Brasil -  Escrevo esta nota a pedido de muitos amigos que me pediram que registasse as minhas impressões sobre o XI Congresso da UNITAque teve lugar em Viana, arredores de Luanda, de 13 a 17/12/2011 e ao qual tive a honra de participar como delegado do exterior.


Fonte: Club-k.net


Confesso que, dadas as circunstâncias particulares que rodearam este Congresso eu estava bastante céptico quanto aos seus resultados, mas posso agora afirmar que o Congresso superou mesmo as minhas expectativas. Talvez porque a disputa eleitoral para a presidência da UNITA não se afigurava muito acirrada sobrou um espaço distendido para o debate de certa forma aprofundado das questões atinentes à UNITA e, nesse aspecto o balanço que se pode fazer é francamente positivo. Só a título de exemplo, em 2007 (X Congresso) a disputa eleitoral entre Isaías Samakuva e Abel Chivukuvuku foi extremamente polarizada e, como consequência, os cabos eleitorais dos candidatos assediaram os delegados a todo terreno criando um clima de permanente tensão que prejudicou em larga medida o debate das questões pertinentes. Como consequência, a UNITA saiu do Congresso dividida e apresentou-se às eleições em 2008 praticamente rachada. Daí que alguns tivessem receio de realizar um novo Congresso em 2011 antes das eleições e corporizassem uma corrente anti-congresso o que resultou numa acirrada disputa pella realização do XI Congresso que deixou alguns traumas profundos. Talvez por isso, alguns sectores da UNITA, entre os quais me incluo, já começam a pensar que talvez o Congresso não seja o fórum ideal para eleição do Presidente e vislumbram já algumas alternativas que, certamente, entrarão no rol de discussões nos próximos tempos.


Voltando ao XI Congresso, a imprensa destacou as alterações introduzidas no estatuto da UNITA, mormente a emenda que não impõe limites ao número de mandatos que pode cumprir o presidente do partido. Tive, por acaso o privilégio de integrar a Comissão dos assuntos estatutários do Congresso, presidida pelo jurista Casimiro Calei e secretariada pela Dra Mihaela Webba.

 

O ante-projecto de estatuto trazido como base para discussão foi completamente revirado pelos delegados componentes da Comissão que introduziram alterações de fundo. Relativamente a este assunto em particular (limitação do número de mandatos) apresentaram-se três propostas diferentes que por não merecerem consenso a nível da Comissão foram levadas à plenária do Congresso. A plenária do Congresso, que tinha por objectivo discutir e aprovar os relatórios das cinco comissões especializadas do Congresso (para além da já citada Comissão dos Asuntos estatutários foram criadas outras quatro comissões nomeadamente Comissão para os assuntos políticos - encarregue de escalpelizar as teses ao Congresso - Comissão para os Assuntos Eleitorais, Comissão para os Assuntos de Governação e Comissão para as Relações Exteriores) foi uma sessão longa e exaustiva que iniciou cerca das 19 horas do dia 15/12 e só terminou as 6h30 do dia 16/12, verdadeira maratona do Congresso.

 

O relatório da Comissão dos Assuntos Estatutários foijustamente  o que absorveu mais tempo de discussão e esta proposta que aqui destacamos teve que ser votada também em plenária e obteve votação da maioria. Assim há que respeitar a vontade da maioria dos militantes da UNITA pois a democracia se rege pela lei da maioria.

 

Pessoalmente era favoravel à proposta que defendia três mandatos consecutivos de quatro anos, mas, não penso, que a proposta aprovada represente o fim da democracia interna na UNITA como apregoaram alguns sectores da imprensa, mesmo porque, o estatuto obriga a que o presidente se submeta todos os quatro anos ao crivo dos militantes. Só para ilustrar melhor o quadro uma das propostas propunha o alargamento do mandato de quatro para cinco anos e foi também rejeitada. De resto parece ter ficado consolidada entre os militantes da UNITA a ideia de que doravante, o grande parâmetro para avaliação do Presidente do partido serão os resultados eleitorais conseguidos nas eleições gerais. Assim quem quiser ver o seu mandato de presidente do partido renovado terá que ser capaz de unir o partido e mobilizar os militantes e eleitores em geral  para campanhas eleitorais vitoriosas. Sem isso dificilmente passará pelo crivo dos militantes. Não me parece, pois, que esteja ferida de morte a democracia interna na UNITA a expensas desta cláusula introduzida no estatuto.

 

Outro aspecto profundamente debatido, mormente na Comissão para os Assuntos Políticos do Congresso tem a ver com a unidade e coesão no seio do Partido. Falou-se em relação a isso da necessidade de reconciliação interna da UNITA por meio mesmo da abordagem de assuntos delicados como mortes mal esclarecidas que ocorreram nos anos quentes de guerra naquilo que Jonas Savimbi já apelidara como sendo o passivo da UNITA. Penso que discutir isso sem tabús e com alguma abertura apesar da delicadeza e sensibilidade que requer pode ser um passo importante para fortalecer a UNITA. A UNITA, de resto, se abriu neste Congresso para receber de volta militantes que no passado abandonaram a família UNITA e que manifestem o desejo de retornar. Através de delegados das províncias e, particularmente do meu Bié, percebi que existem muitos ex-militantes que têm manifestado o desejo de retorno ao seio da família.

 

O Congresso escalpelizou profundamente as questões eleitorais, analisou a situação actual do registo eleitoral, os ganhos e perdas resultantes da aprovação recente da Lei Orgânica das Eleições, o plano de formação de fiscais eleitorais e toda a estratégia de fiscalização e escrutínio paralelo das eleições de 2012. Esboçou também, em traços gerais, a estratégia eleitoral da UNITA para 2012. Um dos produtos desta reflexão é o chamado "Governo Sombra".

 

Pessoalmente não sou apologista desta figura política que não tem nada de original, pois, vejo nela mais um símbolo de "folclore político". Mas entendo que em política, muitas vezes as cores aguerridas do folclore são necessárias para passar uma imagem quente e actuante do Partido e deixar assim os eleitores impactados. Assim, apesar de considerar que o acompanhamento milimétrico do plano nacional e a consequente revisão do Programa de Governo da UNITA ser perfeitamente possível dentro da estrutura partidária normal, a criação deste apêndice ad-hoc pode ser uma boa estratégia. Espero que o seu coordenador e os membros que o compõem se empenhem a fundo para que o fruto do seu trabalho seja um programa da mudança que convença grande parte do eleitorado e que possa conduzir enfim Angola à alternância no poder, condição importantíssima para o aprofundamento da democracia em Angola. A meu ver, um programa com este propósito deve privilegiar três eixos fundamentais:


1 - Ampla descentralização administrativa, incluindo a definição das autarquias e realização das eleições autárquicas: será fundamental pois conferirá às regiões uma palavra importante na definição dos rumos locais de desenvolvimento e definição de investimentos estratégicos o que puderá contribuir para atenuar as profundas assimetrias regionais que hoje se observaam.


2 - Redefinição do papel do Estado na economia: o Estado deve circunscrever o seu papel na economia à fiscalização, regulamentação e acções que estimulem a expressão e expansão das forças de mercado por via de um plano estratégico de construção de infra-estruturas diversas, crédito à economia, e outras acções de saneamento do ambiente econômico. Só assim acontecerá a tão necessária diversificação da economia, indispensável para tornar o país auto-suficiente em aspectos como a alimentação e outros. Uma aposta séria na agricultura pode levar o país a criar excedentes que podem ser canalizados para a exportação e levar o país a competir, sobretudo, com outros países da região. Precisamos deixar de ser um país "petroleocêntrico" e importador por excelência.


3 - Políticas sociais coerentes e consistentes que priviligiem um intenso investimento no capital humano, através da expansão ampla e irrestrita da educação de qualidade e mudança radical do panorama da saúde em Angola. A segurança social e programas dirigidos de recuperação social de pessoas marginalizadas devem ser tidos em conta. Um programa bem estruturado de combate à pobrea e miséria deve se concebido para que se acelere a concretização dos objectivos do milênio.


Em suma, se a UNITA saiu do X Congresso dividida e daí o curso errático que caracterizou em grande medida o partido nos últimos quatro anos, o XI Congresso, ao que parece, permitiu unir o Partido para os desafios de 2012. As medidas imediatas assumidas pelo Presidente Samakuva ao chamar para seus principais conselheiros figuras com as quais  partilhou desavenças por vezes demasiado acentuadas pode ser um indicador importante neste sentido. Se esse espírito prevalecer e não sucumbir aos ataques previsíveis dos adversários, a UNITA puderá se apresentar em 2012 mais foorte do que aconteceu em 2008. Será, entretanto, importante considerar que o principal adversário não é nenhum amador e vai, por certo, fazer tudo, mas absolutamente tudo para continuar no poder ou até fragilizar ainda mais seus adversários. Será, por conseguinte necessário aturadíssimo trabalho, suar copiosamente a camisola e não dormir à sombra da bananeira. Só assim a vitória eleitoral puderá sorrir. E a Pátria também "voltará a sorrir"!