Luanda - Boa noite. Gostaria de agradecer a Universidade Lusíada por me convidar para proferir algumas palavras esta noite. Esta oportunidade de me associar a tão distintos académicos e estudantes promissores, numa questão tão importante para Angola e para os Estados Unidos, é para mim um grande prazer. Gostaria também de elogiar a Universidade Lusíada pela excelente formação que proporciona aos jovens que aqui estudam. Os jovens angolanos são o futuro deste país e o seu futuro depende de uma boa formação.


Fonte: http://portuguese.angola.usembassy.gov/speechamb11072011.html


Gostaria de aproveitar esta oportunidade para partilhar algumas reflexões relativamente às relações entre os nossos dois países. Qual é o estado actual das relações entre Angola e os Estados Unidos? Como chegámos até aqui? Para onde caminham as nossas relações? E como podemos melhorar as nossas relações de modo a ajudar o povo de ambos os países?

 

Como historiador, gostaria de tecer algumas breves considerações sobre a história do meu próprio país, pois considero-a crucial para tentar entender os factores que moldaram a política externa americana, incluindo as relações com Angola e com outros países africanos.

 

Os Estados Unidos da América surgiram como um grupo de colónias governadas pela Inglaterra. Em 1776, os Pais Fundadores da América publicaram, na minha cidade natal de Filadélfia, a declaração de independência. Essa declaração de independência baseava-se nos princípios revolucionários de que todos os homens nascem iguais; que os governos são escolhidos pelo povo; e que os governos servem o povo. Estes conceitos americanos – de que todos os homens, aos olhos da lei, têm direitos fundamentais, como liberdade e igualdade – no século XVIII (dezoito) eram ideais radicais.

 

Os nosso Pais Fundadores lutaram uma Guerra pela independência para criar uma nova nação sob esses ideais. Esses ideais continuar a estar no centro dos valores da América.  Estas ideais ainda hoje têm relevância e ressonância, pois em muitos países os povos ainda lutam pelos seus direitos e liberdades básicas.   

 

Apesar da declaração americana de que todos os homens nascem iguais, a nossa Constituição aprovou a escravatura, um sistema que violava as nossas crenças e valores mais fundamentais. Em resultado dessa contradição entre os nossos princípios e as nossas práticas, travámos uma brutal e sangrenta guerra civil, que finalmente pôs termo à escravatura, quase cem anos depois da nossa declaração de independência. Com a abolição da escravatura, ficamos mais próximo da realização dos nobres princípios, nos quais a nossa nação foi fundada.  

 

Cerca de cem anos depois da nossa guerra civil, o povo Americano lutou novamente para reformar as nossas leis de modo a garantirem igualdade e liberdade. Em meados do século passado, os afro-americanos não eram tratados como seres iguais aos americanos brancos. Por exemplo, muitos afro-americanos ainda não tinham direito de votar. Como o nosso governo não conseguiu dar resposta a esta situação, o nosso grande líder dos direitos civis, Martin Luther King, Jr., liderou uma campanha pacífica de protesto contra essa desigualdade. Através de reuniões não violentas e pacíficas, Martin Luther King e outros líderes dos direitos civis levaram à mudanças para garantir, na prática, igualdade e direitos fundamentais para todos os cidadãos americanos. O movimento Americano para os direitos civis, das décadas de 50 (cinquenta) e 60 (sessenta), representou mais um passo importante em direcção aos nossos valores fundamentais de liberdade, democracia e igualdade.

 

A experiência da América demonstra que materializar estes nobres princípios e ideais não é fácil. A maior força do sistema político americano é a capacidade de corrigir os seus erros e melhorar a governação, responder aos desejos do seu povo, adaptar-se às suas necessidades sem comprometer os nossos valores fundamentais. Estes exemplos mostram como o nosso governo serve o povo americano e como o povo americano desempenha um papel activo na garantia de que o governo serve os seus interesses.

 

Em consequência dessa luta, os americanos reconhecem que a democracia é um processo que exige não só vigilância como também humildade constante. Orgulhamo-nos de ter um presidente afro-americano, mas sabemos que ainda temos de combater o racismo. Orgulhamo-nos de ter notáveis recursos naturais e humanos, mas sabemos que ainda temos de combater a pobreza. Orgulhamo-nos de apoiar os outros países na sua luta pela liberdade, mas sabemos que não podemos dar a nossa própria liberdade por garantida.    

 

Poder-se-ão perguntar, o que é que a história da América tem a ver com a política externa americana para com Angola? Primeiro, os Estados Unidos e Angola têm experiências semelhantes na sua história. Ambos os países foram colónias de uma potência estrangeira e tiveram de travar guerras difíceis para alcançarem a sua independência. Após a independência, ambos os países travaram longas e sangrentas guerras civis que ameaçaram destruir as suas jovens nações. Felizmente, ambos os países sobreviveram a essa ameaça e reconstruíram as suas nações. 

 

Segundo, esta história mostra por que razão o apoio à democracia e aos direitos humanos é uma componente tão importante da política externa americana em geral. Estes são valores nucleares do povo Americano. Nós cremos que todos os povos do mundo devem gozar de direitos básicos como liberdade de imprensa e liberdade de reunião. Nós cremos que os governos servem o povo que governam. Sabemos que a democracia é um processo. Sabemos que cada país deve escolher o seu próprio caminho para a liberdade e democracia. Sabemos que todas as democracias partilham certas características – eleições regulares a todos os níveis do governo, instituições independentes, liberdade para os seus cidadãos. Nós cremos, que a democracia funciona tanto melhor quanto mais perto estiver do povo.

 

Com estes antecedentes históricos da experiência Americana e o seu impacto na política externa, gostaria de abordar o tema desta noite: as relações entre Angola e os Estados Unidos. Permitam-me esclarecer um ponto-chave – percorremos um longo caminho até estabelecermos relações diplomáticas entre os nossos dois países, há 18 anos.

 

Como é que isto foi possível?   Creio que foi possível, em parte, graças aos fortes laços interpessoais que os Estados Unidos e Angola partilhavam mesmo quando os nossos governos ainda não tinham relações formais.

 

Os laços entre cidadãos americanos e angolanos remontam ao século XIX (dezanove), quando missionários americanos chegaram pela primeira vez a Angola.    Nas comunidades onde trabalhavam, eles não partilhavam apenas as suas crenças religiosas,  mas também os seus valores americanos. Na realidade, os missionários americanos tiveram um papel importante no provimento de escolas, onde os futuros líderes da independência de Angola estudaram.     A título de exemplo, o pai de Agostinho Neto foi sacerdote metodista educado em escolas fundadas  e  administradas  por missionários americanos.  

 

As Organizações Não-Governamentais  e  companhias americanas  têm igualmente uma longa história de operações em Angola  e  de criação dos laços entre os nossos dois países.   Como sabem, as organizações não-governamentais americanas desempenharam um papel importante na distribuição de ajuda humanitária durante a guerra dos anos oitenta e noventa.  Hoje, essas organizações continuam a desempenhar um papel importante trabalhando com a sociedade civil angolana, com a Assembleia Nacional e com outros órgãos do Governo.

 

Do mesmo modo, as companhias Americanas operaram em Angola durante a guerra,  forjando laços fortes com o governo angolano, com os seus funcionários  e  parceiros angolanos.   O seu trabalho na área de responsabilidade social,  sobretudo nos domínios da saúde, desenvolvimento  e  educação mostra o seu compromisso com as comunidades angolanas em que já trabalham há algum tempo e continuarão a trabalhar.    De facto, muitos funcionários destas companhias têm raízes tanto nos Estados Unidos como em Angola.  Alguns têm dupla nacionalidade,  com uma combinação única de possuírem conhecimentos de ambas as culturas.   Outros ainda são formados em universidades norte-americanas.

 

Continuamos à procura de formas de estreitar o contacto entre americanos e angolanos, através desses poderosos laços interpessoais. Orgulha-me que cada vez mais estudantes angolanos estejam interessados em estudar nos Estados Unidos. Existem milhares de estudantes angolanos nas universidades americanas. Em 2010, estudaram nas universidades americanas mais de 600 (seiscentos) estudantes angolanos, o que é um recorde.    

 

Portanto, o progresso alcançado nos últimos dezoito anos teve por base esses fortes laços interpessoais. Essas relações são os alicerces para laços ainda mais fortes entre os nossos dois países no futuro. Felicito as instituições angolanas e americanas – ONG, empresas privadas, universidades e igrejas – que forjaram esses poderosos laços muito antes de os nossos dois governos estabelecerem relações diplomáticas.

 

O progresso das nossas relações bilaterais não se deve apenas a esses importantes laços interpessoais, mas também ao resultado de interesses convergentes. Angola é um de apenas três parceiros estratégicos dos Estados Unidos na África Subsariana. Como disse o presidente Obama, as parcerias da América com o seus amigos e aliados são guiadas por três princípios: respeito mútuo, responsabilidade mútua e interesses mútuos. A Secretária Clinton identificou Angola como parceiro estratégico, não apenas porque reconhece a importância de Angola, mas porque os interesses do Estados Unidos e os interesses de Angola convergem em várias áreas. 

 

Gostaria de abordar brevemente o conceito de “interesse mútuo” nas relações internacionais.


Angola procura diversificar a sua economia, de modo que esta não continue sendo dominada pelo petróleo e pelos recursos naturais, com os problemas de longo prazo que estas economias tendem a enfrentar. Os Estados Unidos partilham esse objectivo, em parte porque queremos criar mais oportunidades para empresas americanas em Angola e na região. Também sabemos que a estabilidade duradoura de qualquer país depende de uma economia diversificada que gera emprego e um padrão de vida decente para todos os seus cidadãos.

 

Angola procura reconstruir o país e superar a destruição causada por décadas de guerra. Os Estados Unidos partilham esse objectivo, como o demonstra o nosso programa de remoção de minas terrestres e entrega de terra livre de minas para fins produtivos. Também prestamos apoio financeiro e técnico ao Ministério da Saúde no seu esforço de reconstruir o sistema de saúde de Angola, de modo que todos os angolanos tenham igual acesso à assistência médica.


Angola procura desempenhar um papel maior na região e no mundo. Os Estados Unidos partilham também esse objectivo. Por exemplo, congratulamo-nos com a contribuição de Angola para a estabilidade e reconstrução da Guiné-bissau. Estando os laços entre o exército americano e as Forças  Armadas Angolanas em crescimento, incentivamos Angola a procurar outras formas de as suas forças armadas desempenharem um papel construtivo em África.

 

Angola procura reforçar as suas instituições democráticas e vê as eleições do próximo ano como uma oportunidade para consolidar a democracia. Os Estados Unidos apoiam esses esforços e podem prestar apoio em áreas como assistência técnica à Comissão Nacional Eleitoral (CNE), como também na formação para a educação dos votantes e observadores das eleições, mesas-redondas para a sociedade civil e formação para os jornalistas sobre o papel de um imprensa livre na cobertura eleitoral.

 

Os Estados Unidos vão também realizar eleições no próximo ano. O Presidente Obama vai concorrer à reeleição e tanto poderá ganhar como perder. Em qualquer dos casos, o candidato Obama – e o republicano que concorrer contra ele – está comprometido com o processo eleitoral, o que permite aos votantes tomarem a decisão final sobre quem irá liderar o país. O povo americano irá também eleger 435 (quatrocentos e trinta e cinco) membros da Câmara dos Deputados – todo o órgão legislativo – juntamente com um terço dos membros do Senado. Além disso, os estados e os municípios também terão eleições. 

 

Naturalmente, a democracia em qualquer país, incluindo nos Estados Unidos, não se trata simplesmente de eleições. A democracia é um diálogo permanente entre o governo e o povo. É um processo que depende de ambos, do governo e dos seus cidadãos, cumprirem as suas responsabilidades. É a base de todas as sociedades democráticas desde os tempos da antiga Grécia.  

 

Referi-me à história das nossas relações e por que razão Angola e os estados Unidos são parceiros estratégicos. Agora, para onde iremos, a partir daqui, com esta parceria estratégica?

 

Em Julho de 2010, a Secretária Clinton e o então Ministro das Relações Exteriores, Assunção dos Anjos, assinaram um acordo, em Washington, que formalizou a nossa parceria estratégica. Não obstante, ambos os países terão de definir e estabelecer esta parceria de modo que promova os seus interesses nacionais e sirva os nossos interesses estratégicos comuns. Isto exigirá um diálogo regular à medida que trabalhamos em prol de uma visão comum. 

 

Parte desse trabalho teve o seu início em Junho de 2010, com a inauguração do nosso Acordo Quadro de Comércio e Investimento binacional, ou TIFA, em inglês. Através do trabalho continuo no âmbito do TIFA e de reuniões periódicas de funcionários de alto nível do sector económico dos nossos dois governos, procuramos trabalhar com o governo angolano para melhorar o clima empresarial, que por sua vez irá atrair investidores e promover o aumento do comércio.  

 

Em Agosto de 2011, Angola e os Estados Unidos encetaram um diálogo energético no contexto da nossa parceria estratégica. Uma delegação Americana de alto nível veio a Luanda e encontrou-se com os seus homólogos do MIREX e do Ministério da Energia e Águas.   

 

Durante esses encontros identificámos uma ampla gama de áreas nas quais Angola e os Estados Unidos podem trabalhar em conjunto e não apenas na indústria petrolífera. Embora empresas petrolíferas americanas trabalhem em Angola há décadas, discutimos possibilidades de cooperação para ajudar Angola a desenvolver energia eólica, dar formação para energia solar e possível assistência na construção de barragens hidroeléctricas. Podemos trabalhar juntos na modernização das redes eléctricas de Angola e na gestão do sistema em geral. Estas são áreas de cooperação tangíveis, concretas, entre os nossos dois governos, que mostram o valor da nossa parceria estratégica e irão beneficiar o povo dos dois países.    

 

Vejo a parceria estratégica que temos com Angola como um instrumento para promover os interesses de ambos os países nos anos vindouros. Ao mesmo tempo, esta parceria não significa o fim de quaisquer diferenças ou discordâncias entre os Estados Unidos e Angola. Significa, antes, que agora temos um mecanismo estabelecido para abordar e trabalhar as nossas discordâncias, que são um elemento normal de qualquer relação e surgem mesmo entre os nossos aliados mais próximos. A nossa parceria com Angola permite-nos abordar as nossas diferenças na base do diálogo e da boa fé.

 

Somos países diferentes, por vezes com interesses e visões diferentes, associamo-nos como parceiros porque reconhecemos que partilhamos muitas metas e objectivos comuns. Estou empenhado em aprofundar e expandir estes laços entre os nossos povos e entre os nossos governos.


Mais uma vez, muito obrigado pela oportunidade de estar hoje convosco.