Luanda - Trinta e dois anos após assumir o poder, o presidente Eduardo dos Santos, que se transformou no alfa e no ómega desta terceira república com a constituição moldada á medida dos seus desideratos, enfrenta os maiores desafios  num país onde a juventude começa a cansar-se das promessas eleitorais e o passivo do longevo consulado não foi apagado pelas marcas do presente.


*Mário Paiva
Fonte: ACapital

O país já não acredita que depois de JES, só pode ser o "dilúvio"

O discurso do PR sobre o estado da nação, um figurino que não é suficiente para apagar o formato da segunda república, onde o distanciamento olímpico da presidência face aos outros órgãos de soberania era ostensivo na forma e na letra – paradoxalmente, dir-se-ia que agora com o actual texto constitucional é imperativo pelos poderes concecidos ao presidente, embora com novidades pouco substantivas na forma – é pois aguardado num contexto particular em que se acentua o desgaste do governo.

 

Pior que tudo, tanto no seio dos apparatchik do partido governamental como no “inner circle” presidencial – a reacção marcadamente autoritária exemplificada com a deriva securitária pela repressão às manifestações ou pela incoerência das posições e práticas tanto ao nível do MPLA como das governação na capital e em várias províncias – demonstrou que o partido das camaradas, habituado aos encómios e aplausos permanentes, lida dificilmente com o novo fenómeno da contestação juvenil das ruas, que, imagine-se, não demanda somente reivindicações sociais mas também políticas.


O ponto é: serão suficientes novas promessas eleitorais sem mudanças palpáveis, sobretudo em termos sociais – habitação, saúde, emprego, educação - ? Até onde poderá ir o Presidente da República, o líder do MPLA, sem alterar o perene equilíbrio entre barões e cabos do reino, onde o público e privado se confundem despudoramente ?

 

Entre as oposições e a sociedade civil, onde se erguem muitas vozes contra o pensamento único, ou mesmo entre os sectores mais atentos da esfera do MPLA, os argumentos da cabala estrangeira e do perigo iminente da guerra face aos protestos juvenis, já não convencem. Se agora, tirando Marcolino Moco, que claramente se demarcou do partido da situação, poucos ousam falar, já é notório verificar que o chefe da informação da MPLA, Rui Falcão, não está no mesmo diapasão que João Melo.


A sucessão de Eduardo dos Santos, transformada em tabu excessivo ao longo dos tempos, é actualmente, uma questão da maior actualidade política. Mas o problema é que não se trata apenas de Eduardo dos Santos, na circunstância, líder do MPLA e Presidente da República. Nas lideranças do MPLA também concorrem os factores do imobilismo, no estreito círculo presidencial e afins, e aqueles que ambicionam novo protagonismo. Trata-se de uma equação que não se resolve apenas entre favoritos de Manuel Vicente ou Carlos Feijó, para citar apenas alguns exemplos.


O imobilismo político já demonstrou o seu carácter perverso. Uma “democracia” tutelada não satisfaz os anseios nacionais. Uma economia baseada em potentados privados catapultados pela sangria dos recursos públicos e a delapidação do estado, sem mercado livre e concorrência aberta, não progredirá muito, passada a bonança da alta dos preços do petróleo.

 

O país espera sobretudo que o Presidente da República introduza elementos de desanuviamento e diálogo entre o poder e as oposições e a sociedade civil, sobretudo depois da reacção obtusa e marcadamente autoritária das forças do partido do governo, MPLA e da polícia quando começaram a emergir os protestos e reivindicações da juventude pelo acesso à habitação, educação, saúde e emprego.


A deriva securitária do governo que se manifestou nos últimos tempos não é favorável a um clima de desanuviamento político e exercício pleno das liberdades civis; adensada também no domínio da Imprensa pela manipulação ou censura.


Tomando em consideração o papel de Eduardo dos Santos no contexto actual, seria conveniente em nossa opinião, que fosse clarificado diante da nação o seu posicionamento enquanto líder partidário e um dos principais actores políticos, face ao pleito eleitoral que se avizinha. Em nome da transparência os eleitores têm o direito de saber ao que vão no pleito de 2012: i.é. se JES se constituirá em cabeça de lista ou não do MPLA.