Luanda - O jornalista Amílcar Xavier está em vias de ser colocado perante a escolha entre a prestação de serviço público ou privado. Actualmente o jornalista acumula as funções de director de comunicação e imagem da Assembleia Nacional com as de director editorial da revista privada Rumo.


* Alfredo Muvuna
Fonte: Makaangola.org


images/stories/politica/amilcar%20xavier2.jpgO referido acto constitui violação da Lei Orgânica da Assembleia Nacional (Lei nº 4/10) que proíbe conflito de interesses. “Não é permitido ao agente ou funcionário parlamentar o exercício de actividades privadas quando esse exercício se revele incompatível com o cumprimento dos deveres estabelecidos na lei ou seja susceptível de comprometer a isenção exigida ao exercício das respectivas funções” (Art. 68, 3).


Na qualidade de director de comunicação e imagem, Amílcar Xavier tem vindo a dirigir os trabalhos de instalação do futuro canal televisivo do parlamento angolano. O jornalista apresenta-se, também, como o principal candidato à liderança do referido canal. Mas o novo compromisso editorial, com a revista Rumo, pode atrapalhar as ambições de Amílcar Xavier na Assembleia Nacional.


Deputados de diferentes bancadas do parlamento estudam, neste momento, eventuais incompatibilidades de natureza ética entre as funções cumulativas de Amílcar Xavier. “Eu vislumbro aqui uma clara incompatibilidade. Não fica bem que o Amílcar Xavier dirija a comunicação e  imagem da Assembleia Nacional em simultâneo com uma revista privada”, disse um deputado, que pediu anonimato, a este portal. Segundo o mesmo deputado, neste momento já decorrem discretas diligências na Assembleia Nacional  para levar Amílcar Xavier a optar entre ser servidor do Parlamento e ser empregado de um grupo privado.


A revista Rumo foi publicamente apresentada a 8 de Dezembro passado. Na ocasião, Amílcar Xavier definiu-a como “uma marca dirigida para o mercado angolano, que aborda assuntos de interesse para Angola e para as suas empresas e empresários, que se vai distinguir por uma informação versátil com o objectivo de atingir várias camadas da população com reportagens actuais”. Ela é editada pela Media Rumo S.A., descrito  na ocasião como um grupo angolano de media, que é detido pela Finicapital, sociedade angolana de gestão de activos, e pelo grupo português de media Impresa, de Francisco Pinto Balsemão. Além da revista, de publicidade mensal, a Media Rumo propõe-se actuar em outras plataformas de media, seguindo uma estratégia semelhante à desenvolvida em Portugal pela Impresa, proprietária do canal televisivo SIC, do jornal Expresso e da revista Visão, entre outras marcas.


Não é a primeira vez que Amílcar Xavier se envolve em projectos editoriais incompatíveis.  Enquanto quadro da Rádio Nacional de Angola (RNA), em cujo Canal A realiza e apresenta um programa semanal, o jornalista não hesitou quando foi convidado a dirigir a área de Informação da TV Zimbo, do grupo privado MediaNova. “Carregava” os dois desafios quando foi oferecer os seus serviços à Assembleia Nacional. Uma semana depois de chamar a si a direcção editorial da revista Rumo, não há notícia de que Amílcar Xavier tenha congelado ou suspenso o seu vínculo com a emissora estatal, RNA, como seria elementar.


Os maus exemplos partem de cima


Quando se trata de servir a dois ou três patrões em simultâneo, Amílcar Xavier apenas segue, por sua conta e risco, uma prática institucionalizada pelo próprio Presidente da República. A 5 de Novembro de 2010, José Eduardo dos Santos promulgou os despachos de nomeação do actual director do semanário privado Novo Jornal, Víctor Silva, para exercer, em acumulação, as funções de administrador não-executivo das Edições Novembro. Esta empresa pública proprietária do único diário do país, o Jornal de Angola.

 

No mesmo dia, o Presidente nomeou também José Patrício, director geral do conglomerado de empresas privadas do general João Baptista de Matos, para o cargo de administrador não-executivo na Rádio Nacional de Angola. Dos Santos delegou ainda poderes de administrador não-executivo da Televisão Pública de Angola (TPA) a Víctor Aleixo, actual director-geral da revista privada Figuras & Negócios e da empresa de marketing Etnia e Comunicação. Contudo, a preocupação dos deputados com a situação de Amílcar Xavier contrasta com a forma solidária como estes se têm defendido uns aos outros em matéria de ilegalidades.


Outra ilegalidade flagrante, e de maior gravidade, é cometida pelo jornalista e deputado João Melo, da bancada parlamentar do MPLA. À sua condição de parlamentar, ele juntou a de director-geral da revista privada de informação geral África 21. De acordo com a Constituição (Art. 149º, 2, b) o mandato de deputado é incompatível com “o exercício de funções de administração, gerência ou de qualquer cargo social em sociedades comerciais e demais instituições que prossigam fins lucrativos”.


A Assembleia Nacional é conivente com a ilegalidade – de que o  caso de João Melo é apenas um exemplo. Por ironia, apenas a filha do Presidente da República, Tchizé dos Santos, foi pressionada a suspender o seu mandato de deputada, em 2009. A então deputada acumulava com um cargo de direcção na TPA e múltiplas gerências em negócios privados. A sua saída deveu-se à solidariedade dos jornalistas em repudiá-la por ter ameaçado levar a tribunal a secretária-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Luísa Rogério. Esta havia mencionado publicamente o caso de incompatibilidade de Tchizé dos Santos e, por isso, teve de responder junto da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) por alegada difamação.

 

Com efeito, a TPA e a RNA têm sido as principais incubadoras de conflitos de interesse, de violação do princípio da probidade pública e da ética profissional, no domínio dos órgãos da comunicação social. Com efeito, há muito que as direcções desses dois órgãos de comunicação públicos acobertam graves conflitos de interesses ao permitirem que muitos dos seus jornalistas sejam cumulativamente assessores de imprensa de ministros e outros titulares de cargos públicos, e até de embaixadas acreditadas em Angola.