Luanda - Informações verificadas pelo Club-K junto de fontes ligadas a círculos na oposição indicam que há observadores atentos ao desenrolar de alguns processos que correm nos Tribunais angolanos, por conta das reiteradas denúncias na imprensa e não só de interferências do poder político nas decisões da justiça. O objectivo, segundo consta, é a compilação de elementos que possam engrossar a lista das violações à Constituição por parte de João Lourenço, no sentido de continuarem a ser desencadeados eventuais processos de acusação e destituição.

*Carlos Alves
Fonte: Club-k.net

Invariavelmente atribuídas a ordens do Presidente da República, as interferências na justiça nos governos de João Lourenço passaram a ser mais visíveis com o surgimento dos grandes casos mediáticos, em que são arroladas particularmente altas figuras próximas ao malogrado Presidente José Eduardo dos Santos.


João Lourenço é visto como sendo o responsável pessoal das ordens directas que têm levado a justiça, por exemplo, a proteger algumas figuras como  entre muitos outros governantes, ex-governantes e responsáveis de instituições e empresas públicas.


Por outro lado, atribuem-se a ele também as instruções directas para as decisões que correram e correm nos tribunais contra figuras como a do antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, ou contra o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, e José Filomeno dos Santos “Zenu”, filho do antigo Presidente.
Valter Filipe e “Zenu” dos Santos, por exemplo, aguardam a decisão do Tribunal Constitucional, aonde recorreram depois da condenação do Tribunal Supremo, num processo marcado por inúmeras violações à Constituição, incluindo a retenção ilegal dos passaportes dos réus, depois de o próprio Tribunal ter levantado as medidas de coação em 2019. Pelo que consta, apenas uma ordem superior do palácio levaria o Tribunal Supremo a violar o próprio acórdão, impedindo, por exemplo, que na fase de agonia de José Eduardo dos Santos o seu filho se juntasse a ele em Espanha.


Ao que o Club-K apurou, este caso específico está finalizado e em vias de ser decidido a favor dos réus, considerando as várias inconstitucionalidades identificadas pela maioria dos juízes do Tribunal Constitucional que avaliaram o recurso.


Entretanto, interferências políticas estarão a tentar reverter a decisão dos juízes. Segundo apurado, o Tribunal Constitucional está a ser pressionado para manter a condenação dos réus, de modo a manter-se a farsa do processo. “As ordens superiores ao Tribunal Constitucional estabelecem que se mantenha a condenação e que os réus não entrem na cadeia, uma vez que se encontram praticamente em prisão domiciliar desde 2018, ou seja, há mais de cinco anos. E também pelo facto de ter sido aprovada no ano passado uma Lei da Amnistia que deixou cair alguns crimes. Desta forma, João Lourenço não perde a face”, explica uma fonte próxima ao TC que lembra a existência, a nível do próprio Constitucional, de jurisprudência que considera o impedimento ilegal de ir e vir, imposto a qualquer cidadão, como prisão domiciliar.


Alguns círculos no MPLA conotados ao antigo Presidente e não só, em várias ocasiões, já se manifestaram contra as ordens superiores que têm determinado o curso deste processo. João Lourenço referiu-se, em entrevistas e em pelo menos um discurso sobre o estado da Nação, ao caso 500 milhões, condenando publicamente os réus e condicionando, logo de início, a acção dos órgãos da justiça.


O desprezo a que foi relegado José Eduardo dos Santos, a quem foi recusada a possibilidade de participar no processo como declarante, mesmo depois de ter escrito a várias instâncias do país, incluindo aos Tribunais Superiores, à Assembleia Nacional, aos Grupos Parlamentares e à PGR, é outro dos factos que mais magoaram vários membros do regime.


“Não é possível que ele João Lourenço não perceba que não pode continuar a governar e a interferir na justiça como se isso fosse a casa do pai dele”, comenta irritado um dirigente do MPLA que lembra o período que considera delicado que o país atravessa, destacando a crise política desencadeada pelo processo de destituição da Unita. “Faz sentido que a Unita esteja alegre com todos esses atropelos, porque só dão mais força à sua iniciativa. Ninguém tem dúvidas que estas ordens partem do Presidente. Veja que os juízes presidentes dos tribunais superiores, especialmente do Supremo e do Constitucional, estão todos os meses no Palácio a receber ordens como se fossem funcionários da Presidência da República, através de auxiliares, quando não directamente”, continua o alto dirigente do partido no poder. “Wanga wavutuka ny mulogy ny mukwá”, alerta o veterano dirigente do MPLA, em língua quimbundo, o que, em português significa que este é daqueles casos em “o feitiço pode virar contra o feiticeiro”, num cenário futuro.


Juristas como a juíza jubilada do Tribunal Constitucional Luzia Sebastião ou como o acadêmico António Ventura também já se manifestaram publicamente contra as graves violações à Constituição verificadas neste caso.


Entre muitas, uma destas gritantes violações foi o facto de o juiz presidente do TS, Joel Leonardo, ter votado duas vezes, no plenário, depois de um empate técnico de 4 a 4, situação ilegal na altura dos factos, conforme referido também nas declarações de votos vencidos.


A fonte do Tribunal Constitucional lembra, entretanto, que, ao ter orientado a condenação dos réus, João Lourenço dá um tiro no próprio pé, já que vai permitir a criação de jurisprudência para a sindicância de actos administrativos do Titular do Poder Executivo, protegidos pelos artigos 120 e 127 da Constituição.


A governação de João Lourenço tem sido marcada com inúmeras situações que poderão ser investigadas criminalmente após a sua saída do poder, com o precedente que se pretende abrir com o caso 500 milhões, que resultou de uma ordem legítima de José Eduardo dos Santos, enquanto TPE. Casos como as adjudicações directas denunciadas pela ministra das Finanças, Vera Daves, poderão entrar no pacote dos factos que poderão ser investigados, pelo precedente aberto com o caso que envolve Valter Filipe e “Zenu” dos Santos.


Mais recentemente, a Ordem dos Advogados de Angola remeteu um recurso extraordinário de inconstitucionalidade contra o Decreto Presidencial 140/23, de 21 de Junho, através do qual João Lourenço nomeou Carlos Cavuquila para Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo (TS). Na mesma linha, o activista Rafael Marques entregou à Procuradoria-Geral da República um pedido de anulação da nomeação do juiz conselheiro do Tribunal Supremo, Carlos Cuvuquila, alegando falta de idoneidade cívica e moral, já que o juiz é acusado de desvio de 1,5 biliões de kwanzas, com processo ainda em trâmite. O Tribunal Constitucional também não deu provimento à acção por alegadas ordens superiores.