Luanda - Recordo-me de uma viagem que fiz a Lisboa, há uns tempos, tendo dois passageiros ao lado: um, a viajar pela primeira vez e o outro, um experimentado viajante que explicava ao seu companheiro, as diferentes etapas da viagem.


Fonte: Revista Estratégia


Noelma Viegas D'AbreuQuando aterramos em Lisboa a escada surgiu para descermos do avião e o referido passageiro, disse para o outro: - “Estás ver? Aqui é assim, se fosse na nossa terra, ficávamos dentro do avião, à espera muito tempo, até que o homem da escada aparecesse. Mas aqui, eles são pobres, se ele falha, é despedido!”


Na sequência desta e de outras observações, perguntaram-me, se achava que os angolanos eram arrogantes ou de onde poderia vir esta imagem de arrogantes que nos acompanha. Penso sobre o tema e acho que existe: por um lado, uma consciência muito forte, desde os primórdios da história do nosso povo, e prevalece, na memória colectiva um passado de colonização, em que os portugueses vieram com um número significativo de gente pouco letrada, ignorante e pobre; por outro, longos séculos de cristianização, e angolanos com um nível educacional e de informação elevada, que se inscrevem como pares de outros no mundo e, por essas razões, não se consideram inferiores ou menos dignos.


Recentemente, surge uma classe de angolanos de riqueza recente, (como surgiu noutros países, em determinadas épocas), que ainda está a aprender a gerir, a usufruir e a viver os prazeres que o poder financeiro recente lhes confere. A estes, interessa exibir, pois assim sentem-se em paridade com outros, como se o seu valor estivesse assente, nos elementos materiais. Confundindo aqui, auto-confiança, auto-estima, realização pessoal, com arrogância e exibicionismo dos bens materiais.


Por seu turno, o sofrimento, a dor, a perda, as dificuldades do quotidiano não ajudam, e afectam negativamente o bem-estar das pessoas em geral e torna-as fragilizadas. Qualquer ser humano fragilizado, sente a sua auto-estima e autoconfiança, assim como a confiança nos outros, ou no meio, a ruir. Logo, aquilo que é a essência da autoconfiança, ou seja, um ego bem nutrido e amado, estão abalados. Os afectos tornam-se negativos e um mecanismo de defesa que pretende compensar essa falha narcísica, é a exteriorização, o exibicionismo, como se houvesse uma necessidade de erguer o porte, tão desgastado pela vida, para mostrar ao mundo que existe uma certa forma de poder, de impor, e de existir.


A complexidade da nossa sociedade é de tal ordem que estes contornos dificultam que se faça bem, uma distinção entre ser auto-confiante e ser arrogante. A questão poderia ser: os angolanos são arrogantes, ou são auto-confiantes?


A autoconfiança, é um domínio de conhecimento sobre si mesmo que permite ter segurança naquilo que se propõem fazer, ou realizar. Este estado é muito próximo da auto-estima elevada. Mas esta, por sua vez, é um dos pilares da autoconfiança e da auto-aceitação. Sendo este último, a forma de gostar e aceitar-se incondicionalmente. Estes são pares, por estarem associados ao conhecimento, às competências que cada um tem ou reconhece em si, sendo elas técnicas ou emocionais. Mas também, tem em consideração as limitações ou fragilidades aceites, de forma positiva ou sobredimensionada.

 

A autoconfiança e a arrogância, andam muitas vezes de mãos dadas, sobretudo naquelas mãos que não reflectiram sobre estes dois estágios, distintos, ou não os entenderam. Mais sério, naqueles que ignoram a importância e a elevação de um, face à menoridade do outro. Não são sequer duas faces da mesma moeda como o amor e o ódio, mas são opostos como o amor e a indiferença. Tal como o contrário de amor, não é o ódio, é a indiferença, o lado oposto de arrogância é a humildade.


A arrogância, é um dos maiores e melhores “sintomas” de falta de inteligência emocional, de falta de inteligência no geral, pois revela quase sempre uma incapacidade de empatia, de escutar, de sentir e viver emoções e, consequentemente, uma inabilidade para perceber o meio, os sentimentos dos outros e poder interagir de modo saudável e positivo.


O indivíduo arrogante está tão preocupado consigo mesmo e a tentar sobretudo, perceber apenas em si, o valor máximo, que não reconhece em si limitações, e é incapaz de viver sem ser destrutivo. O arrogante desvaloriza a contribuição dos outros porque frequentemente está implícito, esse sentimento, na apreciação exagerada das suas próprias realizações. Essas pessoas preocupam-se, constantemente, com fantasias de sucesso ilimitado, com poder, inteligência, beleza ou amor ideal.


A critica é feita quase que sistematicamente com um padrão invasivo de grandiosidade, assim como, prevalece, uma propensão enorme para a autoavaliação e auto-aceitação sobredimensionada ou sobreavaliada, em que as pessoas não aceitam as características dos outros como sendo suficientemente boas, mas só reconhecem em si, esse valor, fazendo de uma maneira geral, juízos muito críticos, muito cruéis.


É importante, enquadrar a nossa vida tendo como base três pilares, como diz, João Ermida : a verdade, a humildade e a solidariedade. Há aqui um ponto de equilíbrio, que tem de ser resultado de um processo de adaptação à vida. Nem ser excessivamente humilde e nem arrogante, é o ponto de equilibrio; acima de tudo tem de ser consciente de si e da imagem reflectida no espelho. Esta imagem é válida quer para o ser humano e as suas características, quer para as nações e os seus vários indicadores.


Não podemos ignorar que muitos indivíduos bem-sucedidos, exibem traços de personalidade que poderiam ser considerados arrogantes, ou narcisistas, porém, estes traços, somente constituem, um Transtorno da Personalidade Narcisista quando são inflexíveis, mal-adaptados e persistentes e causam prejuízo funcional significativo ou sofrimento subjectivo. Ou seja, da saúde, ou auto-confiança até à doença, ou arrogância, vai esta mesma distância.


A arrogância é uma forma de ser ignorante, de acreditar que se sabe tudo, e se domina os outros. Por essa razão, acaba por ser uma forma de privação de um dos maiores prazeres e benefícios da vida: aprender, apreender os outros e o mundo, saber fruir a vida e, consequentemente, ser muito mais saudável e feliz.


Na verdade, ao contrário da imagem revelada pelo passageiro do  lado, sei que não podemos chegar "só  porque somos ricos"


Luanda, 25 de Novembro de 2011
Noelma Viegas D’Abreu