. Portanto a lógica precisa rapidamente de ser invertida; é de baixo para cima que se governa e não de cima para baixo.


Qualquer outra forma do Estado angolano funcionar que não sejam observados esses aspectos; o próprio Estado se torna inimigo da Sociedade, portanto, do POVO ANGOLANO! E deve ser combatido, não porque não tem legitimidade, mas porque não cumprirá cabalmente os fins do próprio estado plasmados no art. 1º da nossa Carta Magna de 2010.

 

Lembre-se o teu maior inimigo não é o teu irmão de sangue, mas a ignorância a respeito da nossa responsabilidade. Nosso maior inimigo é a nossa própria indolência e insensibilidade; é a nova pouca capacidade de lutar.

 

Virão dias em que as próximas gerações nos cobrarão por não termos sabido fazer coisas tão simples para eles.


Os verdadeiros inimigos estão identificados. Devemos combate-los sem medo!
Levante, resista: lute pelos seus direitos – Bob Marley.
Nelson Custódio

Campinas, São Paulo, Brasil aos 30/09/11.