Luanda - No dia 16 de agosto de 2023, no HCTA, no Bairro de Talatona, em Luanda, o Grupo Parlamentar da UNITA, realizou o primeiro Acto legal e processual da DESTITUIÇÃO do Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, nos termos do Artigo 129º da Constituição da República de Angola.

Fonte: Club-k.net


A cerimonia de subscrição pelos Deputados do Grupo Parlamentar da UNITA ocorreu num ambiente formal e solene, conduzida por uma equipa de profissionais de alto nível nos domínios das relações públicas, do protocolo, da diplomacia e do jornalismo. No fundo, este exercício, da tramitação legal e processual do Impeachment, que iniciou com a subscrição formal pelos Deputados, acima de tudo, foi um Acto de educação política, da tomada de consciência jurídica, da afirmação da constitucionalidade e da defesa da ordem democrática.


Nisso, basta fazer a leitura dos conteúdos profundos dos discursos dos líderes da FPU (Adalberto Costa Juníor, Abel Epalanga Chivukuvuku e Filomeno Vieira Lopes) será mais fácil perceber o espirito e a letra do processo da destituição. Pois, este processo legal não é do carácter pessoal, contra a pessoa que exerce o cargo em referência, mas sim, é uma expressão profunda do Estado, assente na Constituição, como instrumento de freio e de defesa contra a ilegalidade e arbitrariedade.


A verdade é de que, a história é a obra humana que é o repositório do património da humanidade. Todavia, a essência da história não reside somente na sua qualidade de corresponder efectivamente aos desafios do presente, mas sobretudo, do seu alcance no futuro, como referência, como escola e como farol. A exemplo das histórias antigas do Egito e de Roma, cujos alcances são imensuráveis e infinitos. Em função disso, a história torna-se uma história real se os “Homens” tiverem faculdades a altura de protagonizar os factos da história e assumir integralmente a sua história.


Neste contexto, o processo da destituição é um assunto que tem merecido um debate aceso e contraditório a todos os níveis. Contudo, num Estado de Direito e Democrático, no qual a matéria em causa esteja consagrada na Constituição, e esteja legislada devidamente, não tem razão de ser a existência do ambiente turbulento que se verifica nalguns círculos do poder.


Na realidade, este quadro acima referido, constitui um sinal evidente de que, as nossas leis não são feitas para ser praticadas. Mas sim, estão lá postas nos papeis apenas para ludibriar a opinião pública internacional. Já que, os cidadãos africanos, os mais humildes, que são a maioria esmagadora, são inocentes da cultura democrática e jurídica. Por isso, têm dificuldades enormes de perceber os contornos da Constituição e das leis, em termos de conceitos, funcionalidade e aplicabilidade.


O mais grave ainda é de que, as elites intelectuais africanas, como directores de opinião, para além do espirito materialista, poucas têm a integridade intelectual, a devoção ao bem comum e o espirito patriótico. Por isso, deturpam os conceitos, invertem a doutrina e se rendem à subserviência e ao tráfico de influências.


Logo, é ali onde estará a «virtude» do Preceito da Destituição do Poder Executivo. Porque esta norma constitucional serve de instrumento da afirmação da constitucionalidade e da boa governação. Ela permite aos cidadãos, através do Poder Legislativo, alterar o status quo. Infelizmente, quando esta ferramenta legal e jurídica não existir na prática, haverá sempre os riscos de instabilidades socioeconómicas nos Países Africanos. Por natureza, isso tem o potencial de conduzir-se aos Golpes Militares ou aos Golpes Constitucionais. Este fenómeno anticonstitucional está agora em voga no Sahel, com tendência de alastrar-se pela toda região da Africa Sub-Sariana.


Na minha óptica, o princípio da destituição, além de despertar a consciência da cidadania, que está plasmada na Constituição, ela serve de mecanismo de freio, que limita a arbitrariedade e a prepotência. Ela ajuda cultivar a cultura jurídica e estabelecer a prudência, o realismo e a objetividade na feitura das leis e no exercício dos poderes executivos, legislativos e judiciários. Esta norma constitucional fortalece o princípio da separação dos poderes e da interdependência dos órgãos de soberania do Estado. Acima disso, ela limita o ângulo dos Golpes Constitucionais que ocorrem em todos os anos eleitorais, em que a Constituição e o Sistema Eleitoral são alterados de acordo com o «esquema fraudulento» que estiver no lugar.


Pelo contrário, quando olhamos às democracias ocidentais veremos que elas gozam de plena estabilidade, e as mudanças de governos são feitas dentro dos marcos da Constituição e da Lei. Pois, há estabilidade constitucional que permite a previsibilidade, a transparência, a consistência e a completude normativa. Dito de outra forma, há a força normativa da Constituição em termos da supremacia, da valorização, da eficácia e da obediência escrupulosa. A título de exemplo, os governantes ocidentais quando estiverem em falta eles tomam iniciativas de se demitirem. Caso contrário, são retirados do Poder por via de «voto de confiança» ou através da «destituição» – como último recurso.


Na verdade, os Golpes Constitucionais e os Golpes Militares são sinónimos da fragilidade das democracias africanas. Pois, as democracias africanas revelam um grau elevado de incapacidade de respeitar as normas legais e jurídicas, consagradas nas suas Constituições e no Direito Internacional, aos quais, os Estados Africanos são subscritores e são membros efectivos das Nações Unidas e das outras Organizações Multilaterais.


Em suma, em 2010 quando ocorreu o primeiro Golpe Constitucional em Angola, no qual o artigo 129º está plasmada nesta mesma Constituição, muita gente sabia de antemão de que esta norma, tal igual como as outras, não foram feitas para ser concretizadas. Pelo contrário, elas visavam essencialmente para distrair a opinião pública da comunidade internacional. Dando a impressão de que, Angola estivesse a caminhar seguramente para uma democracia efectiva e real, assente numa plataforma segura e sólida de três poderes soberanos, iguais, separados e interdependentes.


Infelizmente, pelos vistos, parece-nos que estamos perante uma legislação feita para inglês ver, como a Lei do Feijó, do Império do Brasil, promulgada no dia 07 de novembro de 1831, que visava abolir o tráfico de escravos negros. Acontece que, a Lei Feijó, como as outras leis que seguiram, até a aprovação da Lei Áurea, em 1888, não foram concretizadas e postas em práticas. Na altura, as leis abolicionistas foram feitas somente para agradar o Império Britânico que exigia a abolição definitiva do tráfico de escravos negros. Naquela época, a aristocracia brasileira lucrava imensamente com o tráfico negreiro. Por isso, não havia nenhuma vontade política no Brasil e em Portugal de abolir a escravatura.


Por analogia, isso significa que, o facto de uma norma estar plasmada na Constituição não quer dizer que ela é já efectiva enquanto ela não for invocada e concretizada na prática. Por outro lado, tal igual como era no tempo da escravatura no Brasil, o regime autocrático protege a corrupção e o enriquecimento rápido e ilícito da classe governante.


Portanto, o processo da «destituição» em curso, que iniciou com a subscrição pelos Deputados do Grupo Parlamentar da UNITA, no dia 16 de agosto de 2023, visa essencialmente assegurar que, as normas constitucionais são para ser concretizadas e cumpridas na integra. Além disso, convém saber que, o poder político deve derivar do povo e deve ser exercido nos restritos limites da Constituição, em prol do povo, e nunca em detrimento do povo.


Com efeito, todos os Órgãos do Estado e todas as Instituições Públicas devem primar pela Constituição e exercer as suas funções e atribuições dentro dos limites estabelecidos pela Constituição e a Lei. É preciso reiterar o facto de que, o que está consagrada na Constituição é para ser cumprida e não servir de mera ornamentação, para inglês ver, como a Lei Feijó.


É neste espirito em que está inserido o «processo da destituição», ora em tramitação legal e processual. É uma caminhada sinuosa que já está em movimento, rumo à Assembleia Nacional.


Luanda, 21 de agosto de 2023.