O papel dos partidos de oposição (antes, durante e depois das eleições de 2012)

 

 

Já se acreditou no papel que os partidos políticos da oposição poderiam jogar, e agora de forma pacífica, para a reposição do sistema democrático pervertido em Angola. Com a assinatura de paz de 2002, logo a seguir a morte em combate de Jonas Savimbi, líder histórico e carismático dessa organização, pelos sinais iniciais dados pelos seus novos dirigentes, julgou-se que se entrava numa nova era. Numa altura em que a persistência em antigas condutas se mostraram claramente contraproducentes até para os próprios protagonistas.

 

Ledo engano. Não tardou que tanto a UNITA, assim como outros partidos com assento no parlamento, como resultado ainda das longínquas eleições de 1992, enveredassem pelo jogo do curtíssimo prazo, arrastados provavelmente pelas ciladas do chamado “maioritário”.

 

Pode dizer-se aqui, mutatis mutandis, que é da própria natureza dos partidos políticos agirem dessa maneira, pois o seu objectivo primordial é a tomada do poder total ou parcial. Porém, pensamos nós, que tanto a História da Humanidade em geral, como especialmente a própria curta mas amargurada História de Angola ensinam-nos que enquanto não se estabelecer, alguma dia, no plano material (se plano formal se poderia considerar a própria Constituição, não fosse o autoritarismo como foi aprovada com as perversões da constituição política nela incorporada) uma agenda verdadeiramente nacional, nenhuma entidade ou outra componente qualquer nacional poderá usufruir sossegadamente das benesses do poder.

 

O drama de Angola é que desde que se conhece como futura e actual nação moderna, nunca teve oportunidade de munir-se com uma agenda verdadeiramente nacional, com a abrangência que exigiria um Estado multirracial, multiétnico, multirregional e, em suma, multicultural; tornado nos últimos 20 anos também multipartidário. Sejamos claros. Se consideramos que as nações modernas africanas especialmente ao Sul do Saara, nascem com a elaboração do principio da ocupação colonial efectiva, a partir da Conferência de Berlim de 1885, ou mais concretamente ainda, com as últimas guerras coloniais de ocupação que só terminaram nas primeiras décadas do século XX, temos que Angola teve é uma agenda colonial até 1975; uma agenda ideológica unilateral do MPLA até 1991/92; uma agenda nacional tão efémera que nem conta para a História, durante talvez alguns meses nos subsequentes anos 90; para acabar actualmente, especialmente a partir de 2002, e com a actual constituição política, numa agenda pessoal do Eng. José Eduardo dos Santos#.

 

É no contexto desse raciocínio que pensamos que, nas circunstâncias actuais de Angola, cada partido político da oposição individualmente e em conjunto com os restantes, enquanto o MPLA, mobilizado pelo seu actual líder, se recusar a devolver a verdadeira soberania ao(s) povo(s) de Angola, devia empenhar-se na luta pela elaboração formal e material de uma verdadeira agenda nacional, restando apenas encontrar o melhor mecanismo para o fazer.

 

É perfeitamente esperável que se argumente que o sistema sufoca a oposição de modo inusitado, particularmente através da manipulação da comunicação social, sem falar do uso e abuso dos recursos económicos e financeiros do país. Mas aqui estamos mais uma vez perante a história de saber quem vem primeiro: o ovo ou a galinha. Para nós sempre se mostrou simples concluir que primeiro vem a galinha, sendo ela que põe os ovos e não o contrário. E nessa nossa equação metafórica, não temos dúvidas que a galinha é a agenda nacional. Crie-se, seja de que maneira que se imagine, uma agenda nacional, e logo, mais cedo ou mais tarde se acabam os abusos e antinacionalismos a que assistimos, quase impávida e serenamente, com o risco de amanhã o disco ser retomado por algum novo suposto ganhador.

 

Diferentemente do MPLA que − por razões da sua própria história e especialmente agora, pela sua condição de partido no poder, num momento de acumulação do capital à custa de saque quase generalizado do património colectivo − atrai à sua volta os mais diversos sectores da sociedade angolana; a quase totalidade dos partidos de oposição parlamentar ou extra parlamentar, emergem aparentemente, de franjas parcelares da sociedade. Contrariamente a uma ideia subliminar e por vezes mesmo ostensiva de que isso representa um aspecto negativo, até porque, também aparentemente, contraria o sentido de unidade nacional formalmente plasmado na constituição histórica da Angola, nós consideramos isso, no plano material, algo enriquecedor do nosso espectro político e reflexo positivo da nossa diversidade étnica, cultural e regional. A necessidade de diversidade partidária étnico-regional pode ser tão essencial quanto o partido governante prepondera com uma filosofia marcada e materialmente baseada num centralismo estalinista.

 

Por isso, é com apreensão que vemos os esforços (que nem sequer são velados) do regime em banir, a todo o custo, os partidos tradicionais de origem bacongo como aconteceu com o PDP-ANA no processo dos restos das eleições legislativas passadas, e com a histórica FNLA a finar-se no âmbito de uma disputa pessoal sem grande sentido.

 

Até aqui o PRS tem-se mostrado um pequeno baluarte, no espectro político angolano, na representação das populações espoliadas e praticamente abandonadas do Leste Angola, não obstante o contributo histórico dado à luta de libertação nacional, em torno de todos os então chamados movimentos de libertação nacional. Esperamos que o PRS não sucumba aos estímulos de destruição que, por vezes, se vislumbram e que os membros da sua direcção não caiam nas armadilhas da personalização das organizações políticas tão peculiar a quase todos partidos políticos angolanos, à imagem e semelhança do partido no poder.

 

Entre os partidos extra parlamentares, destaque vai, sem dúvida para o BD, como herdeiro das tradições do aguerrido FPD, representativo de sectores importantes da intelectualidade urbana, cujos esforços de tentativa de banimento contra si não passam despercebidos a ninguém. Sabe-se que se trata de ensaiar o silenciamento para sempre, da tradição que vem de elementos que desde os primórdios da luta de libertação nacional adoptaram sempre posições de vanguarda na defesa de uma democracia pluralista, no seio do MPLA, como os irmãos e primos Pinto de Andrade.

 

Refiramos também o recém constituído PP (Partido Popular) que se destaca aparentemente a partir do hinterland Luanda-Malange, o que conjugado com os esforços dos chamados POC´s, pode atenuar a ideia falsa, e diríamos mesmo subversiva de que quem não está com a clique no poder, é contra o MPLA e por isso necessariamente contra os povos quimbundo e crioulos. O que é indesmentível é que os esses povos são tão vítimas dos excessos e excentricidades desse regime anómalo, que a si mesmo se intitula de “atípico”, quanto acontece com os outros diversos povos de Angola, como já o assinalámos acima.

 

Last but not least, aludiremos ao papel fundamental que a UNITA pode jogar hoje no regresso a construção de uma sociedade angolana aberta e liberta, pelo que ela representa como segunda marca, depois do MPLA, no espectro político-partidário, não fosse ela, actualmente, o maior partido da oposição.


Emanação praticamente assumida e reconhecida do maior grupo étnico de Angola – os povos umbundo – com as novas direcções e após o acordo de paz de 2002 a UNITA já não deve ser encarada como “inimigo” mobilizador dos também chamados “ovimbundu” contra outros povos e sensibilidades de Angola. Persistir nessa ideia, como por vezes parece vislumbrar-se de alguns comportamentos ingénuos ou mal- intencionados, só pode contribuir para o rebuscar de ressentimentos que bem podiam ser agora enterrados para sempre.

 

O nosso desejo, por outro lado é que a UNITA, seja qual for a sua direcção, num esforço que deve ser feito como o temos referido, para despersonalizar as nossas organizações políticas, ajude no sentido de consolidar esse entendimento de que ela não é, de nenhum modo, um inimigo de morte para nenhum grupo social do nosso país.

 

A partir desta plataforma, a UNITA poderia liderar a oposição político-partidária, não apenas com o objectivo eleitoral de carácter imediato, mas sobretudo para contribuir para a elaboração da referida verdadeira agenda nacional.

 

Como antes o referimos, essa agenda é um pressuposto essencial para a existência de uma Angola onde, com todas as nossas diferenças, e sem temê-las de debaixo de tabus e estereótipos disfarçados, nos possamos sentir irmanados num Estado pacífico, porque justo e preocupado essencialmente com o seu elemento humano, independentemente dos grupos de diversa natureza a que pertençamos.

 

Contudo, as próximas eleições de 2012 poderiam constituir-se num tubo de ensaio dessa cooperação activa e positiva. Com efeito, poderia conseguir-se uma importante mais-valia se, formal ou materialmente coligados, os partidos da oposição obtivessem um resultado eleitoral que, pelo menos, atenuasse a supremacia esmagadora de um MPLA completamente empurrado para a iniquidade, pela sua actual direcção.


Por isso não podemos senão nos congratularmos quando, na Assembleia Nacional, no âmbito da aprovação do chamado pacote eleitoral, vemos os partidos políticos da oposição a tentar trabalhar em conjunto para impedir as manobras de consolidação de uma hegemonia diabólica que poderia ser mantida ou quiçá reforçada, nas anunciadas eleições de 2012. Simplesmente, achamos que haverá muito mais em que se trabalhar em conjunto, para se atenuar uma série de aspectos que poderão estar já a antecipar uma descarada fraude eleitoral, que a acontecer nessa dimensão, será mais um elemento negativo no sentido de fortificarmos o edifício de uma paz sustentada e sustentável, com reflexos positivos para o desenvolvimento humano e material em Angola.