Há três pontos que merecem ser elogiados nesse decreto. Primeiro: a realização das eleições num só dia. Isso, num continente que ainda gatinha, em termos de democracia, tira do ar, ou minimiza a suspeição de fraude ou outras irregularidades. Segundo: as eleições foram confirmadas com uma antecedência de três meses. Isso permite que outros partidos, pequenos, principalmente sem recursos financeiros, tenham tempo para montarem suas estratégias de quantas pedras e fundas precisarão para derrubarem o gigante MPLA. Terceiro: o decreto presidencial “reitera a necessidade dos angolanos exercerem de modo livre, consciente e responsável o seu direito de voto para escolher os seus representantes, confiando-lhes a responsabilidade de conduzir os destinos da nação”. Vamos traduzir isso.
O decreto está reforçando que, na primeira sexta-feira de setembro deste ano de 2008, o povo angolano estará numa bifurcação em forma de “T”. O povo deverá decidir se ainda confia os seus destinos ao mesmo partido, na mesma descida de destruição de valores, nas mesmas pessoas que, solidariamente, estão no poder há 32 anos, ou passar a procuração para outra tripulação melhor, com novas idéias, que dê um rumo melhor para todos nós. O decreto solicita que cada um vote conforme manda a sua consciência, sem influências de outras pessoas. É nosso destino que estará na cal, na marca da grande penalidade.
Dessa forma, o nosso país tem uma grande oportunidade de formar um governo em prol da população e não aquele comprometido com o capital estrangeiro; governo que promova educação, reduza a pobreza e o analfabetismo, que acabe com a exploração do homem pelo homem em Angola, que acabe com as gritantes desigualdades, onde, enquanto muitos não têm nada, poucos, porém, que fazem da classe de dirigentes burgueses corruptos, se divertem à custa da desgraça alheia, e levam à destruição e ao descalabro do país.
Portanto, o decreto, que foi muito claro e sincero, diga-se de passagem, pede para que a população não seja influenciada pelos lobos travestidos com pele de cordeirinhos. Diz o velho ditado “filhinho de rato, será sempre rato, mesmo que mude de nome. Para provar isso, basta dar-lhe um pedaço de mandioca e ver-se-á que continuará dando algumas mordidas”.
O momento é de mudanças. Para mudarmos o mundo, precisamos correr risco. Tudo no mundo se renova para superar novos desafios. Nas estações certas, as plantas renovam suas folhas, flores e frutos. O ser humano tem que renovar também. Como já escrevi anteriormente, parafraseando palavras de Max Gehringer: “sempre que um partido ou chefe chega ao poder, impõe respeito. Isso até é bom. Em seguida é reverenciado, o que é ótimo. Depois disso, passa a ser temido. Isso não é nada bom porque o temor sempre gera conspirações silenciosas. Daí em diante, o governo vive em função de se perpetuar no poder, protegendo-se e neutralizar lideranças novas e opositores”. Por isso que em repúblicas, como é a nossa, o poder não deve ser exercido pelas mesmas pessoas e vida toda. É por isso que existem eleições, diferentemente de monarquias.
Ou seja, depois de algum tempo no poder, tudo se transforma em um carrossel. O tempo passa, são sempre os mesmos cavalinhos dando voltas e não ocorrem mais novidades. Quando ocorrem mudanças só se dá em nível de dança de cadeiras. Fica no mesmo modelo ou esquemas. Nessa história, por exemplo, há modelos que não existem mais e nós ainda os seguimos. Quando se fala em investimentos, só ocorrem em Luanda. Isso tem levado ao êxodo rural. Aquilo que deveria ser capital administrativa e econômica, transformou-se numa capital de todos os males.
Ainda, no mundo atual, já está fora da moda a criação de comissões para se analisar se surgiu primeiro o ovo ou a galinha. O dirigente que recorre a esse expediente, ou não quer resolver os problemas do povo ou não possui competência ou não quer correr risco de se expor publicamente, para preservar sua imagem. A experiência mostra que comissões, normalmente, acabam desaguando no nada, uma vez que criam uma infinita cadeia de responsabilidades.
Muitos outros males assolam o nosso país. O nosso quadro ainda é sombrio. Doenças, os comunas, alguns com atraso mental, que se infiltram no aparelho do estado, o desenvolvimento e fortalecimento de pequena oligarquia autonomeada, dirigentes que não seguem a “carta de Puebla” que diz que um bom governante tem que ficar próximo do povo, saindo de seus gabinetes para que entendam as reais dificuldades do povo, falta de habitação, aumento de desemprego, corrupção nem se fala, enfim.
Nesse cenário, o povo não deve ser anestesiado por vãs promessas. Bom jogador sabe jogar com bola de meia e de cabedal. Aquele que sabe realizar com muitos recursos, também sabe fazer com poucos recursos. Se do pouco foi infiel, do muito será muito mais infiel. A hora é de mudarmos as estruturas e idéias apodrecidas.
É verdade que a palavra “mudança”, muitas vezes assusta. Nós, os humanos, adoramos repetir. O novo, para muitos, ainda representa ameaça. Entretanto, mudar é vencer a morte, a tristeza, é a solução dos problemas. Muitas vezes sofremos porque adoramos repetir. O decreto presidencial devolveu a bola ao povo. Agora ela está conosco para decidirmos a quem passar desta vez. Ou acertamos desta vez ou nunca mais.
* Feliciano J. R. Cangüe
Fonte: www.cangue.blogspot.com