Luanda – Quando em Janeiro do ano transacto, o maior partido da oposição angolana decidiu abandonar a plenária que aprovou a Constituição que perpetua o Presidente José Eduardo dos Santos no poder, o partido dirigido por Eduardo Kwangana não hesitou, duas vezes, em acusar a UNITA de ser uma formação política com sérias dificuldades em viver na diferença e de se adaptar a uma convivência urbana. E hoje, o PRS decidiu envergar-se pela mesma via, ausentando-se da sessão plenária da Assembleia Nacional que aprovou na generalidade o Pacote Legislativo Eleitoral por desacordar com a forma como os documentos foram elaborados, segundo o seu presidente da bancada parlamentar, Sapalo António.


Lucas Pedro
Fonte: Club-k.net

Por outro lado, o facto da Assembleia Nacional não ter levado em conta as propostas de leis dos demais partidos políticos, está também entre as razões do abandono do PRS.
A decisão surpreendente do PRS obrigou, como de hábito, este postal a ir ao encontro de Sapalo António, para saber o que, de facto, se passava. Sem reticências, sem subterfúgios linguísticos, colocamo-lo as seguintes questões.


Club-k – A que se deve a vossa atitude na sessão de terça-feira (25/10)?
Sapalo António –
Sabe que nós somos um partido representante dos interesses do povo. Quando estamos a falar dos interesses do povo e da soberania (porque a soberania reside no povo), e tudo aquilo que nós fazemos tem que ir de acordo à vontade do povo. O povo precisa que as leis sejam respeitadas. A Constituição seja respeitada. Tanto mais, não é o povo directamente que voto ou que aprova estas leis e a Constituição. Somos nós deputados que aprovamos. Então, se nós é que aprovamos em nome do povo, temos que ser nós primeiro a respeitarmos estas leis.

Por outro lado, sabe que Angola é parte subscritor de acordos, tratados, cartas internacionais. Estamos a falar da Carta Africana, as eleições, democracia e a governação. Assim como, a Carta das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, democracia etc., além dos tratados da região da SADC. Assim sendo, tudo isso tem que ser respeitado e acima de tudo. Temos que ter em conta o princípio fundamental que está universalmente consagrado na nossa Constituição que é, um princípio de estado democrático de direito.

É daí que, nós estamos a preparar o Pacote Eleitoral. O Pacote Eleitoral, sua preparação e o seu desenvolvimento não podem ser numa base de desvantagens. Porque não se trata de governação. Quem está agora a governar quatro anos tem que ser ao pé de igualdade, porque a Constituição também é clara.
Não podemos aceitar que um partido assuma a responsabilidade absoluta para efeitos de dividendo ou vantagens em detrimentos de outros autores, cuja lei não dá essa vantagem previa. Quem deve dar a vantagem é o povo e não uma pessoa, porque está no poder, tem que assumir adianteira para a sua auto-eleição. Não é. É daí que nós achamos conveniente chamarmos a razão as pessoas que assim estão a proceder. Neste caso é MPLA que tem a maioria parlamentar. Temos que procurar correspondermos os nossos discursos políticos com os actos. Não vamos publicamente dizer outras coisas, mas na pratica façamos o contrário.

Outra questão que nos levou a tomar está decisão, é que as outras tratantes do processo eleitoral é cessível. Sabe que as eleições provocam conflitos e todo aquele partido, e toda aquela pessoa que tem a missão de estabilizar o país, de manter a paz e de promover uma convivência salutar, não pode de forma nenhuma agir com espírito de superioridade. Que é grave.

Vejamos que nós (PRS) há um Pacote Eleitoral que foi preparado por três partidos. PRS foi o primeiro apresentar, depois a UNITA e o MPLA, o consenso que tínhamos chegados é que primeiro os grupos parlamentar deviam trabalhar para produzirem um projecto único, que posteriormente seria submetido ao presidente da Assembleia Nacional. Este depois, encaminhar para área especializada para tratamento, o que visará a sua discussão e provação na generalidade, na especialidade e depois na aprovação final. Isso não aconteceu. Pegaram num único projecto que é do MPLA, usando a maioria, e submeteram à plenária. Muito sinceramente nós não podemos concordar com isso. Pois, não se trata de qualquer projecto democrático e abrangente. Não. É um projecto fracturante de ponto de vista político, de ponto de vista democrático, de ponto vista legal e de ponto de vista constitucional. Não podemos de forma nenhuma pautar com isso.

 

Grupo Parlamentar do MPLA rege-se na base

da vontade de José Eduardo dos Santos

 

A vossa reacção foi idêntica da UNITA na vez passada... Agora virou moda para os partidos da oposição se retirar da sala quando não estão de acordo com a posição imposta pela maioria parlamentar?
É uma boa questão que precisa ser esclarecida. Nós naquela altura fomos a uma discussão forte até ao último dia, porque tínhamos matérias suficientes. Nessa altura é que todos tinham uma única missão. O espírito de trabalho em conjunto. São factos, mas agora já não. Como é que vamos continuar numa matéria que não conhecemos. O quê que vamos lá fazer? Porque os documentos que foram submetidos são que vieram do MPLA, directamente para a plenária. São provas. São factos.
Então não temos nada que discutir documento de um partido, porque são vários projectos que foram apresentados. Depois houve um acordo de que iríamos trabalhar em conjunto e, o MPLA dá volta através da maioria, não aceita e decide levar o seu projecto ao plenário para ser objecto de discussão.
Qual é o objectivo? O objectivo concreto deste projecto do MPLA é dar volta a Constituição. O que quer dizer? Quer dizer que a Constituição só é valida quando satisfaz exclusivamente MPLA. Mas quando põem em causa as intenções maléficas do MPLA, porque como quer preparar a fraude já não existe a Constituição, muito menos leis. São papeis higiênicos.

 


Então, a fraude eleitoral já está vista?
A questão é simples. Se o MPLA diz que tem muitos militantes – quer dizer de ponto de vista sociológico e psicológico – estaria tranquilo. Até seria o primeiro partido a observar rigorosamente a própria Constituição. Tanto mas, nós (PRS) e o MPLA é que, pela maioria, aprovamos. Nós assumimos. Mas, devia ser ele o primeiro a observar rigorosamente. Porque está tranquilo. Não é sou eu que estou a dizer, mas o próprio MPLA diz que é a maioria. Então não há necessidade de criar meandros. Não há. O quê que os leva a fazer isto?
Por outro lado, o quê que leva o Presidente da República – é o primeiro magistrado como se diz, até promulgou a Constituição –, a usurpar uma tarefa que lhe é inconstitucional, no caso Registo Eleitoral? A Constituição não diz que o Executivo deve fazer o Registo Eleitoral. Porquê que fez isso? Com que fim? E até podemos associar isto, será que ele é ingênuo? Não! José Eduardo dos Santos não é ingênuo. Ele sabe o que ele quer com o Registo Eleitoral, como fez em 2008.
Podemos associar isso com uma pergunta para reflexão. Vamos supor que a própria Constituição admite-se o Registo Eleitoral como competência do Executivo, José Eduardo dos Santos aceitaria que esta actividade fosse realizada por uma Comissão Nacional Eleitoral? Além desse exemplo, há tarefas, há atribuições, há competências constitucionais do Presidente da República e do Chefe do Executivo. Ele aceitaria que a Assembleia Nacional, que o judiciário ou uma outra pessoa singular como nós, usurpa-se essas competências e funções constitucionais, ou legais, do Presidente da República e do Chefe do Executivo? Qual seria a sua reacção? E a reacção mesmo de toda sociedade e das pessoas fundamentadas que lhe cercam? Então não estamos a ser sério conosco mesmo.

 

Neste caso, houve falta de honestidade por parte da bancada parlamentar do MPLA?
Principalmente do próprio Presidente da República. Eu vou lhe dizer com toda minha honestidade, é que o grupo parlamentar do MPLA rege-se na base da vontade de José Eduardo dos Santos. No país, o MPLA é o José Eduardo dos Santos. E por outro lado também, as vontades dessas pessoas todas gravitam à volta da vontade do MPLA. Não são vontades livres de consciência e de liberdade. Não é verdade.

 

PRS irá participar na aprovação do Pacote Eleitoral na especialidade?
Nós vamos participar na especialidade. É o primeiro passo que estamos a dar para chamarmos o MPLA à razão. Vamos a discussão na especialidade e esperemos que eles, de facto, compreendam a razão de uma harmonia política e social para o país, porque isso é muito importante. O PRS vai às especialidades e no fim teremos todos os passos traçados para poder continuar nesta luta política.


E caso estas discussões não forem de acordo com o pensamento do PRS, qual será a vossa posição? Vão partir para as eleições ou...?
Nós primeiro temos que ir à Constituição. A Constituição nos garante um instrumento quando a lei é violada, então é posto em causa os interesses nacionais, o Artigo 168º é claro. Se o MPLA quer violar a Constituição, quer tornar a Comissão Nacional Eleitoral simplesmente como uma flor retirada da sua raiz, então temos um instrumento que se chama o Artigo 168º, o Referendo. Vamos propor a realização do Referendo para ouvirmos o povo. Como a própria lei diz que, o Referendo deve ser feito com aceitação de 2/3 e porque o PRS não tem número aqui há duas posições, ou o MPLA aceita, porque são eles que tem a maioria, ou não.
Se não aceitar vai ter que justificar e o povo vai saber. Porque quem deve decidir é o povo. Eles vão ter que dizer ao próprio povo porque não deve intervir para decidir sobre um assunto delicado que quer nos dividir. É o povo que tem que dirimir este conflito.


E caso ao contrário?
Caso ao contrário o PRS vai promover uma manifestação generalizada a nível nacional e internacional, concretamente em todos os países onde Angola tem suas representações.


O QUE DIZ O REFERENDO?


Artigo 168.º (Iniciativa de Referendo nacional)

1. A iniciativa de referendo nacional pode ser exercida pelo Presidente da
República, por um quinto dos Deputados em efectividade de funções e pelos
Grupos Parlamentares.

2. Reveste a forma de proposta de referendo a iniciativa apresentada pelos
Deputados e Grupos Parlamentares.

3. É proibida a realização de referendos constitucionais.