Luanda - Os factos. O “massacre da Frescura”, como ficou conhecido o violento episódio de um tiroteio organizado que levou à morte um grupo de oito jovens angolanos, ocorreu no largo da Frescura, Município do Sambizanga, Luanda, às 19 horas, do dia 23 de Julho de 2007. O homicídio colectivo ocorreu quando os oito rapazolas estavam a conviver depois de mais um dia de aulas e de trabalho. Os disparos foram tantos que ninguém pôde intervir. E os jovens, apanhados de surpresa, morreram ali, sem perceber bem o que tinha acontecido.


*Kassinda Ngalula & Ankara Sangala
Fonte: Folha 8

  
ImageComo quase sempre em circunstâncias deste calibre, variadas e coloridas foram as versões a dar conta do que se passou nesse dia, e, é claro, a versão avançada pelos familiares das vítimas que presenciaram o acontecimento, difere evidentemente da apresentada mais tarde pelos responsáveis da Polícia Nacional. Esta minimizou a ocorrência e levantou algumas dúvidas a afirmações julgadas precipitadas.

 

Mas os familiares insistiram na identificação dos supostos autores do crime, fortalecidos pelas declarações de uma das vítimas que antes de morrer ainda teve tempo para revelar que “(...)tinham sido alvejados por agentes da 9ª esquadra, entre os quais os agentes Júlio e Micha”.


Numa primeira reacção a Polícia fez valer o direito de legítima defesa, alegando que tinha havido provocação por parte dos jovens, mas essa justificativa rapidamente foi posta de lado por ter sido provado que era inexacta e que os autores do tiroteio eram, segundo bim número de testemunhos, realmente agentes e oficiais de polícia que tinham disparado sem piedade sobre oito jovens que nem sequer podiam ser considerados meliantes perigosos. O mais que podiam ser era ladrões de relógios. Foi então avançada a desculpa de que eles tinham sido confundidos com verdadeiros assaltantes.


Mas, como a pressão da opinião pública era enorme, tanto mais que esta cena dramática, parecida com as que se podem ver nos filmes de cowboys, tinha acontecido a menos de 200 metros de um local onde meses antes tinham sido abatidos, supostamente por agentes da Polícia Nacional, dois jovens actores que rodavam um filme amador, um inquérito foi organizado e como resultado do mesmo foram inculpados de homicídio voluntário sete membros graduados da Polícia Nacional, entre oficiais e agentes. 

O Julgamento

No prosseguimento do julgamento do “Caso Frescura”, a quinta secção dos crimes comuns do Tribunal Provincial de Luanda, presidida pelo Juiz de Direito, Dr. Salomão António Pedro Filipe, assistido pelos Juízes Dra. Anastácia de Melo e Dr. Jacinto Feijó, e com o Ministério Público representado pela Dra. Isabel das Neves Rebelo, ouviu até à data do fecho do nosso bissemanário os sete réus, acusados de crime no referido “Caso”. No dia 28.09.09 foram ouvidos os réus Miguel Inácio Francisco, aliás “Micha” e  João Miguel Francisco, aliás “Dyudu”; no dia seguinte, em audiência que durou seis horas, apresentaram-se à barra os arguidos Faustino Alberto, oficial de investigação criminal e instrutor processual, e Helquias Bartolomeu, também, investigador criminal; enfim, no dia 30.09 foram ouvidos os depoimentos dos réus Simão Ferreira Pedro,  investigador,  Manuel de Barros André responsável do registo e cadastro e João Raposo de  Almeida.


Todos se declararam inocentes na morte dos oito jovens.

Cada um deles foi apresentado à barra uns após os outros, em princípio sem terem o mínimo conhecimento dos depoimentos anteriores. Mas a concordância entre as diferentes versões é tão notável que parece suspeita, tanto mais que no seu desbobinar de factos aparecem algumas contradições notórias. Portanto, quer isto dizer que se eles se tivessem apresentado juntos fariam um não muito desafinado coro a interpretar uma mesma partitura, aprendida de antemão e certamente com alguns ensaios preliminares. Senão vejamos:


Nenhum deles estava no Sambizanga no dia do crime; todos eles só souberam do acontecido no dia seguinte, apesar de no mesmo dia a notícia ter invadido Luanda do Cacuaco ao Benfica; salvo uma incerta excepção (“Duydu”) todos eles foram encarcerados no dia 26 ou 28 de Julho, para em seguida serem algemados e mais tarde serem levados para sítio incerto por pessoas desconhecidas; todos foram torturados de olhos vendados, de maneira que nem sequer podem denunciar os seus carrascos; todos (excepto duas excepções) afirmam que o crime se deve a actos bárbaros cometidos por causa de uma rivalidade tremenda entre dois bandos de meliantes do Sambizanga, o Sem Tropas e o Mana Bela.  


No meio disto tudo de realçar ainda que o famoso “Duydu” é delegado de turma, teve reunião nesse dia e não sabe de nada, o que não o impediu de meter os pés pelas mãos e enfim refugiar-se numa repentina falta de memória.


Quanto a Faustino Alberto, esse oficial de polícia declarou à barra ter conhecido uma chamada Minga há um mês atrás, portanto em Junho de 2008, mas esqueceu-se que tinha dito na fase de instrução preparatória que a conhecera no mesmo dia em que se deu o crime, 23 e Julho de 2008.


Enfim, valeu a “partitura”, à qual se deve agora opor uma análise cerrada, séria e responsável, a fim de se apurarem responsabilidades inequívocas. Mas que ela deu ao julgamento o seu arzinho de “canzonnetta” ensaiada em casa, lá isso deu.