O papel dos elementos da elite angolana em sectores importantes da vida nacional

 

 

 

Mais do que central, é o papel que deverão jogar as elites do país de todos os quadrantes sociais, nos diversos domínios da vida nacional, nessa luta pacífica de regresso à construção da Angola verdadeiramente democrática.

 

Temos dito, já há vários anos, porque assim o acreditamos depois de várias fases de acção política e reflexiva, em que reconhecemos equívocos e desacertos pessoais, que hoje por hoje não há modelo que se possa apresentar como alternativo à democracia avançada, concebida nos seus aspectos mais gerais no chamado Século das Luzes, no chamado Ocidente, após vários anos de maturação.

 

No entanto, não é difícil reconhecer também que este modelo, pelo seu carácter demasiado formal, nem sempre encontrou facilidade de aplicação directa nos países do chamado terceiro mundo no qual nos inserimos como Estado da África Subsaariana. Aliás, está a vista de todos que este carácter demasiado formal de representatividade da soberania popular começa a mostrar-se desajustado ao mundo actual.


Estamos convencidos que as mudanças de dimensão exponencial que tem tido lugar, e da forma geometricamente acelerada como acontecem, exigem uma revisão estratégica do modelo do Século das Luzes, não fossem as crises cada vez mais acentuadas no próprio Ocidente a atestá-lo todos os dias nos últimos tempos.


É daí que releva a importância das elites nacionais, que têm por obrigação, porque se supõem capazes e dotadas de qualidades para o efeito, para a todo o momento, e independentemente das funções exercidas pelos seus elementos, velarem pela elaboração, aplicação e adaptação das regras de harmonização da sociedade. Não se tratará de um acto de caridade para com ninguém. É que sociedades desregradas e tomadas pela arbitrariedade e pela contumácia acabam sempre por não beneficiar ninguém. E as elites de cada sociedade pelo seu alto nível de consciência social serão sempre as maiores vítimas dos eventos negativos.

 

A persistência do regime que temos estado a descrever, em que um MPLA completamente manietado pela “entourge” presidencial, exigindo-lhe uma adulação para lá dos limites, tende a criar um mainstream segundo o qual só pertence a elite angolana quem se ajustar a esses desígnios discriminatórios e “elitistas”, no sentido negativo.

 

Assim, para se pertencer a elite angolana, no quadro deste conceito perverso, tem que se pertencer ao partido dito maioritário, enquadrando-se nas suas organizações de massas como a JMPLA, a OMA e nos chamados comités de especialidade ou de locais de residência.


A volta desses comités utilizam-se expressões tão inusitadas nas práticas de Estados democráticos e de direito, como (comité dos) jornalistas do MPLA, juristas do MPLA, economistas do MPLA, quiçá arquitectos ou engenheiros do MPLA, empresários do MPLA, escritores do MPLA e daí por adiante (irónica ou seriamente já se fala em religiosos do MPLA!). Nada haveria de anormal se isso não aparecesse como um acintoso sistema de discriminação estadualizado. Numa situação em que os meios de comunicação social de mais amplo espectro estão descaradamente manipulados pelo poder, durante anos e anos de persistência desse poder, só indivíduos assim enquadrados e tornados meros reprodutores do pensamento dito “clarividente”, é que podem ver as suas intervenções objectivamente referenciadas ao nível nacional.


É uma situação de verdadeiro apartheid no sistema de comunicação, que apenas é atenuado, e de forma bem controlada, com a necessidade de alimentar aparências. É verdade que esta é uma situação que parece naturalmente herdada do sistema de partido único que alguns julgam dever perdoar-se. O problema é que em Angola, entre outras situações, vive-se, neste particular, uma situação bastante retardatária, se comparados a outros Estados, que praticamente na mesma altura, ou até mais tarde, partiram para a adopção de regimes de democracia pluralista, depois da persistência de regimes monopartidários.

A elite de uma sociedade, especialmente a de um país africano com grande peso de tradições autóctones diversas e de diversa proveniência, que devem ser todas consideradas para o bem da harmonia nacional, não pode ser medida pela pertença a uma única camada seja de que carácter for, muito menos pela aproximação ao partido que estiver no poder, cuja permanência em Estados democráticos e de direito tem de se considerar sempre temporariamente circunscrita. A elite de uma sociedade democrática deve ser medida pela sua capacidade de contribuição livre, acutilante e contraditória na elaboração do pensamento e das boas práticas nacionais, nos marcos da tolerância e do respeito mútuos.

 

Nada mais triste e confrangedor, por exemplo, quando perante despejos sem qualquer mandado judicial, requintados com demolições de uma desumanidade inimaginável no sistema de partido-único ou mesmo no período colonial, ouvimos juristas, investidos em funções de magistratura, nos virem dizer que “está tudo certo porque são orientações superiores do camarada chefe”!

 

Estamos a beira do ano 20 depois de 1992! Que triste quando mal se ouvem os murmúrios de jornalistas cujas entrevistas a entidades diversas são deitadas no caixote do lixo, contra todos os direitos e deveres que lhes são prescritos na constituição e nas leis ordinárias, com o argumento falacioso ou no mínimo ignorante, de que como funcionários de órgãos públicos e privados obedecem a ordens superiores!

 

A elite angolana, como aqui a definimos, deve romper este espartilho que lhe é imposto vergonhosamente, num país proclamado democrático e de direito, porque tem de cumprir a sua missão irrenunciável.


Para além da renúncia que se impõe a essa espécie de submissão incongruente e adormecente nos sectores fundamentais para a consolidação da democracia como na Justiça e na Comunicação Social, as elites angolanas em todos os outros sectores da vida nacional devem tomar consciência que a conivência com um conjunto de incorrecções que são inteligentemente geridas de cima, para a perpetuação do actual regime não beneficiará ninguém. É que diferentemente dos demais animais, o ser humano não circunscreve os objectivos da sua acção ao momento presente. Como ser social, a acção humana releva para além dos anos da sua vida respirada, rebuscando-se no passado e projectando-se no futuro. Mas, mesmo que propendamos para o egoísmo como geração actual, é preciso despertar par