Toronto - Os últimos acontecimentos que ocorrem em Angola, com onda de manifestações, detenções, espancamentos e até morte, levam-me a lembrar o famoso desabafo de Luther King Junior, no qual o activista mostrou-se preocupado com o silêncio dos bons: “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.

 

Fonte: Club-k.net

Os bons devem associar-se a estes jovens para

dizer que “32 anos é muito”

Este silêncio dos bons que se regista em Angola perante graves atrocidades e desrespeito aos direitos humanos - associado a uma vasta propaganda pro-governo, confundindo, e nalguns casos sentenciando os jovens manifestantes de marginais, insurrectos, inimigos da paz e da ordem, instrumentos do ocidente – ocorre precisamente numa altura em que se registam 50 anos desde que um grupo de jovens, empunhando paus e catanas assaltou a cadeia de São Paulo em Luanda, tendo na altura criado vários feridos, mortes e muitas detenções. No Bié há registo de duas mortes e dezenas de feridos. Em Luanda há quase uma centena de detidos, e desenas de feridos...

 

Há cinquenta anos, 1961, os então jovens eram vistos como terroristas, delinquentes, marginais, inimigos da paz e do bem-estar social pelas autoridades oficiais, visto terem praticado um crime hediondo, reprovado a todos os níveis. Enquanto isso, os movimentos independentista na altura, classificavam o acto como heróico. Na altura, muitos angolanos e angolanas condenaram a acção dos jovens, outros, os bons, ofereceram o seu silêncio, como garantia das suas vidas, famílias, emprego… Em 1975, 14 anos depois, estes homens foram classificados heróis nacionais, e a data, 4 de Fevereiro é Feriado Nacional.

 

Estes jovens, os que se manifestaram no passado dia 3 de Setembro de 2011, todos na casa dos 20 e 30 anos de idade, são já netos, e nalguns casos bisnetos, daqueles que a 4 de Fevereiro de 1961 deram início a Luta Armada de Libertação Nacional. Nenhum deles tem memória dos massacres de 27 de Maio, poucos se lembram dos confrontos de 1992, são portanto, jovens sem cultura do medo. Este é o ciclo natural da vida. Em cada 50 anos o mundo volta ao ponto de partida. Os acontecimentos ocorrem com menor ou maior violência, mas ocorrem, e são irreversíveis.

 

Nenhum angolano, honesto, seria incapaz de deixar de reconhecer os feitos do Presidente angolano que desde os seus anos verdes dedicou-se à causa do povo angolano, desde a sua participação no processo de independência nacional, a luta contra as evasões externas, a conquista da paz e a liderança no processo de democratização, reconciliação e reconstrução nacional. Contudo, as várias vozes que se levantam ou silenciam são unânimes em declarar que precisamos de um novo líder, quer ele emerja do próprio MPLA, quer de um outro partido ou mesmo que seja independente.

 

Os bons devem associar-se a estes jovens para dizer que “32 anos é muito”. “Queremos mudanças”. “Queremos liberdade”. Devem dizer ainda que o que está a acontecer com os manifestantes não está correcto. Que tem havido excessos por parte dos agentes da polícia. Que o tribunal deve exercer o seu papel com isenção e ética. Que o que está a acontecer é simplesmente o ciclo da vida… E que este processo é irreversível.