Luanda - Não só os intriguistas infestam a sociedade angolana em grande número. Existem também os bajuladores que constituem já uma classe de cidadãos cujo comportamento tem sido criticado nos vários círculos e ambientes sociais, e cujo poder destrutivo se associa ao poder destruidor dos intriguistas nas instituições.Mas porque razão devemos banir a prática da bajulação na sociedade? Tentarei nesta série de textos que hoje inicia, dar alguma ênfase.


Fonte: SA

O bajulador é também um criminoso moral

Passemos primeiro por um entendimento geral do que significa bajulação. A bajulação é uma prática considerada nociva (mas nem sempre como veremos mais adiante) que consiste em lisonjear de modo exagerado a alguém com fins interesseiros, fazendo recurso a prática servilista com laivos oportunísticos e aproveitadores.


Este tema suscita hoje no mundo moderno um certo destaque devido às consequências políticas e sociais que podem contribuir para o retardamento ou não dos processos democráticos e por arrasto, desarticular ou mesmo frenar a luta dos povos pelo crescimento, pelo desenvolvimento económico e pela pacífica convivência social. Tal como o chauvinismo, tido como um conjunto de actitudes reveladoras de um patriotismo exagerado, capaz de desarticular a convivência harmoniosa entre os povos, também a bajulação, enquanto um conjunto de práticas exageradas de adulação e serventilismo oportunista, gera atritos internos, pode condicionar processos sociais e manipular as consciências dos cidadãos, sobretudo das gerações vindouras.

 

Apesar de que o chauvinismo representa uma prática que defende um sentimento de nacionalismo que pode muitas vezes descambar em acções de terrorismo e perigar a coexistência pacífica entre as nações, a bajulação é para mim mais temível ainda, porque é a coexistência pacífica entre os cidadãos de um mesmo país que fica ameaçada, é o desenvolvimento das forças sociais que pode estagnar e o ímpeto de gerações vindouras que podem ser manipuladas por oportunistas poderosos.


No meu entendimento, o bajulador tomado seriamente, representa na maior parte dos casos um entrave para a convivência sadia e harmoniosa entre os homens, pois a bajulação da pessoa humana isola o bajulado do resto da sociedade exacerbando as suas capacidades tornando-as aparentemente ilimitadas e infinitas.

 

Em Angola, alguns bajuladores tentam apresentar os seus bajulados quase como seres fisica e intelectualmente acima dos padrões humanos, capazes de levantar voo apenas com recurso a um abanar de mãos, como sucede com os passarinhos que abanam as suas asas para levitar e dominar os ventos sobre as nossas cabeças, lá longe no céu! Um bajulador tem a coragem esfarrapada de dizer, por exemplo, que já viu o bajulado a assobiar enquanto falava. Ou, de dizer por exemplo, que já viu o seu bajulado a equilibrar-se na ponta do dedo da sua mão esquerda, enquanto segurava a chícara com a direita e tomava café de cabeça para baixo.

 

O bajulador pertence à raça dos seres humanos mais mentirosos que alguma vez se conheceu. Eles podem mesmo dizer que o seu bajulado é uma emanação especial de Deus, feito à prova de bala, imortal, enxerga com visão animalesca de um lince ou que tem uma audição comparável a das baleias, estes mamíferos marinhos que vivem no mar, e que são capazes de ouvir seus companheiros há dezenas de quilómetros de distância, mesmo quando apenas roçam a barbatana numa pequena rocha aquática, ou batem com a sua cauda horizontal na pedra para sacudir um pequeno polvo chato. Mas o mais grave, é que existem em serviço certos bajuladores que conseguem jurar de pés juntos que o seu bajulado não conhecerá a morte. Jamais. Viverão para sempre, e a quem devemos até o privilégio de podermos respirar o oxigénio à nossa volta. Como se pode ver, um bajulador, a querer convencer-nos assim sem vergonha, tem mesmo potencialidades para pôr em risco o progresso de toda humanidade!


Vejamos também: muitos leitores testemunharam a forma como alguns cidadãos receberam a notícia da recente morte prematura do bajulado Presidente da Coreia, a quem Deus deu a vida - e a tirou soberanamente no dia em que ninguém na Coreia contava -! Souberam também, nomeadamente, que alguns coreanos choraram com dor acima da conta dos seus próprios filhos e pais falecidos, apenas porque os seus bajuladores passaram a vida inteira a dizer-lhes que aquele bajulado representava quase a perfeição humana. Já Lenine havia recebido esta designação de imortal, e agraciado com o «diploma» de Guia Imortal do povo soviético. Agora, feitas as contas, nem sequer povo soviético existe mais; esta ficção intelectual foi obra de auto-criação de algum bajulador, que seguramente também já não se encontra entre os vivos.


Muito mais se pode falar dos bajuladores enquanto criaturas doentias. A sua fidelidade é falsa e os seus sentimentos são igualmente falsos. A bajulação para certos cidadãos é apenas uma forma fácil de ganhar dinheiro, fama e glória momentâneas. No nosso país, existem bajuladores que usam de respeitáveis tribunas para desfilarem a sua fidelidade marota e comercializante com brilho e heroísmo. Bajuladores geralmente bem treinados, alguns deles com o palco de treino em casa, montado numa sala com espelhos nas paredes, ensaiam seus gestos e discursos bajuladores não só nas vésperas das cerimónias mas durante noites inteiras. Quase profissionais, procuram as melhores palavras para os exagerados e falsos elogios com que se hão de vender à sua vítima (o bajulado) mas que algum dia teriam a mesma coragem de receber 30 moedas para o trair, acto com que ficariam marcados para sempre, como alguém ficou biblicamente, depois de vender a Jesus Cristo.


O bajulador pode ser também comparado a um sequestrador. Se a bajulação é suficientemente grande e adquire gigantismo, logo o bajulador inicia um processo de sequestro, colocando a sua vítima sob fogo cruzado: ou me compensas ou não mais te bajularei.


O bajulador é também um criminoso moral. Actua como um traficante. Se o bajulado é um bom comprador de bajulações, aumenta a grandeza das suas palavras, não se importando se a sua própria figura cai no ridículo ou se lhe diminui a personalidade. Para o bajulador o mais importante é realizar o serviço e colher os benefícios materiais ou financeiros em causa, mesmo em troca da sua liberdade, dignidade e integridade pessoal. Nessa senda, observa-se que vizinhos e companheiros de um bajulador - destes mais dados à prática com mestria e experiência quase profissional -, também se encarregam de tirar proveito pessoal desta vergonhosa e gananciosa práctica. São geralmente os aproveitadores e oportunistas de fila que dão início aos aplausos com a maior força das suas musculosas e barulhentas palmas das mãos ou escritos enjoativos.


Mal o bajulador inicia o discurso bajulador, já os oportunistas e aproveitadores lhe descobrem a palavra seguinte, a pontuação e o texto, iniciando a chuva de palmas mesmo com a frase a meio. Já tive também oportunidade de participar de cerimónias onde o bajulador, o bajulado e a claque formavam um verdadeiro trio de palhaços em teatro; enquanto um lia seu discurso bajulador e gesticulava, o bajulado brilhava na testa com um suor de orgulho e vaidade e a claque mostrava os seus lindos dentes com um sorriso cínico. Contudo, também sei, fora da cerimónia, nos encontros de ocasião, nos momentos difíceis, os bajuladores e a claque mudam de cor. Alguns chegam mesmo a xingar o bajulado pelas costas, convictos de que o ridículo e cínico papel serve apenas para obter ou preservar contrapartidas. Mas não me move qualquer compaixão sobre certos bajulados, pois merecem tão hipócrito tratamento.


Temos que identificar pelo menos dois tipos de bajulados: os que facilitam a vida aos seus bajuladores e não fecham portas aos restantes - aos que não aceitam bajular - e o outro tipo de bajulado, que apenas facilita a vida aos seus bajuladores de serviço, fechando as portas aos demais. Trancando mesmo a vida - à tranca de ferro -! aos que se recusam a bajular! Estes bajulados do tipo ruim, não merecem a nossa compaixão, e devem ser deixados à sorte dos seus próprios bajuladores, como falsos amigos que são. Voltarei ao assunto, no próximo número.