Luanda  - À medida que avança o julgamento dos 21 elementos da Polícia Nacional acusados de envolvimento na morte de Domingos João e Domingos Mizalaque, que está a ser levado a cabo pelo Supremo Tribunal Militar, mais se aperta o cerco ao ex-comandante de Viana, Augusto Mateus Viana. Fontes do Novo Jornal consideram mesmo que com as acusações que lhe foram feitas, Augusto Viana já deveria estar preso.


*Isabel João
Fonte: Novo Jornal


Morais Garcia João, um dos vários declarantes ouvidos esta semana, denunciou na terça-feira que ele e os seus amigos foram agredidos no gabinete de Augusto Viana por quatro homens.


Questionado pelo procurador Adão Adriano quanto à identidade de quem os agrediu, o jovem respondeu que foi o ex-comandante de Viana, Augusto Mateus Viana, Lutero, Gaspar e um outro cujo nome não conhece, adiantando que tem queimaduras no rosto e na mão na sequência dessas agressões.

Os declarantes Filipe José Fernandes e Felisberto António Agostinho, este último intendente da Polícia Nacional, confirmaram em tribunal o que os outros declarantes haviam dito antes, que Augusto Viana nunca disse em parada a quantidade e a moeda dos valores apreendidos.


“Fui humilhada, vítima de agressão física e verbal, por parte do comandante Augusto Mateus Viana e Lutero José” , disse superintendente -chefe Filipe Fernandes, acrescentando que as agressões incluído “bofetadas e o pedido para retira as patentes”.


“As agressões só terminaram quando ameacei ligar para o comandante Quim Ribeiro”, finalizou. 


Felisberto Agostinho disse ainda que o órgão que dirige não comunicou a apreensão e também não viu os relatórios, através dos quais se davam a conhecer as ocorrências aos seus superiores hierárquicos, no caso Quim Ribeiro, Leitão Ribeiro e Elisabeth Ramos Frank, na altura comandante provincial e segundos comandantes provinciais, respectivamente.


Nas declarações que fez o intendente Felisberto deixou claro que Augusto Viana não deu a conhecer aos seus superiores a apreensão de valores, o que foi sustentado, quer pela comandante Bety, quer pelo comandante Leitão Ribeiro, que confirmaram em Tribunal nunca terem tomado conhecimento dessa apreensão.

Felisberto Agostinho desmentiu a versão posta a circular por Augusto Viana, no ano passado, segundo a qual Quim Ribeiro lhe mandou matar Joãozinho e que para não cumprir tal ordem teve que fugir para Cuba. “Não pode ser verdade. Na Polícia só se pode ausentar do país com autorização superior e, ao nível do Comando Provincial, esta competência é do comandante de Luanda, no caso Quim Ribeiro. Só ele é que podia dispensar. Assim, como poderia Quim Ribeiro dispensar Augusto Viana se ele tinha uma missão a cumprir, como ele mesmo diz?”, interrogou. Esta versão foi confirmada pelos declarantes Bety e Leitão Ribeiro.

Por seu turno, José Campos Pinto, inspector-chefe da Polícia Nacional, e que à data dos factos era chefe do Departamento das Operações da Divisão de Viana, disse em tribunal que ele tinha contacto diário com Augusto Viana, por força da natureza das suas actividades laborais, e que nunca este lhe disse que tinha apreendido valores, ficando a saber um mês depois, através do seu colega Felisberto, devido aos maus tratos de que o seu irmão Jesus foi alvo.

Filipe José Fernandes «Jesus», quando foi ouvido em tribunal afirmou que no dia em que foi contactar Augusto Viana, a 21 de Agosto de 2009, lhe falou sobre a apreensão e desvio dos valores por parte dos seus efectivos e que o mesmo (Viana) se mostrou estupefacto como se de nada soubesse. Já no dia seguinte, 22, o comandante disse a Jesus que falassem apenas dos USD 100.000,00, porque o resto tinha sido apreendido e estava com ele na unidade e que o mesmo delirava quase sem norte. “É muito dinheiro, é muito dinheiro, nunca vi, nunca vi, eu também quero ser general, eu também quero ser general”.

É de lembrar que o julgamento do caso Quim Ribeiro começou no dia 10 de Fevereiro e tem como principal arguido o ex-comandante de Luanda. Para além de Quim Ribeiro, outros 20 réus respondem pelos crimes de violência contra inferior e superior hierárquico.

Este é o julgamento mais longo da história de Angola, pelo tempo que já decorreu e pelo que ainda é necessário até à sua conclusão, dado o número de declarantes e testemunhas que ainda falta ouvir.

 

Jurista afirma: “Viana já deveria voltar na sua condição anterior, de preso”


Uma fonte do Novo Jornal acredita que Augusto Viana enganou a todos. “Acho que ele enganou os seus colegas, a sociedade, o Ministério do Interior, a justiça e até o Presidente da República com a “bombástica” entrevista que concedeu à comunicação social no ano passado, quando o processo ainda estava em segredo de justiça, ou então, deve ter entregue os seus colegas em troca da sua liberdade”.


Segundo a fonte não se compreende como Augusto Viana ainda está solto, pois em cada sessão que passa se produzem mais provas contra ele e as acusações são cada vez mais evidentes.


O Novo Jornal solicitou a um jurista da praça para apreciar o desenrolar do processo e este adiantou que a ser verdade o que se diz acerca de Augusto Viana e depois das declarações de José Júlio Nogueira e Tiago Caliva, em conjugação com os demais declarantes, com destaque para Filipe José Fernandes, Felisberto António Agostinho e Morais Garcia João, o Ministério Público deve, junto do Tribunal da causa, requerer que se extraiam certidões dessas declarações.


“Penso que (Augusto) Viana já deveria voltar na sua condição anterior, de preso, para se instaurar o competente processo-crime contra ele, afastando-o da condição de testemunha por ser agora mais do que evidente que ele é parte interessada”.


De acordo ainda com a fonte, não se compreende como foi possível, durante a instrução preparatória, os órgãos encarregues da mesma não terem dado conta dessa situação. Também não se compreende como foi possível uma pessoa com todas estas “acusações” passar de arguido a testemunha.


Segundo a fonte, a liberdade de Augusto Viana demonstra claramente que “houve aqui uma troca de favores”, numa lógica do “ajuda-me a sustentar a acusação e nós retiramos-te da condição de arguido”.


Questionado se isso é possível, a fonte respondeu que só é possível em alguns sistemas jurídicos da família do direito anglo-saxónico e outros em que vigora o princípio da oportunidade, ao contrário daquilo que é o nosso sistema, em que vigora o princípio da legalidade, que é o oposto do primeiro. Ou ainda no sistema americano, onde existe um sistema de protecção das testemunhas, em que é garantido aos criminosos a irresponsabilidade criminal, desde que se predisponham a colaborar na descoberta de outros criminosos e desmantelamento de redes criminosas a que pertencem, essencialmente, na criminalidade organizada. Os que colaboram podem ainda ver-lhes garantida a mudança de identidade e o país de residência.


Em Angola, esse cenário não se coloca. “A nossa lei ainda não adoptou estas soluções, pois o princípio da legalidade, que vem consagrado no artigo 1º, do Código de Processo penal, impõe aos órgãos encarregues da investigação e instrução dos processos a obrigação de instaurarem um processo-crime contra todas as pessoas que forem tidas como responsáveis de um acto ilícito”.


Ainda de acordo com a fonte, mesmo que Augusto Viana ajudasse as autoridades a descobrir os seus colegas envolvidos em acções criminosas, de que ele também é co-autor, isto não constituía uma causa de exclusão da ilicitude, nem da culpabilidade, razão pela qual deveria, sim, continuar na condição de arguido. “Como até agora se confirma, a sua colaboração seria tida apenas como uma atenuante de grande monta, com a possibilidade enorme de se utilizar a faculdade de atenuação extraordinária, consagrada no artigo 94º, do Código Penal”, evidenciou.


* Isabel João