Luanda - Quando iniciei a escrever este texto, a intenção era a de ser mais um comentário, igual àqueles que vinha fazendo, nos intervalos dos meus afazeres, para o portal “À MESA DO CAFÉ”, em www.marcolinomoco.com


Fonte: marcolinomoco.com

Angola: A terceira alternativa

Dessa vez o tema seria as precipitadas e sofridas detenções de jovens pacíficos manifestantes do dia 3 de Setembro de 2011, onde se falava, na altura de pessoas sem paradeiro determinado e de sevícias e ferimentos sobre alguns deles. Nessa mesma altura, alguém me colocava a proposta de poder ser constituído um “Conselho de Mais Velhos” que, junto das instâncias competentes, deveria apelar para o absurdo desse comportamento que se se tornava recorrente e sobretudo ominoso.

 

Mas quando reflectia sobre a pertinência dessa proposta (se não seria mais um vez desvirtuada pela diabólica máquina de propaganda do statu quo, iludindo cenários fora dos nossos objectivos), os jovens foram libertados por decisão do Tribunal Supremo. A decisão deste órgão superior de justiça estribava-se na falta de fundamentação jurídico-constitucional das detenções e prisões. Mas não ficou por notar que isso acontecia nas vésperas de uma mensagem sobre o Estado da Nação do Presidente da República à Assembleia Nacional, onde estes factos graves e outros relacionados com violações sistemáticas de outros direitos fundamentais de cidadãos, não mereceriam senão uma alusão indirecta.

 

Se, desde que venho fazendo intervenções de cidadania, há mais de uma década, quem esteve atento descobriu que me preocupo essencialmente com a natureza do regime político que o actual Presidente em funções imprimiu a partir de meados dos anos noventa, a coberto da guerra pós eleitoral, este episódio consolidou-se-me a convicção. De facto, pouco valerão os esforços de todos quantos estão autenticamente interessados na construção de uma sociedade aberta em Angola, se nos limitarmos a rondar atrás de factos casuísticos, quando há todo um sistema perverso gerador desses eventos nefastos.

 


Foi deste modo que me decidi a sintetizar tudo aquilo que no fundo já tenho dito, mas cuja estrutura algo casuística na forma de o afirmar, lhe tem retirado, provavelmente, o sentido de uma filosofia e perspectiva cívico-política no âmbito de uma contribuição para a consolidação da paz, da reconciliação e do progresso nacionais, na base da minha experiência e disponibilidade actual para a reflexão sobre os problemas nacionais e internacionais (sobretudo africanos).

 

Não diria que a elaboração de uma mensagem sistematizante e global tenha sido inteiramente conseguida. Na verdade, não pude deixar de ser influenciado, enquanto escrevia, por factos relevantes que foram acontecendo. Devo sublinhar, no entanto, que apesar de tudo, estes factos sempre se foram coadunando com a lógica do sistema do “cacete e da cenoura”, como o conhecemos desde que vai vigorando, embora com alguma refinação, que é compreensível. Não estivéssemos nós a viver no ano das manifestações contra a longevidade presidencial de José Eduardo dos Santos e sobretudo das práticas do seu sistema, algumas delas absolutamente absurdas.

 

Dentre os factos acima aludidos, por exemplo, a 3 de Dezembro, nova manifestação durante a qual os jovens voltarão a reiterar o seu carácter ordeiro e pacífico, em que aconteceram novas brutalidades contra si, e onde não faltou o requinte da infiltração de agentes de provocação. Por outro lado, a Ministra da Energia foi exonerada à moda antiga, para fazer o purgatório de políticas de “cavalos brancos” que está, em grande parte, na base da precariedade em que vivem as populações, em termos de energia e água, coisas que nada têm a ver com níveis ministeriais, pois todas as principais decisões são claramente concentradas no pólo presidencial.

 

Entretanto, Lopo do Nascimento, figura tutelar nas aberturas que aconteceram no país e dentro MPLA, a partir dos anos 80 e 90 do século passado, que connosco foi afastado da direcção desse partido no Congresso de 1998, numa situação nunca esclarecida, aparece a manifestar alguma aproximação com o presidente do partido. Algo que, aliás, já se havia notado meses antes, durante o ano que findou.

 

E, finalmente, na mensagem de Ano Novo, sempre no seu estilo “en passant”, o Presidente alude à necessidade de diálogo, consolidando aparentemente a ideia da superação dos métodos ríspidos anunciados no chamado “discurso da fome” de 15 de Abril de 2011, na sequência das “Manifestações do Norte” que logo se repercutiram em Angola, nas manifestações do dia 7 de Abril, comandadas pelo então invisível “Agostinho Jonas Roberto dos Santos”.

 

A talhe de foice, deve dizer-se que há quem, por razões óbvias, pretenda confundir as manifestações de jovens, especialmente em Luanda, com as que têm tido lugar um pouco por toda a parte, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Porém, esta confusão é desde logo desmentida pelos factos.

 

Com efeito, manifestações como as de certa altura na Grécia, Portugal e Espanha estavam e estão relacionadas com o que habitualmente acontece quando governos democráticos e absolutamente respeitadores da alternância política e outras regras democráticas são obrigados a tomar medidas antipáticas no domínio económico e social. Para a manutenção da ordem, muitas vezes alguns excessos encontram reacções algo severas de polícias. Houve e há outras manifestações, estas já de natureza mais global, que reflectem aquilo que temos chamado de discrepância entre o modelo político-institucional montado a partir do Século das Luzes e a evolução extraordinária do Mundo dos nossos dias, marcada principalmente pelo desenvolvimento das novas tecnologias de informação, em que cidadãos do mundo se dão conta de gritantes incongruências no sistema capitalista. Nesta linha está, entre outros, o movimento “Occupy Wall Street”.

 

As manifestações de jovens angolanos estão claramente relacionadas com outra coisa, ou seja, a persistência em tentar-se instituir sistemas de lideranças pré-capitalistas (feudais-absolutistas) em Estados de estrutura moderna, com especial destaque para a África; por vezes, sob o inconsequente e por várias vezes já desmentido pretexto de que estas transições implicam a existência de regimes autoritários.

 

No mesmo sentido, o de aliviar a visível tensão que se vive no país, resultantes principalmente das arbitrariedades que acompanharam a elaboração da nova Constituição da República de Angola de 2010, bem como da anulação das antes anunciadas eleições presidenciais de 2009 que o deixaram sem legitimidade formal, o Presidente José Eduardo dos Santos procedeu a visíveis aproximações com a oposição, especialmente com a UNITA, bem como se desdobrou em gestos simpáticos em relação a certos sectores da sociedade civil.

 

Concluindo, este texto algo longo em termos de leitura electrónica (poderá brevemente ser reproduzido em opúsculo físico) é, como diz o subtítulo, um conjunto de ideias em que tento sintetizar e sistematizar as minhas reflexões sobre a necessidade do regresso à construção de uma sociedade aberta em Angola, tal como havia sido preconizado, há mais de duas décadas.