Luanda - Há dias, afirmei numa conferência em que participei, em Luanda, que já deixei de acreditar em revoluções, mas que sou um convicto defensor de reformas. Os que acompanham as minhas tomadas de posição públicas sabem que há muito defendo a necessidade de aprofundar e acelerar as reformas em curso no nosso país, em todos os campos.


Fonte: Novo Jornal


Não se trata de quaisquer reformas. As reformas que defendo são balizadas pela ideologia do partido a que pertenço, ou seja, o socialismo democrático. Como também já escrevi recentemente, essa ideologia implica a adopção efectiva de um tripé, composto pela democracia política, a economia social de mercado (conceito resgatado, por exemplo, pelo novo presidente francês, François Hollande) e a justiça social. Tenho criticado, por isso, certas escolhas, prioridades e acções (ou omissões) oficiais, sempre que elas me parecem contrárias aos princípios e valores que constituem o substrato daquela ideologia.


Se outros motivos não houvesse, o desenvolvimento dos acontecimentos no norte de África seria suficiente para eu desconfiar das “revoluções”, pelo menos no actual contexto global. De facto, e como escreve a jornalista Nicole Guardiola, na matéria de capa da última edição da revista ÁFRICA 21, “o grande tsunami de liberdade e democracia que devia varrer o mundo árabe, levando consigo autocratas e ditadores, corruptos e corruptores, ficou desfeito numa série de tempestades com consequências diversas, fluxos e refluxos”.


Acrescenta ela:-“Os ‘amanhãs que desencantam’ estão povoados de homens barbudos, de mulheres veladas de negro até aos olhos, com gritos e palavras que o mundo inteiro aprendeu a soletrar – Allah Akbar! Sharia! Djihad! – e que gelam o sangue dos não muçulmanos”. Ou seja, quem manda hoje nesses países “são os islamitas, radicais ou moderados, de barbas fartas, defensores da sharia e da tradição”.


Não concordo, portanto, com aqueles que defendem a necessidade de uma “revolução” em Angola. Tenho três razões para isso.


A primeira é que, embora não haja nenhum “perigo islamita” entre nós, o risco do fundamentalismo político (e, em alguns casos, étnico e/ou racial) é uma realidade concreta. Assim, basta analisar os discursos, os comentários e as palavras de ordem daqueles que se dizem defensores da “revolução”, para prever o que sucederia se eles alcançassem os seus objectivos.


Muitos daqueles que enchem a boca para falar de democracia são profundamente autoritários, tribalistas, racistas e fundamentalistas. Lamento, por isso, que certas vozes críticas e oposicionistas, que poderiam desempenhar um papel fundamental para a modernização política de Angola, continuem a reboque ou relutem em demarcar-se desses sectores.  


A segunda razão é que a eventual ocorrência de uma “revolução” em Angola só pode interessar aos agentes locais das correntes neoliberais actualmente hegemónicas, as quais, apostadas numa nova partilha de África, montam estratégias para enfraquecer os africanos à custa de novos regionalismos e divisões. Essa tendência manifesta-se, em especial, a norte do Equador, mas a hipótese de estender-se para sul não é nenhuma fantasia.


A terceira e última razão para me opor à suposta necessidade de uma “revolução” é que, de um modo geral, aqueles que a defendem não possuem quaisquer credenciais que os habilitem a, hipoteticamente, dirigir o país e resolver de facto os imensos problemas que a sociedade ainda enfrenta. A sua retórica meramente destrutiva, sem a apresentação de quaisquer soluções, fala por si.


Em que pesem as deficiências comunicativas do governo, manda a honestidade reconhecer que muitas mudanças foram feitas no nosso país desde o fim da guerra. As mudanças de que Angola precisa para se modernizar, política, económica, cultural e socialmente, carecem, pois, de estabilidade e competência. Não podem ser feitas na rua, como defendem certos políticos, nem por amadores, sem qualquer capacidade técnica e administrativa, ou, pior ainda, por aventureiros. Last but not the least, não podem significar um retrocesso.