Luanda - Na senda do compromisso que assumimos em dar o nosso humilde contributo no elevar da literacia jurídica dos concidadãos, trouxemos, a pouco mais de uma semana, o tema em reflexão e julgamos ter respondido a uma parte da pergunta, no caso, a última (porque uns aguardam julgamento em casa – quando são denunciados ou suspeitos de praticar algum crime?). Vamos, desta vez, continuando a responder de trás para frente, fazer compreender, do porquê que outras pessoas, também denunciadas ou suspeitas de cometimento de crime ou crimes, enquanto o seu processo está a correr os devidos procedimentos junto dos órgãos de instrução e investigação criminal, aguardam julgamento na cadeia?
Fonte: Club-k.net
Nunca é demais sublinhar, que a nossa abordagem é direccionada a todos aqueles que, não têm o seu dia-a-dia “embrenhado” na prática jurídica, não são técnicos ou especialistas em algum ramo do direito, muito menos professores, académicos, investigadores ou doutrinadores da área penal ou processual penal. Queremos prestar esclarecimentos ao cidadão que não tem qualquer ligação com o “mundo” das ciências jurídicas mas que, é-lhes reservado o direito de também obterem conhecimentos básicos sobre os mais variados temas que possam ter alguma relevância social ou individual e, no caso concreto, insistimos na temática da literacia jurídica. Assim, este exercício intelectual que procuramos fazer tem como principal ferramenta, a linguagem clara, popular e de fácil compreensão para todos aqueles que honram-nos com a leitura deste tema, independentemente do seu grau de intelectualidade.
A pergunta colocada transporta-nos para a realidade da prisão preventiva. Conforme o próprio nome sugere, a prisão preventiva não é uma sanção penal, ou seja, não resulta de uma condenação, após a pessoa ser julgada por um tribunal criminal e condenada, se considerada culpada. Se assim for, o juiz aplica a pena de prisão. Simplesmente isso, prisão, que pode ir de 3 meses a 25 anos. Diferente, é a prisão preventiva, que é aplicada a uma pessoa, não após o julgamento pelo tribunal, mas ainda na fase em que o processo está a ser tramitado na Procuradoria junto do SIC (Geral, Provincial ou Municipal). Diferente da prisão que é uma pena aplicada por um juiz junto de um tribunal criminal (que no âmbito processual penal chamamos juiz titular de uma jurisdição penal), a prisão preventiva é determinada por um juiz de garantias, como já dissemos, enquanto o crime estiver a ser investigado, enquanto o processo estiver a ser instruído no órgão de investigação criminal.
Não vamos aqui falar sobre a figura do juiz de garantias, porque não é o foco deste tema. Se for o caso, explicaremos num outro momento sobre esta importante autoridade jurisdicional, que é uma realidade nova no nosso ordenamento jurídico. Devido a insuficiência de recursos humanos, bem como condições de trabalho, a realidade do juiz de garantias ainda não é um facto junto de todos os órgãos de instrução processual. Assim, aí onde não há um juiz de garantias, a lei permite que, o próprio Procurador, continue com a competência de aplicar prisão preventiva, o que sempre aconteceu antes da aprovação do novo Código de Processo Penal, que entrou em vigor em Novembro de 2020.
Quando uma pessoa é apresentada ao Procurador ou a um juiz de garantias, após ser interrogada e constituída arguida, deve ser colocada em liberdade, em regime de liberdade provisória (já explicamos na primeira parte deste tema), é a regra – aguarda em casa, até ser chamada no tribunal para julgamento, se tiver que ser. No entanto, o juiz de garantias ou o Procurador, podem entender que, esta pessoa não deve ir para casa, mas sim recolhida para um estabelecimento prisional (cadeia), onde fica em regime de prisão preventiva, durante algum tempo, enquanto o processo estiver em instrução. Mas, para que seja aplicada a prisão preventiva a alguém, deve-se obedecer a alguns pressupostos legais, ou seja, existe uma série de condições que a lei impõe, como requisitos da prisão preventiva, onde destacamos: Não pode haver simples suspeita de que a pessoa em causa é que praticou o crime – os indícios devem ser fortes; o crime praticado deve ser punível com uma pena superior a 3 anos; deve existir dolo por parte do agente do crime – vontade, intenção (por exemplo, dois jovens de motorizada, armados, interpelam a “Kinguila” e, além de receberem a carteira do dinheiro, ainda efectuam um disparo no ventre da senhora que, apesar de ser socorrida para o hospital, acaba por falecer dois dias depois. Os jovens meterem-se em fuga mas, no local foram filmados por uma câmara de segurança. Durante a investigação, os mesmos foram detidos três meses depois. Estes, ao serem apresentados ao Procurador, de certeza que vão permanecer em prisão preventiva. Outro exemplo, o vizinho de 25 anos de idade que, aproveitando-se da ausência dos donos da casa ao lado, introduz-se nela e, por meio de ameaças, leva a que a menina de 8 anos que lá estava, aceite a praticar relações sexuais consigo. Durante o acto, a mãe aparece repentinamente, autuando o violador em flagrante. Clama por socorro aos prantos, os vizinhos aparecem e já sob custódia, o criminoso é levado imediatamente para a esquadra da polícia mais próxima (o que é a atitude mais certa porquanto, se os vizinhos entenderem partir para a agressão física contra o violador, estariam estes também a incorrer em crime). Este sujeito apanhado a violar a menor de 8 anos de idade, de certeza que ficará em prisão preventiva.
A prisão preventiva tem como fim ou objectivo, evitar que, estando uma pessoa implicada no cometimento de um crime, possa praticar actos ou adoptar comportamentos que venham a comprometer a instrução do processo, comportamentos que venham a dificultar ou a pôr em causa o esclarecimento da verdade, havendo pois fortes evidências de que: a pessoa se coloque em fuga antes de ser julgada; a pessoa destrua provas ou dificulte a obtenção de provas; a pessoa continue a praticar outros crimes. Finalmente dizer que, por ser mesmo preventiva, esta prisão decretada antes de uma pessoa ser julgada, tem prazos, segundo a lei, que devem ser cumpridos. Dependendo das circunstâncias e de cada caso, a prisão preventiva vai entre quatro (4) meses, até ao limite máximo de vinte e quatro (24) meses - dois (2) anos, segundo a minuciosa interpretação que fazemos do artigo 283.o do Código de Processo Penal. Se até este período, o cidadão não for julgado e condenado com sentença final, este deve ser imediatamente colocado em liberdade, para que não se coloque o cidadão na situação de excesso de prisão preventiva, o que nos remeteria também para um acto de inconstitucionalidade, por violação do número 2 do artigo 36.o da lei fundamental, que proíbe a privação liberdade de qualquer pessoa fora dos casos previstos na Constituição e na lei.
Julgando termos atingido o nosso propósito, de esclarecer com a maior simplicidade possível, a razão de muitos concidadãos, não aguardarem julgamento em casa, diante da suspeita de terem cometido algum crime, como acontece com a maioria, na terceira e última parte desta abordagem, vamos responder a questão: Porquê que, muitas pessoas são julgadas no mesmo dia, ou no dia seguinte, depois de cometerem crime?
José Coelho da Cruz
-Docente Universitário/Advogado-