Luanda  - Este artigo pretende analisar o problema do fanatismo político/religioso, ilustrar o problema e dar uma contribuição para uma teoria explicativa da questão. A proliferação de seitas e o fundamentalismo político agressivo são consequências do colonialismo ideológico interno?

Fonte: Club-k.net

Nestas poucas linhas é nosso objectivo, não só reflectir sobre o tema mas também, chamar a atenção do governo do MPLA para as consequências das seitas religiosas para Angola. O desejo de conhecer os factos que acontecerão no futuro deste país e a intenção de espreitar o que há-de vir justificam a presente reflexão.


Para os mais cépticos, tudo é um imenso novelo de superstições nas quais os homens tentam procurar o seu caminho às apalpadelas.


Apesar de Angola respirar um clima de paz militar, nos últimos tempos tem-se passado coisas tão estranhas que a nossa esperança de começar a ver o país a reconciliar-se consigo próprio e em liberdade permanece toldada de incertezas.


Parafraseando PACHECO, Carlos (2012, p.200) “Angola, infelizmente, está muito doente nas suas entranhas, em parte (…) por responsabilidade das suas elites políticas e culturais que se revelam incapazes de responder aos desafios vitais de como construir um Estado democrático e moderno.>>.


Relativamente a introdução da doutrina cristã no que é o actual espaço que se chama Angola, esta teve início com a «evangelização sistemática a partir de 1490, quando os missionários católicos chegaram às "novas terras" e baptizaram sucessivamente o governador do Soyo, em Abril de 1491 e Nzinga Nkhuvu, rei do Congo, em Maio desse mesmo ano».


 1 A implantação da Igreja Católica nas áreas do Kongo,  Ndongo e Matamba


Posteriormente estendeu-se ao extremo leste, nordeste e sudeste até ao século XX. A igreja cristã terá iniciado a sua actividade em Angola na década de 1850, com maior incidência na parte norte e centro. Tanto a igreja católica como a protestante comportam várias denominações e congregações.


Em Angola, a religião nunca reflectiu um consenso social e cultural, mas sempre tendia em vez disso a ser uma fonte de protesto social.


Os povos pré-bantu de Angola, os Kung denominados pejorativamente pelos seus vizinhos de kamusekele (apreciadores da carne de porco espinho) ou Mukwankhala (comedores de caranguejos) e pelos europeus de bushman/ (homens do bosque/selva/mato), esse ser Supremo é conhecido como N!dii que significa céu nas línguas de kalahari central, Ndali ou Hishe. Acreditam no ser do afecto significativamente a sua actividade diária, apesar de intervir e ser invocado também nos momentos de infortúnio, seca ou outras calamidades.


Historicamente, e, para a maioria das populações de origem bantu, estes crêem na existência de dois mundos, nomeadamente o visível, e o não visível  cujo relacionamento e contacto se efectuam através de rituais, preces e outras cerimónias dedicadas aos antepassados, por intermédio da invocação das forças dos espíritos que coabitam com os homens. Este facto é indicador de uma subordinação ou dependência total dos vivos em relação os espíritos ancestrais. Os povos bantu estes prestam culto aos antepassados, que intercedem junto de Nzambi, Kalunga ou Suku que está no topo das alturas, para que haja chuva, caça, protecção, fecundidade, fertilidade ou punição para os transgressores.


O fundamento da ancestrologia enquanto ramo de antropologia, sociologia, etnologia, etnografia enfim, história, que se ocupa do estudo dos cultos e preces dedicados aos antepassados, tem essa dimensão cultural consubstanciada na interacção entre viventes e antepassados.


 Os povos bantu na sua idiossincrasia acreditam que as pessoas não morrem mas que transladam deste mundo para o outro com uma dimensão transcendental, onde usufruem das mesmas benesses como comida, roupa entre outras regalias que tinham antes da "mudanças". Este facto determina a realização de cerimónia de ofertas de bens e de veneração aos defuntos.


Em Angola regista-se actualmente a presença das religiões cristãs (Católicos e Protestantes) e Islâmica como universais.


O aparecimento de uma variedade de organizações religiosas esteve na base de diferentes interpretações dos textos bíblicos. Assistiu-se ao surgimento do movimento dos antonianos em Mbanza Congo e, mais tarde, ao tokoismo no século XX, uma das mais importantes igrejas nacionais, fundada pelo Simão Gonçalves Toko.


Uma outra religião sincrética que tem emergido e encontrado um lugar de destaque na sociedade angolana é o Kimbanguismo.


Decorrente desse fenómeno, verifica-se hoje uma grande proliferação de organizações religiosas que podem ser classificadas em:


a) igrejas espiritualistas, b) igrejas dissidentes da doutrina cristã e c) igrejas não cristãs.


Algumas dessas igrejas, surgiram como resposta a situação colonial tendo durante esse período, sobrevivido na clandestinidade, enquanto outras foram introduzidas pelas comunidades angolanas que a partir de 1974 regressaram ao país.


  É o monoteísmo actualmente predominante que justifica a crença na existência de um Ser Poderoso e Supremo designado Nzambi (entre Bakongo, Tucokwê e ambundu), Klunga (entre os Ngangela, Kwanyama, Axindonga e Helelo), e Suku ( entre os ovimbundu e Nyaneka Khumbi). Essa entidade suprema considerada como criadora e supervisora do universo, é coadjuvada, segundo os povos bantu, por outros deuses menores mas também poderosos, através dos quais se chega a ela. É o caso dos deuses da fecundidade, da caça, das chuvas, da sorte, da protecção, do gado, entre outros.


 KWONONOKA, Américo (director do Museu de Antropologia de Luanda), relativamente ao tema afirma o seguinte: “nas comunidades rurais, antes de se beber qualquer líquido entorna-se um pouco no chão como expressão de gratidão aos defuntos.”


 Nos povos Bakongo e nos Tucokue, nas cerimónias presididas por entidades tradicionais eleita e reconhecida pelo povo (e sobretudo pelos anciãos), é comum "dar-se de beber primeiro aos antepassados através da aspersão da bebida a partir da boca para a área da cerimónia. Os Bakongos fazem também o nkunda ou três salvas de palma para pedir aos antepassados a autorização para qualquer evento.


Em Mbanza Kongo, o sacerdote, profere as seguintes palavras dirigidas aos ankhulu (ancestrais): «Todos os Bakongo vieram daqui, porque deixaste algo importante. Estamos aqui perante entidades para pedir que a festa se realize na tranquilidade dos Nkhulu e não haja incidentes. Por isso trouxemos Maruvu para vos oferecer».


A veneração aos espíritos dos antepassados, expressa nos cultos, ritos e nas ofertas feitas pelos vivos, é, segundo a tradição, um requisito para haver a harmonização equilíbrio e tranquilidade nas comunidades. Caso contrário, a infertilidade a mortandade, as doenças e outros infortúnios que ocorrem na comunidade serão atribuídos aos antepassados como punição pela desobediência.


 Ainda hoje, nas comunidades rurais bantu, se acredita que não há doença ou morte que não tenha como causadores, os antepassados "desprezados e não venerados, os quais através dos feiticeiros" tidos como seus emissores, sancionam ou punem os transgressores.


Entretanto, nessas comunidades as pessoas têm o direito de consultar os adivinhos para descobrir as causas dos seus infortúnios. Só essas entidades de dimensão mágico-religiosa podem manusear os objectos que se guardam num cesto (os tucokwe designam-no ngombo ya cisuka) fazendo preces aos espíritos ancestrais para darem resposta ao consultante sendo  este  orientado a juntar uma série de bens para ser tratado pelo Kimbanda. Nos casos das chamadas "doenças espirituais como por exemplo, as pessoas possuídas, mahamba (espíritos dos antepassados cokwe), ou kalundu/Olondele (espíritos dos antepassados Ambundu/Ovimbundu), a resposta dos adivinhos tem sido quase a mesma: "os teus antepassados encarnaram em ti para satisfazeres os teus desejos...


Entre essas comunidades históricas (cokwe e Ambundo, Ovimbundo), o quimbanda/Chibanda realiza um conjunto de tratamentos com preces ao som de música para afugentar os mahamba os kalundú ou olondele. Neste acto, a pessoa possuída entra em transe (xinguilamento/okutunhuha) até ser "liberta", mas devendo continuar a manter um série de obrigações, que entre as quais as ofertas de comida, bebidas e outros bens aos defuntos, num altar montado com figurinhas que representam os antepassados diariamente invocados e venerados.


As cerimónias de raiz tradicional, como componentes da vida socioeconómicas e cultural, integram e consolidam as instituições e eventos tidos como sagrados.


Nas zonas onde a actividade principal é a agricultura, cerimónias rituais são realizadas aquando das primeiras chuvas e nas primeiras colheitas; se for uma sociedade de caçadores, o espírito do animal representa e integra a cerimónia dos caçadores que pode ocorrer na primeira caça dos iniciados ou nas grandes caçadas colectivas, sobretudo entre os Tucokue e os Ngangela.


Na zona piscatória da Ilha de Luanda, a cerimónia da Kyanda, considerada como a padroeira do mar ou "Espírito do Mar", envolve não só a comunidade que se dedica a essa actividade, mas também outras individualidades. Os anciãos e um grupo de mulheres vestidas à "besangana" de cor vermelha, vão à beira-mar levando consigo bebidas, alimentos, flores e dinheiro para atirarem ao mar como reconhecimento da prosperidade comunitária a ela devida, e também como uma petição para que as kalemas (ondas altas) não invadam e destruam os bens da comunidade. Em torno desse ritual, crê-se que a bebida serve para embriagar a Kyanda a qual quando estiver sob efeitos etílicos, dormirá profundamente originando a acalmia das ondas e a aproximação do peixe à superfície.


Entre os Nyaneka Humbi, a tradição é praticada e transmitida através de uma instituição conhecida como "Boi Sagrado" Ondjelwa, em nyaneka e que se realiza anualmente pelo cerimonial e "cortejo do boi", e é tida como reminiscência dos antigos criadores e pastores. A finalidade desse ritual é inovar os espíritos desses antepassados para proporcionarem a prosperidade e a protecção do gado. Para esse grupo etnolinguístico, os rituais e as crenças em torno da fecundidade têm lugar com a confecção da kikondi (boneca de fibras vegetais) que são entregues às raparigas casadoiras (logo que apresentam o primeiro fluxo menstrual) as quais as guardarão até gerarem o primeiro filho. Segundo a tradição, a procriação depende em geral desse amuleto, sem o qual a continuidade da vida seria impossível.


A autoridade máxima Nyaneka Humbi é o Ohamba a quem são atribuídos poderes extra humanos. Antes do início das chuvas ele vai junto de uma pedra sagrada e anuncia o Ongonjdi (proibição do cultivo da terra depois da primeira chuva, tida como sagrada) à população. Em seguida, o Ohamba realiza um ritual que consiste em mandar cair a chuva, travar ou controlar outros fenómenos atmosféricos. Este ritual é conhecido entre os Mungambwe, sob-grupo etnolínguistico Nhaneka Humbi, como opululo".


Sobre o carácter moneteista da religião dos povos bantu DELUMEAU, Jean (2002, p.16)  , afirma o seguinte: “o monoteísmo é tão antigo como a África” e que “ os missionários se enganaram sobre o diabo africano”.


Em Angola e, a partir do ano de 1980, assistiu-se a entrada  de expatriados de várias nacionalidades oriundos sobretudo da África Ocidental, região de populações maioritariamente muçulmanos (aderentes da religião Islâmica), mas também de outros continentes.
Como consequência, assistimos impávidos e serenos a implantação de seitas religiosas a partir primeiro de Luanda e, depois a estender-se actualmente a todo País.


Assim Angola passou a ter no seu seio a presença das religiões cristãs (Católicos e Protestantes) e Islâmica e as universais.


Em Angola a proliferação de seitas religiosas está a atingir proporções alarmantes.
 No Workshop sobre a cultura nacional que há tempos decorreu na Assembleia Nacional de Angola, a ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva, disse que o fenómeno de proliferação de seitas religiosas era um problema para sociedade e representava um autêntico desafio para os estudiosos bem como para os órgãos decisores do país, numa altura em que perto de 900 denominações religiosas aguardam a sua oficialização, de acordo com dados do Ministério da Cultura.


O fenómeno está a atingir outros contornos considerados alarmantes, entre os quais o da imigração ilegal. Segundo o então ministro do Interior Sebastião Martins, na abertura do primeiro conselho consultivo alargado do seu pelouro no passado mês de Maio de 2012, “há em Angola seitas e congregações religiosas bem identificadas que estão a facilitar a entrada ilegal de estrangeiros no país.”


Sendo que a conjuntura religiosa actual é caracterizada por dois factos aparentemente opostos, a nebulosa de crenças difusas, a tendência para o sincretismo e a atracção para o esoterismo, porque é que o poder do estado nunca foi capaz de limitar a influência do fanatismo religioso em Angola?


O que vemos todos os dias não conforta as dores de coração. Nesta etapa de percurso histórico nacional uma lenta e firme aplicação de políticas liberais tendentes a reforçar e a tornar coesas as diversidades societárias por alargamento da base de partilha de direitos entre os cidadãos é o que se recomenda. Infelizmente, o que se vê é exactamente o oposto. Deparamo-nos com práticas que, de uma forma ou doutra, põem em causa modos de coexistência e de solidariedade entre comunidades e culturas distintas, tendência que, a continuar acabará por ferir de morte direitos fundamentais dos indivíduos e, acto contínuo provocará fracturas na possibilidade de unidade nacional.


Do acima exposto, parece-nos razoável concluir que o governo do MPLA, aos invés de se insurgir e ficar a penas pelos constantes e já lamentais efeitos provocados pela igreja Universal do Reino de Deus em Angola, deverá ser capaz de conhecer, compreender e saber estancar as causas do surgimento das seitas religiosas no nosso país. Doutro modo, não adianta tentar o que seja, porque a empresa da cacofonia social vai continuar. 


(Docente universitário)