Luanda - Tenho acompanhado com diferenciado interesse a “história” sobre Sebastião Martins e confesso que me surpreendeu aquilo que se foi dizendo e escrevendo sobre o seu papel no desaparecimento de Cassule e Kamulingue. Mas como o assunto é essencialmente de justiça, deixemos que os órgãos afins cumpram imparcialmente o seu papel.

Fonte: Club-k.net

Entretanto, por mero acaso, tomei conhecimento, há dias, através de um amigo, que tendo mais tempo, Sebastião Martins teria retomado um projecto antigo que consistia em pesquisar o percurso do seu falecido pai, enquanto nacionalista, que durante anos desenvolveu uma intensa actividade política contra o regime colonialista português.

Achando o assunto interessante e na base de alguns dados que esse amigo privadamente partilhou comigo, movido pela natural curiosidade de um historiador, parti para a pesquisa

de mais dados sobre André Martins “Kassinda”, progenitor de Sebastião Martins, e, de facto, surpreendeu-me o que pude descobrir: desde os milhares de documentos da PIDE, na Torre

do Tombo, sobre a actividade política de Kassinda desde tenra idade, até uma surpreendente entrevista dada a um dos mais reputados jornalistas franceses de política na época (entrevista datada de 28 de Julho de 1965) que, pelo seu valor histórico, aqui reproduzo em vídeo, mesmo sem o consentimento da família e, em especial, de Sebastião Martins, a quem, não sabendo se já tinha visto essa entrevista ou não, enviei uma cópia digital, mas que por ser um material de interesse histórico público, como se diz, sinto-me no direito e obrigação de partilhar para que outras pessoas e, principalmente, os estudiosos da história da luta pela libertação de Angola possam, assim, também ter acesso a tão interessante material e conhecer um pouco mais sobre os vários filhos anónimos deste país que deram a sua vida para que fossemos livres.

André Martins Kassinda nasceu em Nova Lisboa (hoje cidade do Huambo), no dia 10 de Outubro de 1936.

Filho de pais ovimbundos do grupo Seles, que se instalaram na região da Quibala nos anos 20/ 30, sendo o seu progenitor, António Martins “Kassuandala”, um fazendeiro de café na região de Bumba Alunga, Quibala, nos anos dourados do café.

Tinha uma formação muito superior ao comum dos angolanos na altura (principalmente ao nível das línguas cujos registos atestam que, para além do português, falava francês, inglês, bem como umbundo, quimbundo e ngoia, língua falada no Cuanza-Sul). Os seus estudos foram feitos nas escolas católicas e seminários de Luanda, tendo conseguido acabar o ensino secundário, algo que não estava ao alcance de qualquer africano na época.

Enquanto ocorriam os distúrbios de 4 de Fevereiro, em Luanda, Kassinda e mais seis camaradas iniciavam uma longa e difícil viagem rumo ao Congo-Léopoldville. A caravana de sete elementos saiu de Luanda na madrugada do dia histórico de 4 de Fevereiro. A primeira parte do percurso foi feita de camioneta via Ambriz-Toto-Bembe (província de Uíge). Nesta última aldeia, onde pernoitam, encontram-se com Fernando Gourgel (futuro notável da UPA). No dia 5 foram transportados de carrinha por um tal de Morais até à localidade de Lukunga. Neste ponto, arranjaram um guia para que os levassem até Wuamba, uma aldeia indígena

situada nas profundezas do mato. Todo o percurso desde Lukunga até ao Congo foi feito a pé, o que é indicativo do grau de dificuldade com que se revestiu esta fuga. O grupo devia fazer 50 a 60 quilómetros, tendo o cuidado de preservar os alimentos que começavam a escassear. Ainda assim, acabaram mesmo a dois dias de chegarem à fronteira e, a partir desse ponto, o alimento a que recorreram foi a fruta que existia em grande abundância na selva, não tendo tido, assim, problemas de maior no campo da alimentação. Dados da PIDE apontam o dia 11 de Fevereiro como o da chegada ao Congo-Léopoldville, tendo a fronteira sido cruzada nos lugares de Songa Lutete ou Songa Maia.

Em trinta anos de vida, André Martins Kassinda foi líder de cinco organizações políticas, sendo responsável directo pela fundação de três, o CPCP, a UGTA e o CPA. O seu percurso político foi marcado pela opção de não-violência e pela negociação com Portugal de uma solução para a independência Angolana. Para um homem tão jovem (tornou-se num líder com apenas 25 anos), os caminhos que defendeu para a conquista da independência, que passavam pela negociação, pelo entendimento entre as diferentes forças nacionalistas e por uma transição pacífica de transferência de soberania, demonstram uma enorme maturidade e uma visão apurada.

Os grilhões do tempo e da História levam que hoje as massas conheçam nomes icónicos que protagonizam a luta angolana, como o de Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Holden Roberto ou Jonas Savimbi, mas desconheçam tantos outros, injustamente olvidados pela História, por quem a cultiva e por quem, no fim de tudo, saiu vencedor. É exactamente esse o caso de André Martins Kassinda.

E permitam-me, de um ponto de vista muito pessoal, ressaltar que me surpreendeu na entrevista, o sentido de condenação, à época, pelo entrevistado, das práticas de corrupção que aparentemente já se viviam em alguns movimentos de Libertação, nomeadamente na UPA-FNLA, e também o sentido que Kassinda transmite de considerar que o diálogo devia ser a primeira via de abordagem com os colonialistas, sendo que o recurso à via armada ou violenta, só devia ser assumido quando esgotada a possibilidade de entendimento pela negociação.

É razão para dizer que quem sai aos seus não degenera, ou seja, e pelo que vamos ouvindo dizer sobre o papel de Sebastião Martins em toda essa “história”, QUANDO A NÃO-VIOLÊNCIA ESTÁ NO SANGUE, POR MAIS QUE SE FORCE, É DIFÍCIL A VERDADE NÃO VIR AO DE CIMA E A JUSTIÇA, APESAR DE TARDAR, NO FINAL SEMPRE VENCE!