Luanda - Lembro-me tao-bem das cenas do passado durante o auge do Consulado do “arquiteto da paz,” José Eduardo dos Santos. Na altura, como é sabido, todos os dirigentes, militantes, membros, simpatizantes e amigos do MPLA andavam em maratonas alcoólicas e em campanhas sistemáticas de endeusamento do José Eduardo dos Santos. Tratando-o de Messias e de Salvador, enviado por Deus para reinar eternamente em Angola. Nesta óptica, recentemente escutei um Líder máximo de uma Igreja, de renome, na inauguração de uma Catedral na Cidade do Luena, afirmando que, Doutor António Agostinho Neto e Engenheiro José Eduardo dos Santos foram «escolhidos» por Deus para «governar» Angola.

Fonte: Club-k.net

Em função disso, de facto, Presidente José Eduardo dos Santos estava sido projetado como DEUS. A onda de veneração tinha atingida as Igrejas e as Autoridades Tradicionais, que eram assalariados da Cidade Alta. Como sabemos, promovia-se cultos ecuménicos, manifestações e passeatas, com placards grandes da imagem do JES. A Cultura de divinização do JES tinha-se atingido os níveis alarmantes em que as pessoas ficaram sem dignidade humana, comportando como simples «cães de filas», de arrasto, abanando as caudas, em obediência absoluta ao Chefe autoritário e corrupto. Naquela época, com a excepção de algumas individualidades, como Marcolino Moco, toda a elite da superstrutura do MPLA ficou totalmente submissa. Pois, ninguém tinha coragem de levantar o dedo contra este Monstro, José Eduardo dos Santos, Presidente do MPLA.


Quando os Partidos na Oposição levantavam criticas severas contra o Regime do JES, todo mundo ladrava em uníssono, chamando nomes feios, defendendo a figura do JES e do seu sistema político – como sendo uma «boa governação». O Grupo Parlamentar do MPLA servia apenas de instrumento poderoso de propaganda barata e de endeusamento do JES. O actual Presidente do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço, foi da ala radical e mais dura do MPLA, do circulo interno do poder, que defendia com unhas e dentes o JES – como Delfim.


Gostaria de sublinhar que, João Manuel Gonçalves Lourenço e Eu, fomos Colegas na Assembleia Nacional, como Vice-Presidentes do Parlamento, na fase mais crítica da Guerra Civil. Na mesma altura em que fiquei detido (13/01/1999) e preso durante dez (10) meses na Cadeia do Laboratório Central Criminalística de Luanda. A minha prisão (com outros quatro Deputados da UNITA) deveu-se ao facto de não se integrar na UNITA-RENOVADA, forjada por JES à margem das Negociações de Paz em Lusaka. O objectivo estratégico de forjar a UNITA-RENOVADA consistia em conspirar contra Jonas Malheiro Savimbi, implodir a UNITA, domesticá-la e fortalecer o Regime do Partido-Estado, que prevalece até aos dias de hoje.


Tristemente, há muita hipocrisia em Angola, de indivíduos egocêntricos, corruptos e perversos, que se alimentam da bajulação, da intriga, do revanchismo e do tráfico de influências. Eles são antipatriotas, opõem-se à cidadania, não fazem nada de bom em prol do povo angolano. Há muita gente falsas e cobardes que se opõem à abordagem do período entre 1975 e 2017. Procurando, deste modo, escamotear as coisas e fazer a lavagem de imagem, afastando-se do JES, imputando-lhe toda a responsabilidade daquilo que ocorreu mal no País.

Repare que, o JES esteve no poder (a bem ou a mal) durante 38 anos, isto é, 4 anos após a independência nacional, que foi proclamada no dia 11 de Novembro de 1975 pelo Doutor António Agostinho Neto. Vejamos que, este foi o período mais difícil, mais complicado e mais complexo da Guerra-Fria que buscava desenhar a Nova Ordem Mundial, após a Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945.


Importa sublinhar que, em 1975, Angola estava dividida em duas partes: Uma parte (UNITA) estava do lado do Bloco Ocidental, sob a Liderança dos Estados Unidos da América, defendendo a “ordem democrática” e a economia do mercado. E, a outra parte (MPLA), estava do lado do Bloco do Leste, sob a Chefia da União Soviética, defendendo o “sistema totalitário” e a economia centralizada e planificada. Esta realidade inequívoca é que tem estado na base do «nervosismo exacerbado» que se verifica nalguns sectores quando se pretende escrutinar este período histórico. Durante o qual, Engenheiro José Eduardo dos Santos e Doutor Jonas Malheiro Savimbi foram os protagonistas (main players) das ambas partes, que desempenharam o «papel decisivo» na afirmação da Nova Ordem Mundial.


Logo, isso torna-se fácil perceber o fundo da questão, que assenta, por um lado, na não aceitação dos factos históricos, que jogam a favor da UNITA, neste contexto geopolítico, que determinou a Nova Ordem Mundial, em vigor. E por outro lado, na pretensão de apagar a figura do JES no seio do MPLA e na História de Angola, em busca de grandeza e do protagonismo por parte do actual líder do Partido do Poder. Fazendo as manobras de diversão, distanciando-se do seu mentor (JES), como forma de lavar as mãos. Todavia, se estudarmos bem o histórico do MPLA, veremos que, tem sido a Cultura Política deste Partido de «adulterar» a sua História, incriminar os seus Dirigentes e apagar os seus Perfis.


Infelizmente, uma Nação responsável e patriótica não pode apagar a sua História, por mais negativa que ela seja. Pois, a História das Nações do Mundo é feita por epopeias e por odisseias. Não existe um Mundo perfeito, um Paraíso, onde reina os Anjos e os Santos, em plena harmonia. O próprio Jesus Cristo foi julgado e cruxificado, bem como os seus doze Apóstolos que foram igualmente perseguidos e assassinados brutalmente.


Isso, que está acima exposto, é que representa o carácter real e realista da Humanidade e do Mundo. Por isso, devemos aprender com aquilo que está a acontecer na Ucrânia e na Palestina, para entender melhor a natureza das grandes potências mundiais diante a geopolítica mundial. Elas, de todas as formas, não são amigas de ninguém; mas sim, são amigas dos seus interesses nacionais. Infelizmente, há muita ignorância e muita hipocrisia nos governantes angolanos que fazem julgamentos obtusos e irrealistas visando somente confundir as mentes dos nossos concidadãos.


Em suma, a minha intenção de escrever o Artigo (no Club-K-Net) intitulado: “O Legado do Estadista José Eduardo dos Santos,” não visava enaltecer a figura do JES, nem o comparar com João Lourenço (o seu delfim), muito menos julga-lo sumariamente. Se isso fosse o caso, seria injusto por minha parte. Pois, o que ficou exposto no Artigo, acima referido, é uma gota de água no oceano. Porque, JES envolveu-se em muitas coisas (positivas e negativas), até ele jogou o «papel central» nos julgamentos sumários do 27 de Maio de 1977. Há nuvens bem carregadas que sempre pairaram sobre a morte misteriosa do Presidente António Agostinho Neto, em Moscovo, que buscava (na altura) acabar com a guerra civil o mais cedo possível.


Em contraste, a minha intenção de escrever sobre esta problemática é para olhar ao nosso passado recente com realismo, agir com sentido de Estado, despertar a
consciência patriótica, defender a cidadania e julgar as pessoas com justiça – sem preconceitos. Por isso, devemos ter muita cautela de evitar induzir-nos na estratégia premeditada de querer apagar a História do período compreendido entre 1975 e 2017, durante o qual a História de «Angola Independente» ficou forjada. Dizendo que, este foi o período mais decisivo em que as duas Doutrinas (pluralismo-vis-à-vis- totalitarismo) opostas estiveram em confrontação directa, com a presença militar das duas grandes potências mundiais, do então.


No final da Guerra-Fria, na década 90, o Bloco do Leste desmoronou-se, que conduziu a queda do Muro de Berlim e a afirmação da democracia plural, da internacionalização, da globalização e da mundialização. Essa evolução global, resultante da Guerra-Fria constitui o marco incontornável, que determinou o destino de Angola, libertando-a do sistema do Partido Único e da economia centralizada e planificada.

Luanda, 11 de Dezembro de 2023.