Luanda -  O maior erro que as sociedades cometem quando se propõem a combater a bajulação, é permitir que aqueles que lideram homens se atribuam a si mesmo qualidades supostamente imbatíveis, alardeiem  virtudes e sapiências que não possuem. Ao pretenderem convencer multidões nessa direcção, terão de fazê-lo com recurso a um verdadeiro batalhão de bajuladores, porque a introspecção exagerada em seu próprio benefício é sempre motivo de repulsa social e descrédito.


Fonte: SA

O bajulador vê-se amedrontado com as exigências da democracia


Como nos mostra a experiência, o bajulado precisa sempre de uma «boca de aluguer» a quem se remunera de modo especial como vimos atrás. Ora, se é verdade que os bajuladores têm custos elevados, pois estes «compram-se» e por vezes muito caro, o enorme dispêndio em mordomias, finanças e acomodações forçadas para os estimular, acabam por consumir do bajulado energias psicológicas colossais. Makiavel ilustrou em seu livro um episódio em que o bajulador do chefe, viu-se depois exilado e aniquilado pelo seu bajulado, quando, pretendendo agradá-lo com discursos bajuladores, mais não fazia do que mostrar aos visitantes e ao povo a sua insuperável erudição e eloquência, seus maravilhosos dotes em escrever discursos, que depois provocou a ira do mandão seu superior. Por este motivo, o seu chefe mandou matá-lo.

 

 Não só pela inveja, mas sobretudo pela insegurança que lhe provocava tanta capacidade (a sombra no caso assusta) para realizar um «invejável» trabalho, com categórica retórica e bom nível de conhecimentos! Os homens que propendem para a bajulação a fim de se legitimarem indefinidamente no poder, receam também que seus falsos amigos despontem como «cérebros» em potência: ou os aniquila administrativamente; ou os engana com falsas promoções; ou os enriquece loucamente para mantê-los em serviço. O perigo reside nos dois lados: na boca do bajulador e no bolso do bajulado. Depois, o perigo se inverte: o bajulador constitui uma ameaça, sendo de se precaver dele de qualquer modo, e o bajulado torna-se numa figura poderosamente assustadora. Como se pode ver, uma sociedade com tendências bajuladoras em que alguns cidadãos encontram no lamber de botas uma afortunada forma de vida, e os bajulados terreno fértil para se manterem endeusados vitaliciamente, é uma sociedade movida a «vapor» recordando-nos os velhos tempos, ao invés de electricidade que simboliza o progresso. A bajulação gera novos valores indesejados. Veja-se por exemplo como nasce o nepotismo: todos os bajuladores sabem que a prática do nepotismo compensa. Por isso a incentivam em grande escala. A bajulação quando permanente e diariamente assegurada, eleva-nos à condição de intocáveis perante o nosso chefe bajulado: os nossos primos, irmãos, sobrinhas ou familiares próximos, mesmo incompetentes,  sem formação e desalinhados no perfil profissional, político ou técnico, hão de encontrar um lugar destacado nas instituições, empresas ou organizações a coberto da prática nepotista que é inseparável do fenómeno da bajulação.

 

Um chefe acomodado e protegido no cargo pelos bajuladores, nunca se proporá a combater vigorosamente o nepotismo praticado pelos seus subditos. O bajulador acaba por ser uma valiosa arma para a sobrevivência política de um chefe falhado, de um fracassado lider. Uma arma que requer permanentemente manutenção e especial atenção nas suas caprichosas exigências ou facilidades de favorecimento familiar. Acabamos assim de redescobrir mais uma parte do poder destrutivo da bajulação, enquanto forma de discriminação e de injutiça social.


Existe um outro entendimento da questão em análise, que nos remete para um campo mais dramático: o esbanjamento público de recursos pelas mãos dos bajulados para lograr a preversão dos valores democráticos.

 

Em realidade, o dramatismo subjacente na prática subtil e por vezes até silenciosamente criminosa dos bajulados de carreira, contra os valores da democracia, constituem para mim um dos mais pesados e venenosos efeitos colaterais e invisíveis da política. As sociedades que recebem como herança da velha geração cultura e costumes bajuladores que se enraizam nos jovens, homens e mulheres, torna-se numa sociedade frágil, ostensiva, falsa, esquemática, onde os seus membros não acreditam mais nos seus salários, nas suas capacidades, na sua formação, no seu desempenho pessoal para vencer a vida. Os bajulados de carreira não imaginam quanto mal causam à sociedade ao promoverem bajuladores. Para além dos esforços e recursos materiais e financeiros que são abusivamente utilizados para manter activo um batalhão de bajuladores e bajuladoras, o bajulado enterra à pá uma população inteira no cemitério da podridão social e do «desenrasca-se» quem poder.


Ao baralhar à sua maneira os caminhos da democracia, despista a vontade do cidadão desejoso de ganhar o pão com honestidade e esforço próprio, e engana milhões de vontades e consciências.


Em certas ocasiões que tenho tido o privilégio de conversar com certos jovens que me procuram para debater assuntos tão sensíveis como este, noto que eles preferem tornarem-se «chefes» com poderes para mandar e conduzir negócios estatais por exemplo, do que enveredar por uma carreira técnica ou profissional digna. Quando tento saber mais a fundo a causa dessa preversão pela profissão digna, eles apontam para os melhores veículos, as melhores vivendas, os aviões particulares e iates milionários e dizem que pertencem, na maior parte dos casos, a bajuladores que se venderam para ocupar postos de destaque. No meio do exagero, acrescentam ainda que são todos eles «chefes» bem sucedidos por estarem bem encostados. Dizem que mais vale ser um alto executivo que um bom engenheiro ou até um académico. Depois acrescentam outras taras da sociedade, que por vezes tenho dificuldades em aceitar que exageram, porque em muitos casos acertam em cheio, até nos nomes dos melhores bajuladores que conhecem.


Não é só a pátria e os seus recursos que soçobrarão à bajulação: o bajulador vê-se amedrontado com as exigências da democracia e luta contra ela; o bajulado se escuda em medidas cada vez mais defensivas do seu nome esbanjando recursos com resultados nefastos para a democracia, o exercício livre da cidadania, para a economia e o desenvolvimento. Quando um país está sujeito a caprichos individualistas de bajuladores, bajuladoras e bajulados, a juventude teme pelo seu futuro por cerceamento das oportunidades, que se tornam tremendamente desiguais, destruindo-se deste modo a unidade e a coesão de todo um povo.