Luanda - Apesar das sucessivas derrotas eleitorais, a UNITA nunca parou para assumir os seus próprios erros, preferindo sempre responsabilizar o MPLA por alegada fraude, uso de tecnologia ou até o registo de estrangeiros como eleitores.

Fonte: JA

O excesso de referências ao MPLA na narrativa política é, por um lado, uma permanente propaganda ao partido no poder, mas é também, por outro lado, um sintoma de uma certa obsessão que certo dirigente da UNITA tem com o MPLA.

 

O maior partido da oposição não consegue evitar uma tendência para falar mais do que o MPLA faz ou deixa de fazer do que do seu próprio programa político. Nos comícios, nas suas abordagens públicas e por toda a sua estratégia, a UNITA mostra-se sempre muito mais preocupada a evidenciar um discurso do contra, em atacar o MPLA ou em tentar criar dificuldades ao MPLA do que em promover as suas próprias ideias e propostas políticas. O voto de rejeição que a UNITA consegue mobilizar é em si temporário e volátil. Depende do MPLA ser capaz de satisfazer os descontentes ou da dimensão do "castigo” que se pretende aplicar. O resultado das últimas eleições demonstra que a insistência na denúncia e até na diabolização do MPLA não garante votos suficientes para uma vitória da UNITA. Dito de outro modo, a UNITA não tem conseguido fidelizar o voto de rejeição ao MPLA. O que também quer dizer que o projecto alternativo da UNITA não tem sido suficientemente forte e atractivo para conseguir essa mudança. Aliás, nas últimas eleições, a abstenção e a CASA-CE tiveram um papel mais "desequilibrado” dos resultados enquanto destino do voto útil e do voto de rejeição.

 

Se a UNITA não estivesse tão preocupada em responsabilizar o MPLA pelos seus insucessos eleitorais, já teria feito uma grande reflexão sobre os principais erros que tem cometido e nisso chegaria, certamente, à conclusão que há excesso de referências ao MPLA na sua narrativa política. Se a UNITA estiver mais preocupada com o país do que com o que o MPLA faz ou deixa de fazer; se a UNITA procurar ser uma oposição mais positiva em prol da melhoria de vida dos angolanos do que em arranjar artifícios políticos para contrariar o MPLA, talvez venha a ter mais hipóteses de ganhar eleições do que até agora.

 

Ao contrário do que diz, o processo de destituição de João Lourenço não tem por finalidade mudar rigorosamente nada na vida dos angolanos nem na vida política. É somente mais uma tentativa da UNITA de fomentar a intriga palaciana no MPLA, criando a ideia da eventualidade de uma cisão interna que, sejamos francos, não está eminente nem é expectável. O pensamento da UNITA (90 deputados) funda-se na probabilidade de deputados do MPLA (124) votarem a favor da destituição. Um terço dos deputados da Assembleia Nacional é pouco mais de 70 deputados, o que pode ser atendido pela UNITA e por isso pode, como diz que vai fazer, desencadear a iniciativa de destituição.

 

Uma coisa é desencadear e outra é conseguir que haja uma deliberação da Assembleia Nacional, que, isso sim, é que dá formalmente início ao processo. Sobre o processo de destituição, a Constituição estabelece que "A deliberação é aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, devendo, após isso, ser enviada a respectiva comunicação ou petição de procedimento ao Tribunal Supremo ou ao Tribunal Constitucional, conforme o caso”.

 

Para que haja uma deliberação da Assembleia Nacional é necessário o voto favorável de dois terços dos deputados (146 votos), o que requer o apoio dos 6 outros partidos da oposição e mais 50 deputados do MPLA. Essa é a aposta da UNITA para a desestabilização interna do MPLA.

 

Se do ponto de vista político é uma jogada perfeitamente aceitável, no quadro da "real Politik”, no plano concreto, é mais uma acção política sem qualquer consequência para a vida dos cidadãos e que se destina apenas a alimentar as "tricas” políticas, numa altura em que precisamos de buscar soluções para a alteração da dependência do petróleo.

 

Mesmo que por algum milagre seja possível obter os votos para desencadear o processo (o que é uma hipótese meramente académica e teórica), o MPLA continuaria no poder. De acordo com a CRA, "em caso de vacatura do cargo de Presidente da República eleito, as funções são assumidas pelo Vice-Presidente, o qual cumpre o mandato até ao fim, com a plenitude dos poderes”. Assim sendo, haveria apenas a substituição de João Lourenço pela segunda pessoa da lista, que é a actual Vice-Presidente Esperança da Costa. O número de deputados, a correlação de forças no Parlamento, em suma, de uma ou de outra forma, o MPLA vai manter-se no poder até 2027.

 

Mesmo que politicamente seja uma jogada publicitária aceitável, legal e de grande impacto, em termos democráticos essa iniciativa abre no eleitor a ideia de o mandato eleitoral ser corrigido por expedientes político-administrativos. Em vez de fazer uma reflexão profunda sobre os erros que a impedem de chegar ao poder, a UNITA prefere expedientes divisionistas no adversário, criando a falsa ideia de que podem chegar ao poder, que podem mudar o curso das coisas e que isso é feito em defesa do povo angolano.

 

Trata-se apenas de mais um ataque a João Lourenço na lógica da estratégia da fulanização da vida política, baseada na desconsideração pessoal e no insulto dos líderes adversários. José Eduardo dos Santos, que a propaganda da UNITA apelidava de ditador e estrangeiro, era visto como o causador de todos os males do país. Saído do poder, passou a ser elogiado e até visto como aliado. João Lourenço é agora o novo "mau da fita”.

 

O país precisa, neste momento, de uma oposição competente que contribui para melhores propostas de governação e para a solução do problema económico que vivemos; que seja capaz de apresentar caminhos diferentes dos actuais para garantir maior eficiência do sector público, mais créditos para o sector privado e possibilitar o constante crescimento nacional. JA