Luanda  - De acordo com a comunicação feita recentemente pelo Conselho da República, as eleições em Angola terão lugar a 31 de Agosto deste ano. Durante a última semana, as preparações para o processo eleitoral sofreram vários zig-zags notáveis. Estes podem assinalar um novo capítulo no processo de democratização do país ou um mecanismo mais complexo de fraude eleitoral.


Fonte: Makaangola.org


A 15 de Maio, o Ministério da Administração do Território (MAT) entregou formalmente o Ficheiro Central Informático do Registo Eleitoral (FICRE) à Comissão Nacional Eleitoral (CNE). O registo eleitoral contem informação sobre mais de 9.7 milhões de eleitores. De acordo com a lei, a CNE tem a responsabilidade de registar os eleitores, mas o MPLA, há perto de 37 anos no poder, contornou a Constituição e as leis eleitorais, tendo permitido ao MAT a condução do registo eleitoral sem qualquer escrutínio público. Normalmente o MAT está sob a alçada de um membro do Bureau Político do MPLA, tal como é o caso do actual ministro, Bornito de Sousa.


De acordo com fontes da CNE contactados por Maka Angola, a transferência da base de dados eleitoral foi simplesmente um procedimento formal. O ministério continua a ser responsável pela actualização de mais de 2 milhões de entradas na base de dados, incluindo a remoção dos eleitores falecidos, entre outras atualizações essenciais para garantir a exatidão dos dados.

No mesmo dia em que o anúncio da transferência da base de dados foi feita, o público ficou também a saber que a presidente da CNE, Suzana Inglês, havia pessoalmente escolhido a empresa Deloitte para proceder à auditoria dos ficheiros.

A Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais obriga a que a transferência da custódia e gestão do FICRE seja precedida de uma auditoria. Este requisito legal foi também violado. Segundo informações da porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, à imprensa, a Deloitte apenas iniciou a auditoria depois da transferência formal dos referidos ficheiros.


Além disso, a escolha da Deloitte também está enferma de irregularidades. Suzana Inglês escolheu esta empresa sem recurso a concurso público, tal como manda a lei. As operações da Deloitte em Angola, uma empresa subsidiária da multinacional britânica, são também afectadas por graves conflictos de interesse. O filho de Suzana Inglês, Henda Inglês, é assalariado da Deloitte como membro do júri dos prémios Sirius, atribuídos a supostas boas prácticas de gestão entre os membros da elite angolana. Como membro do júri, a Deloitte contratou o secretário para os Assuntos Económicos do Bureau Político do MPLA e deputado à Assembleia Nacional, Manuel Nunes Júnior. Em Dezembro último, a Deloitte também atribuiu um prémio especial de homenagem ao Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, por aquilo que a empresa considera serem os seus feitos realizados em prol da paz e do desenvolvimento do país. Depois de 33 anos no poder, dos Santos recandidata-se agora ao cargo para o qual nunca foi eleito.


A Deloitte e o Presidente têm de resto mantido relações públicas de grande proximidade desde Outubro último, quando dos Santos concedeu uma audiência ao presidente da Deloitte em Angola, Rui Santos Silva, para discutir “assuntos relacionados com as operações da empresa no país.”


Dois outros acontecimentos de relevância para o processo eleitoral tiveram lugar nos dias subsequentes. A 16 de Maio, Suzana Inglês endereçou uma carta ao Presidente informando-o de que todas as condições estavam reunidas para a convocação das eleições.


No dia seguinte, o Tribunal Supremo anulou a nomeação de Suzana Inglês como presidente da CNE, por esta se encontrar ferida de ilegalidade. O cargo deve ser ocupado por um(a) magistrado(a), segundo a lei, e Suzana Inglês não cumpre com tal requisito. Como tal, os actos administrativos levados a cabo por Suzana Inglês, incluindo a auditoria da Deloitte e a correspondência entregue ao Presidente estão já a ser contestados como nulos e inválidos.


Porque decidiu o Tribunal Supremo tornar pública a sua decisão após os anúncios formais de que estavam criadas as condições para a realização das eleições?


Em rigor, Angola continua a ser governada por um regime autoritário e o poder judicial não é independente do poder político. A 30 de Abril deste ano, José Eduardo dos Santos promoveu o presidente do Tribunal Supremo, Cristiano André, ao grau de general das Forças Armadas Angolanas, comprometendo mais qualquer ideia de autonomia do tribunal. Este é o mesmo tribunal que, em 2005, emitiu um acórdão segundo o qual o Presidente da República nunca foi eleito pelo povo e, para todos os efeitos, não deveriam ser contabilizados os seus mandatos presidenciais. A decisão constituiu uma manobra política para permitir a dos Santos contornar o limite de dois mandatos imposto pela Constituição, abrindo caminho para recandidatar-se ao cargo por mais dois mandatos consecutivos, num total de mais 10 anos. Se tudo acontecer de acordo com os planos do regime, dos Santos estará no poder 43 anos.


Com esta conduta, o Presidente semeia dúvidas e ambiguidades sobre as eleições e o processo de democratização do país. Com o anúncio do Conselho da República, aconselhando o Presidente a marcar as eleições para 31 de Agosto, este sempre pode evocar que a decisão não foi sua. Assim, as eleições poderão ocorrer com grosseiras violações à legislação em vigor e dos convénios internacionais sobre eleições a que Angola aderiu. Este cenário seria o suficiente para manter legitimidade internacional uma vez que as potências mundiais competem entre si para dar maior apoio a dos Santos em troca de petróleo e de acesso ao mercado angolano.


O segundo cenário é o de protestos públicos. A 19 de Maio, pela primeira vez desde as eleições multi-partidárias de 1992, a UNITA reuniu, em Luanda e noutras cidades do país, dezenas de milhar de pessoas. Estas exigiam eleições livres e justas. Enquanto estes protestos se realizaram sem quaisquer incidentes, a recente onda de violência contra grupos de jovens que têm liderado a organização de manifestações anti-Dos Santos, não augura um cenário positivo. Ao invés, parece indicar que o regime, cristalizado no seu pináculo de poder e sem uma estratégia de saída, irá reprimir brutalmente qualquer dissidência, perdendo assim a oportunidade histórica de levar Angola para o caminho de democratização.