Luanda - Com efeito, no período entre as 15 e as 16 horas, a redacção da delegação da Voz da América, em Luanda, de que o signatário fez parte, teve o primeiro sinal de que haveria muito trabalho pela frente com o desfecho da guerra, após a morte em combate do líder da UNITA, Jonas Savimbi, no Lucusse, Moxico.

Fonte: O País
O mérito deve ser atribuído ao mais acutilante dos correspondentes de guerra da VOA no Bié, Aniceto dos Santos, de quem recebi, no período acima referido, a chamada telefónica a dar conta da morte em combate de Jonas Savimbi. Mais palavra menos palavra foi assim que o Aniceto transmitiu “epá, aí o Jonas foi morto hoje no Moxico com 53 tiros”.

Eu não precisava sequer de questionar a sua fonte de informação, pois era dos poucos correspondentes com muito boas fontes de informação nas estruturas castrenses e policiais do comando operacional local da altura, não fosse ele um dos sobreviventes ao cerco implacável imposto à cidade do Kuito no derradeiro esforço da antiga rebelião tomar de assalto a cidade, mas ele disse-mo e não revelarei aqui o nome da sua fonte de informação, por razões óbvias.

Era, por sinal, o meu último dia de trabalho e já me preparava para sair em gozo de férias, quando atendo a chamada do colega no Bié. Contactado de imediato o delegado em serviço, Nelson Herbert, diligências foram feitas junto dos estúdios centrais, em Washington, para que se desse a notícia em primeira mão às 18 horas, confiantes que estávamos da certeza da informação do Aniceto.

Antes procurámos confirmar junto de fontes internas só por uma questão de cumprimento do quesito relacionado com o cruzamento e apuramento da informação, porque o Aniceto era imbatível. Com esse afã, estabeleço contacto com o Paulo Cahilo que respondia pelo Moxico, mas este não sabia de nada, ficando com a incumbência de a precisar, o que não aconteceu.

Pretendíamos fazer da notícia o “nosso bebé”, mas a necessidade desse cruzamento levou-me a ligar para o Reginaldo Silva, na altura nosso concorrente, pois trabalhava para a BBC de Londres. Lembro-me que a primeira pergunta dele foi saber da fonte e só lhe disse que a dica tinha vindo do Bié.

No intervalo que nos separava do noticiário às 18 horas, ele também foi fazendo as suas diligências e pontualizava do que sabia, mas ninguém entre os militares e políticos de proa dizia rigorosamente nada sobre o assunto, até que por volta das 19 e mais alguns minutos quando voltou ao contacto para dizer “epá, está confirmado, atente ao noticiário das vinte horas”.

Da frustração à terceira via

Em Washington, de onde o Paulo Faria tinha a responsabilidade de apresentar o noticiário do dia das 18 horas, veio a relutância expressa mais ou menos nos termos de que em ocasiões anteriores a VOA tivera noticiado a morte de Jonas Savimbi, quando na verdade ainda se encontrava vivo.

Para quem conhece o metier, a importância e o valor de um furo jornalístico, esta posição irredutível é frustrante. Passam em mim pensamentos como, estivesse o Luís Costa como pivot e ele teria podido confirmar a informação e dado a notícia.

O Nelson Herbert, guineense de nacionalidade, não desanima, entretanto, e liga para uma rádio da capital do seu país, Bissau, por sinal afiliada da VOA, a Rádio Bombolom, se me não engano, que passa a informação captada de seguida pelo delegado da Lusa local.

Depois deste flash, o telefone da delegação da VOA em Luanda não parava de tocar e estava o Nelson a ser consultado pelos mais distintos jornalistas de órgãos de imprensa mundial.

Para a redacção já!

Diante da confirmação da notícia, procurámos chamar à redacção todos os colegas que se encontravam em casa a repousar, pois a edição matinal da VOA teria de ser toda ela reformulada, mas de todos colegas previstos chegar só a Josefa Lamberga, que vivia no centro, pôde voltar ao local de trabalho, mesmo debaixo do tiroteio festivo que se seguiu ao anúncio da morte de Jonas Savimbi.

Com o reforço que a Josefa representou, esboçamos um conjunto de entrevistas com políticos maioritariamente do MPLA, entre outras personalidades relevantes da cena política angolana. Nota importante, em todas as entrevistas feitas era notório ao fundo um verdadeiro ambiente de festa nas casas dos dignitários do MPLA.

Lembra-me que a Josefa Lamberga, para prender o entrevistado, fazia alguma brincadeira usando o “truque do directo”. “Boa-noite senhor fulano daqui é Josefa da VOA, está a falar em directo, queríamos um comentário à notícia…”. Aí ela acertava em cheio e era só tudo palavras à volta do facto do dia.

Este lufa-lufa prolongou-se noite adentro e só deixámos o escritório por volta das quatro da manhã para um curtíssimo descanso mesmo, pois teríamos de estar às 5 horas no aeroporto militar para embarcar para a cidade do Luena e daí ao Lucusse.

À hora certa fomos recolhidos pelo delegado Nelson Herbert e chegámos ao aeroporto militar. Formalidades cumpridas, acontece o embarque para o Luena. No aeroporto havia muitos militares, mas o ambiente era de calma e serenidade. Lembrame de ter visto na placa o general Nunda, o coronel Geny da logística, o então tenente-general Hanga da Força Aérea, o comissário Panda da PIR e outros oficiais superiores que integravam o Posto de Comando Avançado das FAA, todos eles com um GPS, o instrumento que permitiu o aperto do cerco a Jonas Savimbi como se veio a apurar.

Qual toupeiras, começámos por tentar saber pormenores sobre a operação, baptizada “Operação Kissonde”. Havia muito pouca informação, mas podemos apurar de um soldado “ele queria render-se mas não demos esse prazer, deu-nos muito trabalho”, uma informação que não foi possível apurar no terreno.

Quarenta e cinco minutos depois da partida do Luena, o helicóptero da FAN pousa por volta das 11 horas no Lucusse. Na aeronave seguia a equipa da TPA que tinha como repórter o Gonçalves Ihanjica, o Nelson Herbert, a Josefa Lamberga e o autor destas linhas. No interior desse helicóptero seguiram também duas urnas novas. Este dado levantou possibilidades da morte de mais Eugénio Mateus uma importante figura e falava-se na altura dos generais Numa ou Kamorteiro, mas tudo se aclarou no local, onde só se encontrava o corpo de Savimbi.

Noutra máquina seguiam colegas do Jornal de Angola, Carlos Alberto e Maurício Makemba. O José Neto Alves Fernandes chegou a bordo dum Beechcraft da SAL juntamente com o chefe dos Serviços de Informação, Carlinhos Manuel, e outros funcionários do seu gabinete.

No Lucusse, o ambiente de mato silencioso era só cortado pelos cânticos de um grupo de aldeões locais e o canto dos pássaros. Muito perto do local de poiso estava uma mulembeira, à sombra da qual, sobre um palanque, jazia o corpo sem vida de Jonas Savimbi, protegido por efectivos da Polícia de Intervenção Rápida, sobre quem o Paulo Cahilo, chegado antes de nós ao local, expedia o seu trabalho de reportagem relatando o estado em que se encontrava o corpo e tecia outras considerações.

Logo, as máquinas fotográficas começaram a disparar os seus flashes, captando imagens dos mais distintos ângulos. As conversas entre os jornalistas giram à volta dos últimos momentos do velho guerrilheiro e do soldado que terá disparado mortalmente contra Savimbi, enquanto se esperava pelo comandante da operação que estava no Luvuei a 166 graus e 79 quilómetros de Lucusse, para prestar declarações à imprensa sobre o curso da operação.

Antes pude me aperceber a partir de um fotógrafo que sempre acompanhou o destacamento de grupos de comandos para documentar todos os momentos da operação de que tinham sido usados dois cães, um dos quais tinha deixado o teatro de operações por doença haviam passado dois dias.

Também pude interiorizar que a situação no terreno foi de facto de muita dureza. Mas os dias estavam mesmo contados para o líder da UNITA, porque segundo dados avançados pelo comandante de uma das tripulações de helicópteros, “cada vez que soubéssemos de manobras suas, nós fomos lançando equipas de comandos com um GPS”, mostrou o seu que permitia precisar as coordenadas do local a perscrutar.

O homem do dia Carlitos

Simão Wala, então com 30 anos de idade, descia do helicóptero que o fora buscar. Fardado de comando, boina vermelha, bom porte físico, sem qualquer sinal de cansaço visível, ostentava a patente de brigadeiro. Introduzida a conferência de imprensa pelo chefe da Direcção de educação patriótica das FAA, general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, o brigadeiro Wala falou da operação que eu resumo na tentativa de Jonas Savimbi trocar as vistas aos seus perseguidores atravessando uma e outra vez os rios Lumanhe e Luvuei.

Este exercício visava restabelecer o contacto com o general Big Jó, chefe da brigada de assalto e técnica de explosivos e ainda do brigadeiro Mbule de quem esperava obter provisões logísticas que teriam ido buscar à fronteira com a Zâmbia.

Na verdade, a falta de comunicações com os dois oficiais que operavam mais próximo de Savimbi, pode tê-lo traído já que tinham sido mortos em combate no dia anterior.

Aliás, a sua situação estava irremediavelmente má. Durante a apresentação de alguns prisioneiros no dia 12 de Fevereiro, no Luena, Moxico, entre os quais José Kalundungu, o antigo administrador de Lumbala Nguimbo, coronel Aurélio Katu, dava dois meses como tempo de resistência possível para Jonas Savimbi. Estava-se nessa altura na fase de atomização da até então vasta coluna que protegia o líder guerrilheiro, com perdas de pessoal das comunicações e meios de intercepção de comunicações das FAA.

Curiosidades…

Enquanto decorria a conferência de imprensa, os motores dos helicópteros sempre estiveram ligados, mas à pergunta do José Neto, então a trabalhar para a RTP-África, em Luanda, feita ao brigadeiro Wala nos termos “em algum momento o Dr. Savimbi terá manifestado a intenção de se render?” redundou num aumento brusco da rotação. Lembra-me que ao pronunciar as palavras “em princípio…” foram dirigidos ao brigadeiro Wala vários sinais e mímicas para que se evitasse o assunto e justamente naquele instante o general Egídio Sousa e Santos “Disciplina” dava por encerrada a actividade.

Outro momento protagonizado pelo general Disciplina foi o ralhete que deu ao então correspondente ou delegado da Lusa que terá pedido autorização para obeter um fio do cabelo de Savimbi para fazer exames de DNA.

Descontente com o pedido, o general questiona “mesmo estando a ver ele aí morto não acredita, ainda quer fazer DNA?”. Apesar da reprimenda, o general ordenou a um perito da investigação criminal que lhe dessem a amostra pedida e numa embalagem plástica foram colocados alguns fios do cabelo de Jonas Savimbi.

Não faltaram comentários às evidências de que teria havido um suicídio, devido a uma marca encontrada no lado esquerdo do seu rosto. Os conhecimentos de balística puderam desfazer este equívoco, pois a velocidade inicial do projéctil naquela posição teria estoirado com parte da cabeça, o que não de verificou. Foi mesmo morto em combate.