Luanda - A celeuma que se está a fomentar em torno da nomeação anticonstitucional da jurista/advogada/deputada Suzana Inglês, já ultrapassou os níveis mínimos da decência, caiu no ridículo e o risco agora é de que ela seja enterrada num lamaçal de incoerências que só podem descredibilizar de modo definitivo o Executivo, a justiça, o partido no poder e a própria figura do presidente da República, José Eduardo dos Santos.

 
*William Tonet & Arlindo Santana
Fonte: Folha
 

O mais estranho no meio disto tudo é que não se vê onde está o ganho de se violar tão abruptamente a Constituição, levando em consideração a grandeza teórica e numérica do MPLA, partido que governa Angola, desde 11 de Novembro de 1975.

 

A questão desta indicação/nomeação veio demonstrar que, de forma obstinada, alguns homens estão acima da lei, espezinhando, por via disso, as normas e preceitos constitucionais, numa clara demonstração de só se fazer justiça ao arrepio da lei.

 

Num regime que se diz democrático, o direito está assente nas leis, não na ideologia partidocrata. Um juiz deve ter uma bússola equilibrada e imparcial, capaz de rejeitar o alarido e as imposições dos políticos, por mais poderosos que sejam, exibindo-lhes, sem arrogância, o juramento que fizeram de respeito à Constituição.

 

A tarefa de um magistrado, aos olhos da sociedade, é o de ser um defensor intransigente da lei e, principalmente, das grandes decisões de cariz jurídico, aplicando os códigos segundo a vontade do legislador material e não segundo as vontades de maiorias de ocasião ou minorias influentes.


A vontade de uns poucos não pode enlamear a acção de um órgão de soberania, porque o clamor partidocrata não é sinónimo de justiça, mas uma prática ditatorial, na maioria das vezes contaminada pela máquina de propaganda do regime.


Por mais que seja pressionado, um magistrado, no pedestal do Conselho Superior da magistratura Judicial, não pode ceder a constrangimentos, ao ponto de passar à opinião pública um sinal de violação da lei.


No caso em análise, o regulamento aprovado pelo próprio Conselho de Magistratura ordena que o candidato, para ser empossado no cargo de Presidente da CNE, tem obedecer aos seguintes requisitos:


1) Ser Magistrado Judicial;

2) Pertencer a um órgão judicial;

3) Estar no exercício da função judicial no momento da designação;

4) Ser legitimamente designado pelo Conselho Superior da Magistratura;

5) Suspender a actividade judicial após designação como Presidente da CNE.

 

Aqui chegados, os outros três candidatos preenchiam os requisitos e até um, o juiz Manuel Pereira da Silva “Manico”, já havia sido, em 2008, presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, logo com alguma experiência. Mas todos eles foram simplesmente preteridos por não beneficiarem de bastante confiança política.

 

Desta forma temos uma clara violação do n.º 1, al.ª a) do art.º 143° da Lei Orgânica sobre as Eleições, porquanto a advogada/deputada, Suzana Nicolau Inglês, não satisfaz os requisitos legais para ser designada Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, salvo a exclusiva confiança partidocrata, que lhe é depositada, pelo presidente do MPLA e da República, curiosamente parte no processo eleitoral.

 

Tanto assim, que a fonte de F8 diz que no dia 16.01.12 não ter havido uma eleição transparente, por parte dos membros do Conselho de Magistratura Judicial, em função dos resultados dos concorrentes, pois na hora da votação e análise dos requisitos, alguns juízes conselheiros e três candidatos, foram convidados a sair da sala, com excepção de Suzana Inglês.

 

No final foi anunciado o óbvio, por parte da task force, presidida, pelo presidente do Tribunal Supremo, Cristiano André (membro do MPLA), do presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira (membro do MPLA), da ministra da Justiça, Guilhermina Prata (deputada e membro do MPLA), do presidente do Tribunal Provincial de Luanda, Augusto Escrivão (membro do MPLA), do presidente do júri do concurso, juiz conselheiro, Silva Neto (membro do MPLA), o presidente do Tribunal Provincial do Kwanza Sul, Eduardo Masculino (membro do MPLA), o juiz conselheiro, Augusto Carneiro, os juízes vogais Ana Bela Vidinhas, Manuel Pereira da Silva e o advogado, Manuel Dias da Silva.

 

“Por ordem e sugestão superior deve ser indicada, independentemente de tudo, a camarada Suzana Inglês e depois encontraremos uma forma de justificar, publicamente, a sua indicação”, ouviram os presentes, resignados, mesmo sabendo que a escolhida e “fiel camarada militante do MPLA e membro do Comité Nacional da OMA, não é Magistrada Judicial há mais de dez anos, fazia parte como advogada do Conselho Superior da Magistratura, não pertence a nenhum órgão judicial, logo não estava no exercício da função judicial no momento da designação. Tudo isso somado significa não haver requisitos, segundo as regras do concurso, para se ser parte legítima ao cargo de Presidente do CNE.

 

“O que o Presidente do MPLA e da República fez foi uma clara demonstração de violação da lei e a forma como ele amordaça todas as instituições do Estado, pois não tenho nada contra a Dr.ª Suzana Inglês, pessoa merecedora de estima, mas a forma como ela foi indicada não a dignifica, pois vai ficar sempre ligada à batota engendrada por José Eduardo dos Santos”, disse ao F8, o juiz J. A. João

 

Já o jurista Mateus António assegura sentir “vergonha das instituições da justiça do nosso país, quando estas se transformam em cordeirinhas do poder dos poderosos e de um homem que se quer perpetuar-se no poder, por não conseguir ganhar sem fraude. O CSM sabe, mas calou-se, numa clara traição a democracia e a justiça, ter sido violado a Lei nº 36/11, de 21 de Dezembro, por a presidente da CNE do MPLA e não da CNE de Angola, não ser magistrada judicial há mais de 10 anos e não exercer a magistratura em nenhum tribunal, logo eles são assassinos da lei”, asseverou.

 

Mas vamos por outras palavras, talvez mais simples ver o que esteve mal e foi violado por um órgão que anuncia com antecedência aos angolanos e ao mundo, que nenhum perdedor ou quem denuncie violação durante a campanha e ou no decorrer das eleições terá órgãos de recurso imparciais e equidistantes do poder instituído. Numa só palavra foi instituída a fraude eleitoral, em nome de um líder, em nome de um partido…

 

Primeiro ponto - Segundo os textos legais “A Comissão Nacional Eleitoral é composta por dezassete membros, sendo:

 

a) um magistrado judicial, que a preside, oriundo de qualquer órgão, escolhido na base de concurso curricular e designado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, o qual suspende as suas funções judiciais após designação”.


Segundo ponto - O que acontece no caso vertente é que a jurista/advogada/deputada/membro da OMA e militante do MPLA, Suzana António Inglês, está inscrita na Ordem dos Advogados de Angola, e não é Magistrada Judicial em exercício de funções em qualquer outro órgão Judicial. Portanto não reúne as condições exigidas pela Constituição para ser nomeada para o cargo de presidente da Comissão Nacional Eleitoral. Mas foi, com o júri do concurso a violar a Lei Orgânica sobre Eleições Gerais e o Decreto Presidencial nº 102, de 23 de Maio de 2011.


Terceiro Ponto – Depois de termos recorrido aos escritos oficiais para fazer um rigoroso enquadramento dos factos, observamos desde já várias lacunas neste processo de nomeação. Com efeito, sobre a escolha da jurista Suzana Inglês nem uma só palavra foi escrita sobre a maneira como ela foi feita, nem se mencionaram quais foram os critérios que presidiram à avaliação das competências de cada um dos candidatos, e também se ficou sem saber qual a cotação percentual que cada um teve.

Quarto ponto – Uma fonte do F8 assegurou que no 24.01,12, “quando o presidente do júri do concurso, Silva Neto, o presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira e o presidente do Tribunal Supremo, Cristiano André se reuniram previamente com o presidente da Assembleia Nacional, foi para lhe tranquilizaram que tinham arranjado uma fórmula, que garantia a execução do plano do camarada presidente, quanto a eleição de Suzana Inglês, para presidente da CNE”, garantiu o deputado A.F, acrescentando que depois disso, “Paulo Cassoma ligou ao Presidente da República, informando-o do êxito do seu projecto e só depois disso deu luz verde para que os magistrados se reunissem com os grupos parlamentares, para explicarem a fundamentação da nomeação”.

Isto significa que os órgãos designados por decreto para tratamento judicial de eventuais recursos, anteciparam-se a qualquer recurso e proclamaram de antemão e sem outra forma de processo que estão todos de acordo com a nomeação de Suzana Inglês, em atropelo extremo das regras democráticas.

No dia 25.01.12 à Assembleia assistiu ao primeiro regabofe, com a institucionalização e legitimação da fraude, na casa das leis, com a tomada de posse da contestada e agora suspeita presidente da CNE, secundada por alguns envergonhados membros, do MPLA, FNLA e Nova Democracia, com a UNITA e PRS a renunciarem participar no teatro da fraude, por a lei dizer que a Assembleia Nacional apenas pode dar posse ao CNE e não à presidente e a alguns membros.

Quer dizer, quando ainda existem assuntos a discutir e a negociar para que todos, estejam de acordo, quanto as condições encontradas, a maioria parlamentar, uma vez mais, optou pela arrogância e intolerância característica:


“EU QUERO. EU POSSO. EU MANDO. VOCÊS CUMPREM!”

 

E com isto vai adiantar um conjunto de actos sem precisar e questionar dos restantes e legitimar as acções de competência daquele órgão já avançadas por sectores governamentais, nomeadamente, ministério da Administração do Território, quanto à aquisição de serviços e equipamentos a serem utilizado pela Comissão Nacional Eleitoral.

 

 

A jogada de JES

 

 

O facto determinante desta decisão, a fundamentação para a eleição de Suzana Inglês, apresentada pelo presidente do júri, André da Silva Neto, parece não colher, pois assenta em leis cujo escopo foi revogado; Lei Constitucional de 23 de Dezembro de 1980, Lei n.º 18/88 de 31 de Dezembro e Lei Constitucional de 1992.

Mas passemos ao espírito da justificativa;


(…) d) “a Dr.ª Suzana António da Conceição Nicolau Inglês tinha sido nomeada Juiza de Direito em 26 de Março de 1986 por despacho do Ministro da Justiça, publicado no Diário da República do mesmo ano n.º 25 II série e colocada no então Tribunal de Menores e de Execução de Penas da Comarca de Luanda, ao abrigo do disposto no art.º 62.º da Lei Constitucional, em vigor à data dos factos.

e) A Dr.ª Suzana António da Conceição Nicolau Inglês foi exonerada do cargo de Juíza, por despacho do Ministro da Justiça de 26 de Novembro de 1992.

f) Sucede, porém, que à data da sua exoneração já estava em vigor a Lei Constitucional de 1992, que proclamava a República de Angola como Estado Democrático de Direito assente nos princípios do pluripartidarismo e da separação de poderes. Esta Lei consagra no seu artigo 133.º o Conselho Superior da Magistratura Judicial, como sendo o Órgão Superior de Gestão e Disciplina da Magistratura Judicial, competindo-lhe, entre outras funções, as de nomear, colocar, transferir, promover e exonerar os Magistrados Judiciais (v alínea d) do n.º 1 da Constituição).

g) Portanto, se é verdade que o então Ministro da Justiça tinha competência para nomear a magistrada no âmbito da Lei Constitucional em vigor à data nomeação, já não tinha a mesma competência para a exonerar, por força do disposto na Lei Constitucional.

h) De notar que, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público (Lei n.º 7/94 de 29 de Abril), estabelece no seu artigo 12.º que os magistrados Judiciais são nomeados vitaliciamente, não podem ser transferidos, promovidos, suspensos, reformados ou demitidos, senão nos casos e modos previstos neste Estatuto e somente cessam funções no dia em que for publicado no Diário da República a decisão da sua desvinculação – artigo 56.º da citada Lei.

Esta exoneração, feita ao arrepio da lei, constitui um acto ferido de inexistência jurídica e como tal incapacitado de produzir quaisquer efeitos legais, porque imanada por entidade destituída de competência.


j) Acresce que tal acto de exoneração ainda que fosse válido, o mesmo não foi publicado no jornal oficial competente, não tendo portanto a magistrada em causa cessado funções, e não tendo, por conseguinte a candidata perdido a sua qualidade de Magistrada Judicial.

 

Pelas razões invocadas, a Sr.ª Dr.ª Suzana António da Conceição Nicolau Inglês é para todos os efeitos magistrada Judicial. Estes factos incontroversos e incontrovertíveis foram determinantes para a atribuição do primeiro lugar à candidata, por ser a que melhores requisitos gerais oferece para o desempenho do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, não só por possuir maior experiência profissional e tempo de serviço, mas também e sobretudo, por estar a desempenhar funções na Comissão Nacional Eleitoral desde 2008 de forma ininterrupta até á presente data. Na verdade, esta experiencia, ao contrário das outras candidaturas, constitui uma mais valia para a Comissão Nacional Eleitoral.

 

Com efeito, sendo a candidata a actual Presidente do órgão, com experiência na actividade acumulada há mais de seis anos e faltando pouco mais de sete meses para a realização do pleito eleitoral, recomenda a prudência e o bom senso, que esta candidata se mantenha no cargo para que a condução do processo não sofra os sobressaltos que um novo Presidente poderia provocar até se entrosar com o modus faciendi das actividades cometidas ao órgão.

 

E por ter ganho o concurso curricular para a Presidência da Comissão Nacional Eleitoral, foi por este Conselho designada para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

Conselho Superior da Magistratura Judicial,

em Luanda, 23 de Janeiro de 2012

O Presidente do Júri

André da Silva Neto

Vogal do CSMJudicial

 

 

Esta é a fundamentação do Conselho Superior da Magistratura Judicial, à qual importa colocar a seguinte lupa:

 

a) a Dra Suzana Inglês apenas desempenhou as funções de juíza durante seis anos, logo faltavam-lhe quatro, para o primeiro pressuposto: 10 ANOS.

 

b) É extemporânea a evocação da Lei Constitucional de 1992, porquanto ao abrigo do art.º 158.º da citada lei, houve como se lê no actual texto da Constituição, “o nobre e indeclinável mandato de proceder à elaboração e aprovação da Constituição da República de Angola”, logo esta (Constituição 2010) revogou o art.º 133.º daquela (Lei Constitucional).

 

c) Da mesma forma, a actual Constituição dá outra forma à competência do Conselho Superior da Magistratura Judicial, no art.º 184.º, conferindo-lhe a prerrogativa na al.ª e) nomear, colocar, transferir e promover os magistrados judiciais, salvo o disposto na Constituição e na lei”, sendo omissa quanto à exoneração. E esta omissão não é uma falha, mas omissão que permite o cometimento de arbitrariedades político-militares em relação a todos quantos não sejam do comité de especialidade do MPLA, como é o caso dos juízes naturais de Cabinda, transferidos compulsivamente, à cerca de seis anos, para Luanda, por decisão da Casa Militar, a quem, por mera subserviência, o Conselho Superior da Magistratura Judicial cumpriu. A alegação dos generais da Casa Militar era de os três juízes serem escravos da Lei e do Direito, em relação aos cidadãos comuns, intelectuais e padres “Mbindas”, acusados de serem da FLEC, logo deveriam e foram substituídos por juízes militares, que ainda se mantêm no enclave...

 

d) Ora, em casos de decisões administrativas contrárias à Lei Constitucional, como pretende fazer crer a alínea g) da fundamentação do CSMJ, a lesada deveria recorrer à lei de há 20 anos atrás, quer junto do Tribunal Supremo, na altura nas vestes de Tribunal Constitucional, como ainda impugnar o acto administrativo através de um processo judicial, contra o ministro da Justiça, por exoneração indevida, onde a lesada até se poderia constituir assistente nos autos. Não o fazendo na altura, não pode agora, aquela decisão ser avocada, no caso vertente, em nome da imparcialidade da justiça.


Assim, a exoneração de Suzana Inglês, pelo então ministro da Justiça, não pode ser considerada como tendo sido feita ao arrepio da lei, pois se ilegalidade houve, ela já prescreveu e o facto da sua não publicação em Diário da República, não faz ressuscitar a condição de Suzana Inglês.


e) Falece o argumento de a nomeada presidente da CNE, ainda poder ser considerada magistrada judicial, porquanto quer a anterior Lei Constitucional, como a actual Constituição, no seu n.º 5, art.º 179.º (magistrados Judiciais) diz o seguinte: “Os juízes em exercício de funções não podem exercer qualquer outra função pública ou privada, excepto as de docência e de investigação científica de natureza jurídica” e o n.º 6 clarifica: “Os juízes em exercício de funções não podem filiar-se em partidos políticos ou associações de natureza política nem exercer actividades político-partidárias”.

 

Ora, todos estes preceitos mostram haver uma aberrante e grosseira violação da Constituição por parte do Conselho Superior da Magistratura, mais a mais por a “imposta” presidente da CNE, ser deputada pela bancada do MPLA e membro activo do Comité Nacional da OMA, funções incompatíveis com as de magistrada judicial.


Como podemos verificar, esta decisão fere frontalmente o estado democrático e de direito que se diz ser Angola, porquanto ela é baseada na vontade pessoal, e não na lei.