Luanda - Nos longínquos anos de 1974, 1975, 1976 o irmão de Francisca Vandunen, Zé Vandunen (um dos co-lideres da insurgência militar do 27 de Maio de 1977) foi Chefe directo do nosso hoje Presidente da Republica João Lourenço.
Fonte: Club-k.net
À parte da relação funcional, entre eles se estabeleceu também uma grande amizade que em nada serviu para que estivessem em lados opostos quando decorreram os acontecimentos sangrentos do 27 de maio de 1977.
Por isso o Excelentíssimo Presidente João Lourenço conhece e se dá muito bem com a irmã do seu antigo Chefe, Francisca Vandunen que reside em Portugal.
Lemos com muita atenção a notícia apresentada em grandes parangonas pelo diário Nosso Jornal na sua edição de 22 de Setembro de 2023, dando conta que Francisca Vandunen fora recebida em audiência pelo Presidente da Republica, General João Lourenço, no passado 5 de Setembro.
Nos 22 dias seguintes nada se sussurrou sobre esse acontecimento, acontecendo tal, somente quando Francisca Vandunen já se encontrava a léguas de Luanda. Ao mesmo tempo e como normalmente ocorre na Mansão Cor de Rosa da cidade Alta, houve fuga de informação a partir de lá sobre o sucedido e deixa que um acontecimento que se pretendia escondido pelo Presidente da República e pela comunicação institucional local, fosse conhecido graças ao Novo Jornal que cita os pormenores do acontecido, a partir de fontes credíveis.
Mas aquilo foi um encontro privado entre velhos conhecidos ou uma audiência?
O assunto 27 de Maio é um assunto de Estado e de elevado interesse público, de muitas envolventes e com milhares envolvidos por pertencer a vasta e sensível abordagem sobre a reconciliação nacional decorrente das vítimas dos conflitos políticos.
Francisca Vandunen vem para Angola para efectuar acções de formação ligadas aos direitos humanos numa acção conjunta feita pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social e pela Academia do Banco BAI no início desse mês.
A coisa começa a parecer estranha, pois um Ministério como o do Trabalho, Administração Pública e Segurança Social não tem essa alçada estatutária, nem orgânica, para desenvolver uma acção que diz respeito e tem pergaminho de outro Ministério. O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.
É nesse período que Francisca Vandunen como se de mente mágica possuísse, consegue (conseguiu mesmo ou já estava planeada) a brecha para ser recebida pelo Excelentíssimo Presidente da República, para tratar de um assunto de interesse nacional e que não teve respaldo noticioso, o que num procedimento elementar de transparência deveria ser seguido, mesmo para se evitar más interpretações, precisamente quando assuntos que devem ser conhecidos e de interesse nacional ficam ocultos.
Parece que tudo feito de maneira que conseguisse tal intento, encaixado o momento da audiência/encontro com a agenda livre do Presidente da República. E conseguiu.Silva Mateus e outros líderes de Associações Cívicas ligadas ao 27 de Maio, residem em Angola e nunca conseguiram uma brecha como a de Francisca Vandunen para serem recebidos por sua Excelência o Presidente João Lourenço. Devem estar a morrer de inveja, passe-se o eufemismo.
E como Francisca Vandunen já se foi embora para Portugal, nós as vitimas dos conflitos, não tivemos a oportunidade de fazer ver à Francisca Vandunen caso se soubesse do acontecimento na hora, que não é ela a única parte interessada nos assuntos do 27 de Maio e que merece ser exclusivamente recebida pelo Presidente da República para falar de ossadas de seu interesse.
Os pais, filhos e cônjuges das vítimas ainda vivos estão também interessados em falar com o Presidente da República não de algumas ossadas, mas do processo de reinserção social das vítimas dos conflitos políticos e especialmente da cura mental dos traumas que os acompanha há mais de 48 anos e da procura de acções para a amenização dos espíritos e a consagração da paz entre todos nós.
Segundo dados das Nações Unidas, por causa dos conflitos políticos morreram em Angola 800 mil pessoas. São 800 mil. Dessas, menos de 50 mil foram enterradas em cemitérios e devidamente identificados. Os 750 mil restantes encontram-se desaparecidos. São mortos provocados pelo e no seio do MPLA, UNITA, FNLA, etc, que vitimaram 800 mil pessoas, e 750 mil corpos de Angolanos por se localizar.
É uma árdua e enorme tarefa o processo de localização e de identificação de 750 mil mortos. É irrealista essa acção, reconhecida somente pelo simbolismo que ela merece no sentido de por via da sua procura, localização e identificação se possa os casos possíveis, de constituir uma maneira que pela sua recordação propiciará a lembrança de que, tais acontecimentos nunca mais voltarão a acontecer. Só por isso.
O que está em causa é a reconciliação nacional, juntando-se os desavindos e as vitimas num fã abraço de reconciliação e de harmonia para sempre, sem claro nunca se descurar a história e o estudo desses fenómenos políticos que se traduziram em conflitos humanos sangrentos, para que das ilações e lições apuradas sirvam para que nunca mais aconteça. Não para apurar responsabilidade ou para se discutir sobre ossadas falsas.
O pedido de desculpas deve ser um acto para ser atendido e entendido como sincero, feito de uma forma colectiva num cerimonial próprio, com todos os representantes dos envolvidos e não só, presentes e subscreverem um documento para o efeito. Nós os pais, filhos, familiares e amigos das vítimas acreditaremos na reconciliação dessa maneira. A reconciliação de discursos não cola, pelo contrário.
O processo de reconciliação nacional não é para ser discutido em encontros privados, fechados e ainda por cima escondidos. Pela diversidade dos actores e dos diferentes factores que lhe deram lugar e as profundas feridas provocadas na mente das vítimas directas, indirectas e mesmo de toda a sociedade, no nosso caso concreto, as abordagens sobre a reconciliação nacional devem ser feitas de maneira em primeiro lugar a curar as feridas existentes em todos nós. È nessa atenção e direcção que temos que nos concentrar. O que fazer para reconciliar, harmonizar amenizar e curar as feridas?
Feridas essas que devem ser saradas com gestos de demonstração inequívocos de arrependimento e ao mesmo tempo de aceitação reiterada do perdão.
Não é vir uma vez vir pedir desculpas públicas e mais nada, como se isso demonstrasse arrependimento ou consequente e imediatamente provocasse o aceitar das mesmas. Ou vir pedir desculpas sob pressão dos acontecimentos. Um ilustre conhecido nosso disse que para perdoar é necessário fazê-lo 70 vezes 7, o que o mesmo vale dizer e por analogia, que se deve pedir perdão com o mesmo número de vezes.
Não é com o acender de mais problemas, como levar o caso para as ONU que nos vamos reconciliar. Isso é inequivocamente não pretender seguir os ditames da reconciliação à moda e cultura africana, entre e somente entre nós.
Voltando ao assunto bomba, de que o Excelentíssimo Presidente da República ter recebido em audiência a senhora Francisca Vandunen para abordar o assunto das ossadas falsas, fica patente a deselegância técnica e cívica, quando um namoro à dois é denunciado em público quando a parte denunciadora não intentou primeiramente na outra parte, os argumentos de razão que dispunha para denunciar o namoro existente. E foi isso que aconteceu naquela conferência de imprensa realizada em Lisboa em 22 de Março de 2022 sobre as ossadas falsas.
Realmente por mais razões que Francisca Vandunem e outros tivessem, a exposição pública do assunto das ossadas falsas foi um indecoro. Até aquela altura as desavenças ou desacordos eram dirimidos nos espaços próprios de representação ou de intervenção a que estava inserida a Plataforma 27 de Maio que Francisca Vandunen representa nos marcos da CIVICOP.
Apanhou todo o mundo de surpresa aquela declaração das ossadas falsas, quando se esperava para o encontro entre as partes para a abertura do envelope lacrado, conforme se estabelecera como procedimento e combinado 8 meses antes em Luanda.
E mais! O momento escolhido ocorreu quando se aproximava a celebração da data dos acontecimentos do 27 de Maio que desde 1977 tira o sono a todos quantos se lembram e viveram esses acontecimentos. São cerca de 6 meses aterradores para as vítimas dos acontecimentos, para o MPLA e ao oposto, muito benéfico para os aproveitadores e oportunistas da situação. Nunca falha.
Depois disso a Plataforma 27 de Maio nunca mais compareceu às reuniões da CIVICOP. Abandonou a CIVICOP e surge agora a ser recebida pelo Excelentíssimo Sr. Presidente da República, atirando com essa recepção para as urtigas, toda a competência e diligência funcional que essa comissão tem procurado realizar nessa espinhosa tarefa de conduzir o processo de reconciliação e de harmonização nacional.
A CIVICOP se manteve muito calma e serena face aquela demonstração de indecoro e de provocação e não respondeu como era legitimo fazer. Isso preocupou Francisca Vandunen. O silêncio e falta de reação da CIVICOP às suas atordoadas fora do local próprio e habitual.
1 ano e 5 meses depois Francisca Vandunen aproveitando-se de cumplicidade interna na Mansão Cor de Rosa, consegue o encontro com o Presidente da República e contorna a CIVICOP. O Presidente da República ouve-a, deve ter se apercebido do passo em falso que estava a dar e manda-lhe outra vez contactar ao Coordenador da CIVICOP, o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos. È aí (voltou ao lugar onde nunca deveria ter saído) que segundo o Novo Jornal ela fica desapontada e ameaça recorrer à ONU. BEM FEITO! Aúúúúúú!
Onde foram encontradas as ossadas, Francisca Vandunen não esteve presente no acto de execução e nem sabe como e quem estava lá. Essa cegueira de querer responsabilidades a impede de se aproximar de outros que sabem que a responsabilidade de todo o mal que aconteceu também abarca ao seu falecido irmão Zé Vandunen.
Os locais onde foram encontradas as ossadas e ainda se localizam por elas, só foram conhecidos com o contributo corajoso de antigos servidores do Estado em violação aos compromissos assumidos e jurados de nunca revelarem esses dados.
Digamos uma atitude corajosa e demonstrativa de engajamento sério nesse processo realizado a contragosto, mas em obediência à Lei e sob pena de represálias, se viram obrigados a testemunhar com acto ou com observação esses macabros acontecimentos que ensanguentaram a nação.
Ainda por cima de aparecerem pessoas de boa fé, posicionadas de como teriam feito caso fossem eles as vitimas dos conflitos políticos, com sacrifício, com um elevado exercício de memória mostram os lugares que conhecem, para assim procurar dar aos sobrevivos o derradeiro momento de se despedirem de seus entes desaparecidos há dezena de anos, vêm pessoas que não enaltecem esse esforço, esse engajamento sério, levados somente e ainda pelo ódio e rancor, num momento que se procura precisamente o contrário?
Se está ou não a procura da reconciliação nacional profunda e permanente com encontros escondidos e para falar de assuntos de importância menor?
Um encontro nacional para se discutir as modalidades para a reconciliação nacional com os representantes das vítimas dos conflitos, dos órgãos envolvidos, da sociedade civil especializada, da academia nacional especializada, das igrejas e das autoridades tradicionais, PRECISA-SE E COM URGÊNCIA.
A adopção dos princípios da Política de Justiça Transicional da União Africana, constituem uma referência obrigatória a seguir para o alcance duma paz duradoira nos países que tiveram conflitos sangrentos interno.
Num país assaltado por uma grande crise económica, social e de valores abrandar ou deixar para segundo plano a reconciliação nacional decorrente de um conflito de mais de 28 anos e somente com 20 anos de paz e com mais de 800 mil mortos, se constituirá num perigo á vista para o reacender de novos conflitos sangrentos.
A reconciliação é um processo individual com terapia colectiva e começa no seio onde decorreu o conflito político. O Excelentíssimo Presidente da República pediu que cada um fizesse a sua parte.
Esses antigos Servidores do Estado estão a fazer a sua parte mostrando os lugares das execuções e com isso animados com a singelo espírito de reconciliação. Os Servidores antigos da UNITA também já estão a fazer. Os Servidores de outros Partidos que também tiveram conflitos políticos deveriam seguir o exemplo. Todos os quantos sabem e podem ajudar devem seguir o exemplo.
E os grandes conglomerados políticos que estão por detrás dessas sangrentas acontecimentos o que estão a fazer?
Nenhum fez de facto a sua parte. Nenhum e nada! Quando é que o MPLA internamente se vai reconciliar perante os conflitos políticos que teve? Quando a UNITA vai fazer o mesmo? Idem a FNLA, Idem todos os demais?
Nossos pais morreram, nossas mães morreram, somos órfãos cuidados por tios ou tias, não temos como viver condignamente, o estado até a bem pouco tempo nunca abordou essa doença mental, esse trauma que vivemos ao longo de muitos anos, o Presidente da República só falou uma única vez sobre perdão, esquecendo-se que para se ser aceite o perdão ele deve ser continuado, porque perdoar é possível, esquecer nunca.
Que pedido de perdão é feito somente uma vez? Um pedido de perdão deve ser reiterado para que a vítima sinta de facto o arrependimento da outra parte. Nunca numa única vez se acredita nesse pedido de perdão.
Obrigado
Por Eurico António