Luanda - Lendo atentamente a legislação eleitoral  a ser aprovada pelo MPLA, compreendi logo por que é que a maioria dos grupos parlamentares (FNLA, PRS e UNITA) a rejeitou. De facto, a legislação do MPLA ofende a Constituição, porque atribui ao Executivo competências que a Constituição confere com exclusividade à administração eleitoral independente.


Fonte: NJ

Deputados do MPLA violam a Constituição

Ouvi há dias alguns deputados do MPLA defender a ideia de que, em Angola, o facto de ser competência da CNE organizar as eleições, não deve impedir que seja o Executivo a organizar a logística eleitoral, porque em Portugal quem organiza a logística eleitoral não é a CNE portuguesa mas sim um órgão dependente do Executivo. Este argumento não é legítimo, pelas seguintes razões:


O Executivo angolano não é uma entidade independente e credível para organizar eleições ou a sua logística. O Executivo português talvez seja, porque ali, as acusações de corrupção são investigadas, os titulares de cargos do Estado não violam impunemente a Constituição e não há registos de fraudes eleitorais organizadas pelo Executivo. Pelo contrário, os vários Executivos têm organizado eleições que são ganhas pelas respectivas oposições. A última foi organizada por José Sócrates e quem as ganhou foi a oposição liderada por Passos Coelho. Em Angola, a natureza do seu regime torna isso impossível. 

 

A questão não reside no mérito do modelo independente de administração eleitoral escolhido por Angola nem no mérito ou desmérito do modelo governamental de administração eleitoral escolhido por Portugal. A questão reside tão só no cumprimento e na supremacia da Constituição. A nossa Constituição impõe o modelo independente ao passo que a Constituição portuguesa não impõe modelo algum. O legislador ordinário português teve oportunidade de escolha,  e escolheu o modelo governamental. O legislador ordinário angolano não tem escolha nesse domínio, porque o legislador constituinte impôs já o modelo independente, que é aquele em que a administração eleitoral não está vinculada ao Executivo, como acontece por exemplo no Brasil, Austrália, Canadá, Israel, África do Sul e em todos os países latino-americanos com excepção da Argentina.

 

A Comissão Nacional de Eleições de Portugal, apesar de qualificada por lei como órgão independente, está integrada na Administração Pública e funciona “junto da Assembleia da República”. A CNE angolana não está integrada na Administração Pública, é independente do Executivo e não funciona “junto da Assembleia Nacional”. Ela não pode integrar a Administração Pública, porque a Administração Pública é dirigida pelo titular do Poder Executivo e a administração eleitoral é independente e separada do Executivo.

 

A CNE portuguesa, está sujeita à tutela da Assembleia da República, a quem cabe velar pela regularidade e isenção dos actos e processos eleitorais que ela organiza. A CNE angolana, não está sujeita a poderes de superintendência, nem está submetida a poderes de tutela, pois a natureza da sua independência é diferente da independência relativa ao modelo governamental. A natureza da independência da CNE angolana é exactamente igual à das CNE’s da América Latina e à do órgão da administração eleitoral do Brasil (o Supremo Tribunal Eleitoral). Este facto é corroborado pelos elementos comprovados da história constitucional angolana relativos ao posicionamento institucional da administração eleitoral angolana, estabelecido pelo artigo 107º da Constituição.


A CNE angolana é independente da administração central e local do Estado, situando-se fora dela, com uma estrutura própria e permanente. E porquê?

 

Porque ao definir os princípios gerais de organização do poder do Estado, nos artigos 105º a 107º da Constituição, o legislador constituinte estabeleceu para Angola uma administração eleitoral independente (artigo 107º), para funcionar como estrutura do poder do Estado distinta e separada da Administração Pública, cujos princípios de organização orgânica e funcional estão consagrados noutro lugar, nos artigos 198º a 201º.

 

Por sua vez, ao definir os princípios gerais do direito eleitoral português, o artigo 113º da Constituição portuguesa não estabelece uma administração eleitoral e muito menos prevê o modelo de administração eleitoral, como faz a Constituição angolana. E não o faz, porque a história política portuguesa é diferente da história política angolana. O contexto histórico em que emergiram as duas democracias e a natureza das respectivas administrações públicas diferem sobremaneira.


Tal como outras autoridades do modelo independente de administração eleitoral, também a administração eleitoral angolana, surge no contexto histórico de uma desconfiança institucional e social em relação a uma Administração Pública partidarizada e, por isso, incapaz de assegurar de modo imparcial a tutela dos processos eleitorais.

 

Esta desconfiança institucional e social aumentou com a fraude descarada de 2008, o que levou a UNITA a propor, em 2010, a consagração constitucional do modelo (brasileiro) independente de administração eleitoral, o que foi consagrado através do artigo 107º da Constituição.


A desconfiança voltou a aumentar agora, em 2011, quando o Executivo respondeu com o silêncio às denúncias e acusações documentadas de fraude eleitoral orquestradas em 1992 e em 2008 e posicionou-se acima da Lei por iniciar a preparação das eleições de 2012, violando abertamente a Constituição, sem respeito nem temor pelo titular da soberania.   
É convicção geral da Nação angolana e da comunidade internacional que o Executivo angolano não é uma entidade credível para organizar com transparência eleições imparciais.


O artigo 107º da CRA estabelece inequivocamente que a Administração eleitoral, e não o Executivo, é que deve organizar a logística, organizar a fiscalização, organizar a votação, organizar os cadernos eleitorais, organizar as tecnologias para todas as fases do processo eleitoral, ou seja, organizar a logística e as tecnologias para o registo, organizar a logística e as tecnologias para os cadernos eleitorais; organizar a logística e as tecnologias para a votação, a fiscalização e o apuramento dos resultados. É isto o que significa “organizar os processos eleitorais”.


Os deputados do MPLA pretendem aprovar uma lei que contraria frontalmente esta disposição constitucional para dar cobertura aos actos inconstitucionais do titular do poder executivo, o Presidente José Eduardo dos Santos.