Luanda - De acordo com o Folha8, os conflitos no ramo imobiliário não param de crescer e de  trazer casos caricatos. Uns, não se entendendo as partes estas decidem recorrer a caminhos ínvios para alcançar os seus objectivos, outros, mais terra a terra partem para a força.


* Silvio Van Dúnem & Andala Sankara
Fonte: Folha 8

 

No caso vertente, estamos diante de uma engenharia que visava contornar o estipulado no Código Civil, quanto à natureza dos contratos. Não importa agora questionar se outro caminho, pela relação antes existente entre as partes, havia para a solução do diferendo. Havia, dizem quem as conhece, mas esta não foi a opção e vai daí elegerem o fórum  judicial para esgrimir argumentos. A empresária e a ex-advogada e actual juíza conselheira do Tribunal Constitucional, sem contenção de razões, orgulhos, verbo e caprichos, cada uma pretendia ganhar a causa, como se verificará.

 

O julgamento que vamos aqui abordar nada tem de transcendente, à parte o facto de pôr em causa o comportamento e a envergadura moral de um dos protagonistas, na realidade uma profissional consagrada do nosso sistema de justiça: Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional.


Adiante.


Uma acusação foi feita por Filomena Samuel Nimi, natural de Mbanza Congo, província do Zaire, proprietária dum Prédio Urbano, de rés-do-chão, 1º e 2º andares, situado ao Município do Rangel, Bairro Nelito Soares, Zona 11,  Rua José Duro, n.º 14, contra Maria da Imaculada Lourenço da Conceição Melo, conhecida nos meios jurídicos por Mila Melo, que se dispunha servir-se do local para aí instalar um estabelecimento de ensino, o  Colégio Imaculado Coração de Maria.


Formalmente, a queixa é contra as duas entidades, uma, a advogada Mila Melo, juíza conselheira do Tribunal Constitucional, que se notabilizou pelo facto de não ter votado a favor da nova Constituição de Fevereiro de 2010, a outra, o próprio Colégio.


Em causa estava um ajuste de contas que finalmente nunca chegou a ser feito. E tudo começou na hora da assinatura do contrato de arrendamento, no dia 08 de Março de 1998, numa altura em que estas duas senhoras, agora em litígio aberto, mantinham entre elas um relacionamento que chegou a atingir os níveis de uma boa e sã amizade.


Talvez por isso mesmo, ambas facilitaram, dona Mila Melo não levou consigo a quantia requisitada nos termos do contrato, que previa o pagamento antecipado de 6 meses de aluguer ao preço de 5.000 USD/mês, e a dona Filomena Nimi deixou-se levar numa cantiga de amiga-amiga e aceitou receber os 11.000 dólares que a candidata a locatária do seu imóvel lhe propunha, em vez dos 30 mil que devia pagar, comprometendo-se, contudo, a entregar USD 19.000.00 (dezanove mil dólares norte americanos), no prazo de 8 (oito) dias, contados a partir daquela data, alegando, à altura, indisponibilidade financeira. 


Decorrido o prazo estipulado, sem que se verificasse o pagamento da quantia em falta, Mila Melo foi contactada pela sua amiga proprietária e conseguiu obter dela um novo prazo de 8 (oito) dias para pagar o remanescente, o que, mais uma vez, não cumpriu.

 

Após mais de 6 (seis) meses de ocupação do imóvel, dona Mila Melo, que variadíssimas vezes se comprometia a pagar o devido, não o fazia, o que agravou sobremaneira as já muito tensas relações entre as partes.

 

Entretanto, dona Nimi teve que se deslocar a Lisboa para solucionar assuntos familiares e conferiu uma procuração ao Sr. Milton José Manuel, para a representar e responder pelos assuntos inerentes ao referido contrato de aluguer, e foi precisamente esse homem que, verificando o incumprimento das cláusulas contratuais, primeiro interpelou-a para proceder ao pagamento não só dos restantes USD 19.000.00 (dezanove mil dólares norte americanos) em falta, mas também da quantia referente às rendas vencidas. Mas não obteve sucesso, o que o levou, em seguida, a endereçar-lhe uma carta, datada de 30 de Outubro de 1998, a comunicar a intenção de se pôr fim ao contrato.

 

Mas a recalcitrante locatária mostrou-se firme e terminantemente decidiu não abandonar o imóvel, vindo a fazê-lo apenas em Fevereiro de 1999, após ter sido forçada. O que significa, finalmente, que a ocupação do imóvel se  prolongou durante 12 (doze) meses, pelos quais deveria ter sido pago o equivalente a USD 60.000.00 (sessenta mil dólares norte americanos), tendo sido já paga a quantia de USD 11.000.00 (onze mil dólares norte americanos), a dívida não liquidada perfaz um total equivalente a USD 49.000.00 (quarenta e nove mil dólares norte americanos), abdicando Filomena Nimi dos juros.

 

E é neste ponto crucial do desenvolvimento do presente diferendo, que se intromete a queixa da dona Nimi, que requereu e fez seguir contra Maria da Imaculada Lourenço da Conceição Melo e o Colégio Imaculado Coração de Maria uma acção DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, sob a forma Comum, com processo ordinário, pedindo a condenação dos réus no pagamento solidário da quantia equivalente a USD 49.000.00 (quarenta e nove mil dólares norte americanos) resultante da falta de pagamento das rendas vencidas, USD 6.000.00 (seis mil dólares norte americanos) a título de indemnização pelos danos materiais causados aos bens integrantes ao imóvel (mencionados a fls. 16), USD 10.000.00 (dez mil dólares norte americanos) fixados como honorário de advogado, bem como no das despesas de todo o processo e demais encargos legais.» 

 

Os argumentos de Mila Melo


Os réus (Maria da Imaculada Lourenço da Conceição Melo e o Colégio Imaculado Coração de Jesus), poucos, para não dizer nenhuns argumentos tinham a fazer valer. Mila Melo, portanto, teve que se servir do seu “savoir faire”, do seu traquejo e sabedoria nestas lides de tribunal, para tentar reverter a situação em seu favor.

 

Depois de ter abandonado o imóvel em Fevereiro de 1999, após ter sido despejada pela proprietária, dona Mila Melo apresentou uma proposta de redução das rendas à proprietária e ao seu procurador, mas estes não cederam e a sua ideia para reduzir o conflito não foi aceite. Vendo-se assim em maus lençóis, a advogada recorreu então a um estratagema de profissional, intentou contra a proprietária do imóvel uma acção de cobrança de honorários, que, de resto, corre actualmente os seus termos na 3ª Secção da Sala do Cível e Administrativo de Luanda.

 

A intenção era quebrar o andamento normal do julgamento e reportar a data da sentença a uma data ulterior. Mas, uma vez mais, a sua inteligente manobra não surtiu o efeito desejado, porque a juíza da causa absolveu a acusada, neste caso a acusadora de origem, quer dizer, a dona Filomena Nimi, proprietária do imóvel.


Por esta razão, Mila Melo evocou ainda erro na forma do processo, alegando não ser própria a acção, em se tratando da falta de pagamento de rendas, deveria ser movida uma acção de despejo.

 

Ademais, evoca ter celebrado um contrato-promessa, que deveria levar a um outro de arrendamento comercial, não efectivado, face ao clima de tensão que levou ao despejo do imóvel do Colégio Imaculado Coração de Maria.


Por estes factos, Mila Melo e o Colégio Imaculado Coração de Maria, aludiram excepção de prescrição do direito de agir, uma vez ter, por altura dos factos em juízo, decorrido dois (2) anos, estabelecido por lei, para se exigir pagamento de crédito. A par de impugnar outros factos, como de o despejo do Colégio lhe ter causado prejuízos largamente superiores ao reclamado pela autora Filomena Nimi. Pedindo, por via disso, a condenação desta ao pagamento de USD 37.000.00 (trinta e sete mil dólares) pelo despejo e o pagamento de honorários advocatícios em dívida. E não se contendo, dona Mila chega mesmo a dizer ter tido prejuízos globais avaliados em USD 87.000.00 (oitenta e sete mil dólares), pedindo por isso a condenação da autora (Filomena Nimi) por litigância de má fé.

 

Diante do rolo acusatório das partes, estas chegaram a prescindir da conciliação judicial, levando a juíza da causa a responder a algumas pertinências, como a de o pedido reconvencional assentar no despacho-saneador, constante no articulado 510º, nº 1 do Código de Processo Civil, tal ainda como a negação de acolação aos autos do processo 788/99-C, cujos trâmites correm na 3ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, por falecimento de razões objectivas.
 
 
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
 
 
Mila Melo ao alegar erro processual, por a autora não ter intentado uma acção de despejo, contornou os fundamentos do art. 971º do Código de Processo Civil, que considera a acção de despejo como “o meio idóneo para fazer cessar imediatamente o arrendamento por qualquer fundamento que dê ao senhorio o direito de pedir a resolução do contrato”, sendo imperioso a existência de um contrato de arrendamento, com todas as suas obrigações aí inerentes.

 

No entanto Filomena Nimi, não pretendia cessar o arrendamento, por falta de pagamento, uma vez na altura da acção judicial ter em sua posse o seu imóvel fazia mais de 4 anos, mas apenas o ressarcimento das rendas vencidas, fruto do contrato celebrado entre as partes, da qual a locatária havia dado uma entrada de USD 11.000,00 (onze mil dólares). Assim sendo a excepção não pode proceder, logo tem legitimidade a acção interposta por Filomena Nimi.


Quanto à prescrição (terem decorrido 2 anos), também não parece colher, por este ser "o instituto por virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercício de um direito, quando este não seja exercitado durante o tempo fixado na lei”, ou ainda verificar-se "quando alguém se pode opor ao exercício de um direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado na lei”.

 

Ora, aqui chegados é mister aferir, ser necessário para que  haja prescrição, o seguinte: a) ser um direito não indisponível; b) que possa ser exercido; c) mas que o não seja durante certo lapso de tempo estabelecido na lei; d) e que não esteja isento de prescrição.
Atendendo o Código Civil, art. 390º o prazo ordinário da prescrição é de vinte (20) anos, excepto se a lei fixar prazo mais curto do que o ordinário, nesse caso fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo, segundo o 311º, nº 1 do CC e quando limada pelo art.º 317º, al. a), verificamos outros créditos, como os de estabelecimentos de ensino e educação, que não o alavancado na "inicial" de Mila Melo.

 

E no tocante à reconversão, por ser " o pedido autónomo do réu formulado contra o autor. Este pedido tem que ser autónomo, no sentido de ser diferente do pedido normal de absolvição”, e se assim for a sua admissão produz-se à luz dos articulados nos 274º, 467º e 501º do Código de Processo Civil, desde que esteja enfocado na mesma causa de pedir e navegue na mesma relação jurídica invocada pela queixosa.


O inverso não colhe, ao não visar uma compensação ou o pagamento de eventuais despesas relativas ao imóvel em litígio, objectivando o mesmo efeito jurídico da autora. E por não ser assim, melhor, ter sido, a pretensão contrária a causa de pedir, pode o juiz da causa rejeitar a pretensão, com base  no art.º 274º, nº 2 e nº 3, conjugado com o artigo 98º do CPC.

 

Por esta razão, os fundamentos de direito, suportados pelos argumentos das partes e da consistência material das provas a juíza da causa, fez baixar, "em nome do povo" o seu martelo.
                        

A DECISÃO

Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência, decido:


– Condenar solidariamente os réus no pagamento da quantia equivalente a USD 49.000.00 (quarenta e nove mil dólares norte americanos) resultante da falta de pagamento das rendas vencidas, acrescida de juros de 75% ao ano sobre o valor da dívida até a data do cumprimento integral da obrigação ;


– Condenar os réus no pagamento da quantia equivalente a  USD 6.000.00 (seis mil dólares norte americanos) a título de indemnização pelos danos materiais causados aos bens integrantes ao imóvel (mencionados a fls. 16);


– Condenar os réus no pagamento da quantia equivalente a USD 10.000.00 (dez mil dólares norte americanos) fixados como honorário de advogado;


– bem como no pagamento das Custas do processo e demais despesas legais, em partes iguais – artigo 446º do Código de Processo Civil.
              
Registe e notifique


      Luanda, 13 de Julho de 2009.

                                              A Juíza de Direito,
                                            Paula  Rangel Cabral