Luanda - Voltei hoje (Quinta-feira, 24) a entrar na cadeia de São Paulo, 35 anos depois de lá ter entrado pela primeira vez, a 28 de Maio de 1977, como prisioneiro político, na sequência da monumental e sangrenta caça às bruxas que se seguiu ao acontecimentos de 27 de Maio de 1977. Sem acusação nem julgamento permaneci na Prisão de São Paulo até ao dia 4 de Fevereiro de 1979.
Fonte: Maianga.blogspot.com
O meu primeiro contacto com a Prisão de São Paulo é, contudo, muito mais antigo. Tudo começou quando tinha cinco, seis anos de idade. Foi nos idos de 60 que os meus contactos com a prisão de São Paulo tiveram inicio onde várias vezes fui com a minha mãe visitar o meu pai que era um "hóspede" regular da PIDE/DGS.
Lembro-me bem dessas visitas.
Um dos carcereiros do meu pai, o Sr. Marques mais a sua esposa, a D. Flora, acabaram por ser os padrinhos da minha irmã mais nova, que nasceu em 1961, no ano em que o meu pai foi preso pela primeira vez tendo lá permanecido até 1963, salvo erro.
Depois voltou em 66 onde ficou por menos tempo. Pelo que julgo saber o meu pai nunca foi julgado, mas quando saía aplicavam-lhe umas medidas de segurança que limitavam muito a sua vida como funcionário público. Por exemplo não podia concorrer a funções superiores no seu quadro da sua carreira, por isso ganhava muito mal.
A vida prega-nos com cada partida.
De facto, nada na minha agenda desta quinta-feira me faria adivinhar que eu poderia voltar hoje a franquear os portões daquela instituição, transformada actualmente num moderno e remodelado Hospital-Prisão.
Razões de ordem pessoal que não têm nada a ver com a instituição mas com alguém que lá trabalha, estiveram na origem desta inesperada visita relâmpago que durou cerca de 15 minutos.
O nosso antigo "hotel" está mudado, está mais bonito. Todo pintadinho de fresco. Mantêm-se as casernas antigas, mas foram acrescentados mais alguns edifícios funcionais. O refeitório está no mesmo sitio ao lado do "comboio", onde estavam localizadas algumas das celas individuais, incluindo a famigerada cela 5 que era a solitária, a cela de castigo, onde estive por duas vezes a cumprir sanção disciplinar.
Na primeira ida para 5, lembro-me perfeitamente, foi por ter gritado depois de ter visto das grades da cela "Siga de Cima" a minha mãe, que pensava que eu já estava morto. Sair da 5 e voltar para a caserna era um pouco como ganhar a liberdade sem deixar a cadeia.
Era um verdadeiro alívio....
A visita desta quinta-feira causou em mim uma sensação difícil de descrever. Foi na prisão de São Paulo que vivi os piores e mais angustiantes momentos da minha vida, pois na altura ninguém sabia se algum dia sairia dali com vida. Mas também foi no São Paulo onde fiz as melhores e mais sólidas amizades que conservo até aos dias de hoje.
Foi no São Paulo onde aprendi a conhecer melhor os angolanos. Os bons e os maus. Ainda andam quase todos por aí...
Foi no São Paulo e depois de toda aquela barbárie que fomos testemunhas, que decidi nunca mais voltar a militar em nenhum partido, seja ele qual for.