Luanda - Durante a recente visita do Papa Bento XVI a Luanda, o presidente José Eduardo dos Santos fez uma declaração que me chamou particularmente a atenção. Depois de reconhecer que existem no país grandes desigualdades sociais e de considerar necessária a participação dos empresários em projectos de interesse nacional, acrescentou ele: - “O que há a fazer, ao mesmo tempo, é separar claramente os negócios privados dos negócios do Estado e combater com firmeza a apropriação indevida de bens públicos por funcionários do Estado”.
Não é a primeira vez, nos últimos tempos, que o presidente aflora a necessidade de começar a moralizar a sociedade, de cima para baixo. Ainda ecoa, por exemplo, a sua afirmação, feita durante a campanha eleitoral do ano passado, de que é preciso combater a promiscuidade entre o exercício de cargos políticos e administrativos e os negócios.
Os negativistas de plantão dirão: palavras, leva-as o vento. Pela minha parte, opino que é preciso prestar atenção a essas palavras. Como se diz na gíria, o presidente não costuma dar ponto sem nó (passe a leve irreverência da imagem, mas, com toda a sinceridade, acho excessivo o “excelentismo” nacional).
Há muito que defendo, em privado e em público, um novo período de transição, concluído que está o processo de pacificação e harmonização nacional, para preparar a saída do presidente. Também defendo que é imperioso estabelecer um marco zero, em termos de combate à corrupção e de moralização da nossa vida social em geral. As duas coisas estão ligadas, pois essa nova política deve ser iniciada durante a nova transição que sugiro, para não criar uma situação de instabilidade futura.
Essa é uma das razões que me faz defender que este novo período de transição deve ser conduzido pelo próprio presidente José Eduardo dos Santos. De momento, ninguém melhor do que ele para realizar aquilo que defendeu durante a visita de Bento XVI. O tempo urge para fazê-lo.
De facto, a situação de guerra e de instabilidade generalizada que prevaleceu em Angola praticamente desde a independência, há 34 anos, além de ter criado uma mentalidade e possibilitado práticas que não se coadunam com um país genuinamente moderno, também fez surgir algumas figuras que, devido às fortunas que acumularam, se tornaram muito poderosas e, tendencial mas não necessariamente, pretensiosas, arrogantes e ambiciosas.
Talvez determinadas dessas figuras tenham de ver as suas asas aparadas, agora, para que o país não tenha problemas amanhã.
Uma lição deveria a emergente burguesia angolana entender: independentemente das discussões sobre o método, ninguém é contra o seu enriquecimento. Mas os capitalistas nacionais (ou apenas endinheirados) têm de ter consciência de que “uma empresa não pode ser entendida como uma fábrica de lucros, mas sim como uma entidade com uma função social criadora de emprego e de riqueza e de contribuição para o erário público”, tal como disse, há 50 anos atrás, Dave Packard, da HP, citado por Fernando Pacheco na edição de Março da revista África 21 (recomendo aos leitores o excelente texto deste último, “Capitalismo criativo, porque não?”).
O capitalismo tem uma lógica (alguns falam em ética): investir hoje para receber mais tarde, graças ao esforço realizado no presente, a fim de criar riqueza para muitos, os quais, transformados em consumidores daquilo que é produzido, permitem aos capitalistas ter lucros e reinvestir, num círculo que se deve ir expandindo gradualmente. Portanto, é preciso tempo. Quando isso é posto de lado, sendo substituído pela ganância imediata, o resultado pode ser a actual crise que abala o mundo.
No actual momento histórico de Angola, um “capitalismo” que - em vez de investimento no futuro não só dos capitalistas, mas da sociedade - seja confundido apenas com apropriação pessoal (a qualquer custo), esbanjamento e exibicionismo pode ter, a médio prazo, consequências imprevisíveis. Espero, pois, que os nossos candidatos a capitalistas tenham prestado a devida atenção às palavras do presidente, quando ele disse ser necessário convencer os empresários ou os detentores de riqueza a “reinvestir pelo menos 70 por cento dos seus lucros em projectos de interesse nacional que visam combater o desemprego, a pobreza, a falta de habitação e a aumentar a oferta de bens e serviços”.
*João Melo, jornalista e escritor angolano, é colunista do Jornal de Angola
Fonte: Africa 21