Luanda - Nota prévia: Cada um dos inquilinos que habitam nesta terra deve diariamente questionar-se sobre qual será o seu lugar na história do mundo. Essa é uma questão que os detentores, sobretudo, de cargos públicos e políticos devem colocar-se durante o exercício das suas missões. Obviamente, o que distingue as pessoas das outras é fazer aquilo que os outros não fizeram ou fazer melhor a mesma coisa que os outros. Dois dos três Presidentes que assumiram o comando desta Nação Angolana, deixaram as suas marcas indeléveis que o tempo jamais apagará. A questão agora é saber qual será e como o terceiro e actual Presidente da República de Angola, General João Lourenço pensa, à semelhança dos seus antecessores, registar o seu nome na história do País?

Fonte: Club-k.net

A nossa viagem sobre a abordagem desta temática começa com uma marcha atrás partindo do ano de 2017. A entrada do Camarada (designação aplicada ao militante do partido MPLA) João Lourenço, em campo como candidato a Presidente da República nas eleições de 23 de Agosto de 2017, foi, entre outros, sustentada pelo seu partido nos seguintes termos: O Presidente Agostinho Neto (AN) trouxe a INDEPENDÊNCIA, o Presidente José Eduardo dos Santos (JES) trouxe a PAZ e, o Camarada João Lourenço (JL) tem a missão de DESENVOLVER o País, fim de citação. Nesse quesito, entende-se por desenvolvimento como um pacote que viria operar mudanças institucionais e estruturais nas áreas económica, social e política, com vista a proporcionar aos angolanos o tão almejado bem-estar.


Para sua sorte, os resultados das referidas eleições, declararam JL e seu partido MPLA como grandes vencedores do pleito, com 61,8% dos votos válidos.


Uma vez eleito Presidente da República e Titular do Poder Executivo, JL Prometeu, no seu discurso inaugural de investidura, "proceder à implementação progressiva das AUTARQUIAS LOCAIS durante o seu mandato", dando indicações de comprometimento com o desenvolvimento horizontal do País, por meio da DESCENTRALIZAÇÃO e PARTILHA DO PODER. Dois anos depois, em 2019, deu-se início, na Assembleia Nacional, à discussão do pacote legislativo autárquico composto por 11 leis, das quais foram, até à data, aprovadas 10, faltando apenas a décima primeira, a "mais fundamental", que é a Lei da Institucionalização das Autarquias.


A partir daqui, nasceu a lógica da culpa entre políticos partidários, onde cada um procura culpar o outro para explicar o adiamento da institucionalização das autarquias. O triângulo da culpa gira entre: A UNITA culpa o seu adversário político, MPLA e esse último culpa a Assembleia Nacional. Esse triângulo limitou, para não dizer retirou, os consensos e debates sobre esse assunto de bastante interesse nacional. Nesse jogo de empurrões, em nosso entender, o PR JL relegou as suas prioridades colocando para o segundo plano aquilo (autarquias) que mais e melhor deverá distinguir a sua governação e gravar o seu nome na história de Angola.


Entende-se por autarquias o colectivo de pessoas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações (Nº 1 do Artigo 217º da CRA). Em outras palavras, é a divisão do poder em sede da qual se confere responsabilidades aos cidadãos locais para condução dos seus próprios destinos.


Enquanto os políticos perdem tempo trocando as acusações, os factos do dia-a-dia mostram-nos a todos a necessidade e urgência de se implementar as autarquias em Angola.


Apesar da especificidade da Constituição da República de Angola (CRA) que confere a dualidade de função (Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo) à mesma pessoa, o PR JL precisa “romper” essa ambivalência e as barreiras político-partidárias para buscar mais consensos e jogar na arbitragem para que as eleições autárquicas tenham lugar ainda dentro do seu mandato.


Aliás, no quadro da soberania dos poderes, embora cada um dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário) tenha funções e competências constitucionais distintas, são todos interdependentes e parte integrante de uma unidade única: ESTADO, de quem o PR JL é o Chefe.


Por esta razão, o Presidente João Lourenço enquanto Chefe de Estado, impere o convite a articular e concertar permanentemente entre o seu executivo, o parlamento, os partidos políticos e a sociedade civil para desbloquear os eventuais impasses no sentido de se tirar, quanto breve possível, as autarquias do papel para efectividade.


Paixões à parte, convenhamos reconhecer que o estilo de uma governação vertical já não se adapta à realidade do País, que se queira desenvolvido em todas as vertentes. Angola precisa de sair do modelo da desconcentração administrativa para um modelo descentralizado. Em outras palavras, sair da lógica do desenvolvimento vertical para o desenvolvimento horizontal. Isto se faz com a institucionalização das autarquias e não com o PIIM ou com a Divisão Político-Administrativa (DPA). Pois, embora não esteja contra o PIIM e DPA, nenhum dos dois me parece ser capaz de aproximar mais/melhor os serviços básicos às comunidades quanto se faria com as autarquias. Os dois (PIIM e DPA) são partes da Administração e actuam na base do estatuído no nº 1 do artigo 201º da CRA, que estabelece o exercício por órgãos DESCONCENTRADOS da Administração Central do Estado.


Ora vejamos, se eles actuam no modelo da desconcentração, então é quase que impossível fazerem “milagres”, uma vez que, tal como vimos acima, o modelo da desconcentração não se adapta mais à realidade actual do País.


Neste caso, se a candidatura do Presidente João Lourenço tinha como desafio, segundo justificou o seu partido na altura, o desenvolvimento do País, então é inevitável a institucionalização das autarquias. Todavia, as autarquias podem não ser a vara mágica para o desenvolvimento de Angola, como oiço argumentar por muitos dos analistas da nossa praça. Mas o facto infalível é que elas DESCENTRALIZAM. Neste caso, com a descentralização vai se conferir a confiança e capacitação aos cidadãos, sobretudo aos gestores da coisa pública. Com a confiança e capacitação se estará a RESPONSABILIZAR. Falo da responsabilização no sentido de incutir a cultura de prestação de contas e a transparência na gestão da coisa pública. Ao mesmo tempo, a descentralização vai inculcar o sentido de cidadania, de pertença e de inclusão, bem como irá promover a boa governação e o envolvimento de mais cidadãos na construção desta imensa Angola. Portanto, se tudo isso for feito, tenho muitas dúvidas que não atinjamos o almejado desenvolvimento de Angola.


É nossa profunda convicção que o PR JL quer escrever o seu nome no mais alto da história de Angola e, ser bem lembrado pelos angolanos como Pai da Descentralização e do Desenvolvimento.


Contudo, esse desejo não conseguirá atingi-lo senão jogar diferente. Ou seja, trocar o modelo desconcentrado para descentralizado, assente nas autarquias.
O tempo é esse e deve ser melhor aproveitado. Parafrasear o Presidente do partido Chega, André Ventura, “as oportunidades na história vêm uma vez e não muitas mais”. Contudo, ainda faltam anos no seu mandato e o PR JL tem a liberdade de jogar o seu maior trunfo para descentralizar o País e estampar o seu nome na história. Mas é preciso não perder de vista o tempo. Pois, ele (o tempo) é um recurso que se esgota a cada dia que nasce.


Conforme escreveu o antigo Presidente norte-americano, Barack Obama, na sua obra "Uma Terra Prometida", "a presidência é como um carro novo. Começa a desvalorizar-se a partir do instante em que se sai com ele do concessionário". Portanto, os anos do segundo e último mandato (de acordo com Nº 2 do artigo 113º da CRA) do Presidente João Lourenço, estão a desvalorizar-se (entende-se, estão a esgotar), pelo que urge pensar no seu LEGADO para o País. Logo, partindo do princípio da missão que norteou a sua escolha: "Desenvolver o País", julgamos que o maior LEGADO para estampagem do nome do Presidente João Lourenço na história de Angola, seria a institucionalização das autarquias.


Até lá, Deus no comando, Jesus nas Pilhas e os Ancestrais na vanguarda.


Haja Paz e que Deus abençoe Angola e os Angolanos!

Henriques Depende - Escritor e Mestre em Projectos de Cooperação Internacional.