Luanda - Na altura em que o Presidente Jose Eduardo dos Santos e o Presidente da UNITA rubricam o acordo de Paz em Bicesse, tanto as forças FAPLA do governo quanto as FALA tinham chegado literalmente ao limite das suas capacidades operacionais. Após as sucessivas campanhas que tiveram como teatro o chamado “Triangulo do Tumpo”, nas proximidades do Kuito-Kuanavale, gera-se agora um impasse e o cansaço começa a tomar conta dos beligerantes. Ninguém pretende arriscar mais do que se tinha feito, dali para a frente. Na pratica, parece impossível suportar qualquer esforço adicional que pudesse determinar uma vantagem significativa no terreno. Uma vitória decisiva no campo de batalha, para qualquer das partes em conflito, nas condições vigentes, torna-se uma carta absolutamente fora do baralho.

Fonte: Club-k.net

A continuação do envolvimento das forças cubanas e as da África do Sul em campos opostos, ameaça expandir a guerra para lá da fronteira Sul. O prosseguimento dessa escalada, levaria inevitavelmente a internacionalização do conflito. Isso ninguém em sã consciência deseja. Os últimos combates ocorridos nas cercanias do Kuito-Kuanavale, tal como os raides da aviação cubana e angolana contra as posições sul-africanas na barragem de Ruacana e Kalueque, a pouco mais de uma dezena de quilômetros da fronteira com a Namíbia, constituem o ponto de viragem na guerra. Pretoria envolve a posse de uma bomba atômica pronta a ser usada contra Angola como factor de dissuasão.


Como resultado, iniciam conversações tri-partidas nos EUA. No dia 22 de Dezembro de 1988, é assinado o Acordo de Nova-Iorque cujos pontos principais versam sobre a retirada do contingente cubano e das SADF de Angola bem como a concessão da independência a Namíbia.


Entramos no ano de 1991. O império soviético desmorona com um castelo de cartas. No momento, ninguém adivinha as suas últimas consequências na geopolítica mundial. Mas o certo é que nada mais será como dantes.


Parece evidente que, naquele contexto de final da guerra fria, a continuação do conflito em Angola não obtém o respaldo das chancelarias interessadas no processo angolano, sobretudo de Portugal, E.U.A. da própria Rússia e da própria África do Sul. Os actores concordam na necessidade de um entendimento para o fim da guerra.

Mais um acordo se esboça no horizonte. Sempre vale a pena tentar, embora o princípio “pacta sunt servanda” que rege a obrigatoriedade no cumprimento dos acordos entre partes, tenha um historial negro em Angola, desde os primórdios da proclamação da independência.

Em boa verdade, durante a luta pela independência nas matas, os três movimentos de Libertação jamais conseguiram formar uma frente comum contra a potência colonial. Pelo contrário, combatiam ferozmente entre si, o que os enfraquecia muito. Um outro exemplo, recordemos o que se passou após o 25 de Abril de 1974, quando se iniciou o processo de descolonização dos territórios africanos sob domínio de Portugal. Foi a pedido dos movimentos de libertação que iniciou a intervenção estrangeira em Angola.

Na sequência da ruptura do Acordo de Alvor, em 1975, as forças do MPLA e da UNITA continuam a combater-se ferozmente na maior parte do extenso território angolano. Apenas a FNLA, o outro subscritor de Alvor, desiste da luta armada, após o seu exército ser derrotado as portas de Luanda, quando faltavam escassas horas para a proclamação da independência nacional. Desprovida da sua componente militar, a FNLA e o seu líder histórico Álvaro Holden Roberto decidem abraçar a luta política, tendo aparecido como concorrentes nas primeiras eleições gerais de setembro de 1992.

Por seu turno, a trajectória da UNITA revela-se diametralmente oposta à da FNLA. Sob as cores da sua tradicional bandeira de duas faixas horizontais vermelhas e uma verde e um galo negro ao centro a cantar ao raiar do sol, a UNITA decide caminhar no seu próprio rumo, dirigida por um homem que mais tarde ficará conhecido como um dos mais antigos guerrilheiros do mundo-Jonas Malheiro Savimbi. A sua opção estratégica passa, inequivocamente, pelo regresso a luta armada, qualquer que seja o tempo necessário até forçar o MPLA a novas negociações e no melhor cenário, derruba-lo do poder em Angola.


Derrotada nas batalhas das grandes cidades pelas FAPLA apoiadas por um contingente do exército cubano, a UNITA empreende, em fevereiro de 1976, o que chama de “Longa Marcha”. Parece ser essa, a via que resta a Savimbi, após perder momentaneamente o apoio militar directo das Forças de Defesa da África do Sul (SADF). No final da penosa marcha para sudeste, que durou cerca de 7 meses, a UNITA instala em 1979 a sua principal base designada “Jamba”, que em pouco tempo se torna a capital política, diplomática e militar do movimento.


A partir desse ponto do território e sempre apoiada pela África do Sul, através da Namíbia, a UNITA luta de novo de armas na mão por mais de 11 anos, até chegar ao Acordo de Bicesse, em 1991. Nesse lapso de tempo, haveria ainda, em 1989, um rocambolesco acordo de paz assinado na localidade de Gbadolite, entre dos Santos e Savimbi, sob mediação do marechal Mobutu do Zaire, apoiado por outros líderes africanos.


O Acordo de Gbadolite, rubricado em Junho de 1989 no ex-Zaire de Mobutu, após uma cimeira africana, nasce praticamente morto e como tal, é de imediato enterrado. A guerra em Angola prossegue com o seu interminável rosário de mortes e destruição. Aparentemente, a falta de soluções em Gbadolite, deve-se a posição intransigente do governo em não aceitar a participação pessoal de Jonas Savimbi na vida política de Angola, ao qual apenas caberia aceitar um exílio temporário no estrangeiro. Isso, o líder da UNITA jamais aceitaria. Contudo, a situação política mundial está de tal forma alterada, que os aliados externos do MPLA e da UNITA se mostram mais inclinados a exercer pressão a fim de encontrar uma solução pacifica para o conflito.


Bicesse surge, assim, para dizer que, afinal , é possível negociar a paz para Angola.