Luanda - A recente aprovação da Proposta de Lei da Divisão Político-Administrativa pelo MPLA, PRS-FNLA e PHA, que prevê o aumento do número de províncias de 18 para 20 e o de 164 para 325 municípios, suscita uma série de questões fundamentais sobre a gestão do espaço político e administrativo em Angola. Esta medida, embora possa ser apresentada como um esforço de descentralização e aproximação dos serviços públicos à população, carrega consigo implicações profundas que merecem ser escrutinadas sob uma lente crítica.

Fonte: Club-k.net

Primeiramente, é impossível ignorar a potencial diluição do voto que esta medida implica. Ao criar mais divisões administrativas em áreas onde o seu apoio é historicamente frágil, o MPLA parece estar a pavimentar o caminho para manter o seu domínio político, complicando o surgimento de uma oposição robusta. Este movimento pode ser interpretado como uma estratégia para assegurar o controlo sobre novas áreas através de uma fragmentação cuidadosamente calculada, em vez de um genuíno esforço de democratização.

Além disso, a expansão da divisão político-administrativa levanta sérias preocupações sobre o desvio da implementação das autarquias locais. Em teoria, as autarquias deveriam promover uma governança mais próxima e responsável perante os cidadãos. No entanto, este novo plano parece ser uma manobra para adiar ou até enfraquecer este processo, sobretudo nas regiões onde o partido no poder antevê uma possível perda de influência.

Do ponto de vista económico, os custos associados à criação de novas províncias e municípios são astronómicos (sedes provinciais e municipais, verbas executivas, dois novos governadores e mais de 100 administradores). Num país onde existem necessidades prementes em sectores como saúde, educação e combate à pobreza, a alocação de recursos significativos para esta reorganização levanta questões sobre as prioridades do governo. Estes fundos poderiam ser mais bem empregues em programas que têm um impacto directo no bem-estar da população.

A complexidade administrativa e os riscos de eficiência que acompanham este aumento no número de entidades administrativas também não podem ser subestimados. A burocracia adicional pode, paradoxalmente, afastar ainda mais os serviços públicos dos cidadãos, contrariando um dos objetivos declarados da reforma.

Adicionalmente, a potencial fragmentação e os conflitos que podem surgir de divisões percebidas como arbitrárias ou politicamente motivadas, constituem uma ameaça real à coesão social. Num país tão diverso como Angola, é crucial que qualquer reconfiguração territorial seja feita com sensibilidade e inclusão, evitando-se exacerbar tensões existentes.

Por último e não menos importante, a falta de transparência e participação pública neste processo é, talvez, o aspecto mais preocupante. A decisão de reestruturar a divisão político-administrativa de forma tão profunda, deveria envolver uma ampla consulta aos vários actores sociais e políticos, garantindo que as vozes dos cidadãos sejam ouvidas. A unilateralidade com que o MPLA tem adoptado em decidir questões de interesse nacional, excluindo outros actores sociais e políticos, levanta sérias questões sobre o compromisso do partido com os princípios democráticos.

Com 79 votos contra da bancada parlamentar da UNITA, a nova Lei da Divisão Político Administrativa foi aprovada com 101 votos favoráveis do MPLA com o apoio da bancada mista do PRS e FNLA, assim como do PHA. Algo que também ressalta nesse processo, tem sido o realinhamento político do PRS e da FNLA, que têm estado a apoiar as iniciativas legislativas do partido no poder (lembrando que, estes votaram contra a iniciativa de destituição do Presidente da República interposto pela UNITA), defraudando todos os discursos de oposição proferidos nas eleições gerais de 2022.

Em suma, a Proposta de Lei da Divisão Político-Administrativa apresenta-se como um caso emblemático das tensões entre a gestão centralizada do poder e a necessidade de uma governança mais inclusiva e representativa. É imperativo que Angola caminhe na direção de uma democracia mais participativa, onde decisões de tal magnitude sejam fruto de um diálogo amplo e genuíno, e não apenas da vontade de uma única facção política.

Emerson Sousa.
Escritor e Analista político.