Luanda - O dia em que José Eduardo dos Santos só pensava no comandante Nando Ngombidi, de sua verdadeira graça José Fernando Domingos, salvo erro.

Fonte: Facebook


O cognome Ngombidi não é um adjectivo bonito. De todo o modo o então presidente da República sabia desse seu cognome e por vezes ria-se dele devido ao significado deste adjectivo.


Estaríamos em Agosto de 1988 se a memória não me falha quando o avião que transportava o na altura chefe de Estado da República do Botswana para Luanda a fim de participar de uma Cimeira dos Estados da Linha da Frente é derrubado pela nossa força aérea no Cuito Bié, à época zona operacional militar.


Quando isso aconteceu, num Domingo, eu, Moisés Chissano, encontrava-me no aeroporto internacional 4 de Fevereiro à espera da caravana do chefe de Estado angolano que deveria receber o presidente Quett Masire à sua chegada prevista para as 14:00 horas.


Passava pouco das 16:00 horas e nada se sabia do aparelho do visitante.


Por volta das 16:15 horas vou ao banheiro "tirar água do joelho" mas, antes disso, em face do enorme atraso que se registava, eu dissera a todos quantos na sala do protocolo me puderam ouvir que depois que o presidente Samora Machel desaparecera nas circunstâncias que todos conhecemos não deveria ser permitido aos chefes de Estado da sub-região austral de África sobrevoarem território perto da África do Sul. Ao regressar ao meu lugar para voltar a sentar-me e continuar a esperar pela chegada do avião do presidente Masire o meu colega Elvino, do Protocolo do Estado, mostra-me um telex que dizia simples, mas dramaticamente, o seguinte: "AVIÃO PRESIDENCIAL NO CHÃO STOP VIP NÚMERO UM ATINGIDO STOP".

Informado disso, a José Eduardo dos Santos só interessava naquele momento saber como resgatar os sinistrados.


Ao aeroporto acorreram praticamente todos os dignitários que mandavam no país, entre civis e militares, com excepção de duas pessoas: o presidente da República e o então ministro das Relações Exteriores, Afonso Domingos Pedro Van-Dúnem "Mbinda".


Logo a seguir veio do Futungo de Belas a primeira instrução: localizar a tripulação do Gulfstream para se deslocar ao Cuito Bié.


Não havendo ainda telefonia móvel, chegou-me a informação de que se conseguira localizar o comandante José Fernando Domingos, aka comandante Nando Ngombidi, que se encontrava a fazer o seu jogging algures na Ilha de Luanda (ou do Cabo).


O que posso testemunhar é que eu próprio vi o Nando Ngombidi de fato olímpico e toalha à volta do pescoço a preparar o aparelho para seguir para o Cuito Bié. Nessa altura José Eduardo dos Santos só queria se comunicar com o comandante e com mais ninguém. Perguntou a este quanto tempo precisaria para aterrar em Luanda com os sinistrados, ao que o comandante respondeu: camarada presidente, prometo aterrar em Luanda às 21:00 horas.


Houve orientação no sentido de eu embarcar também, mas hoje posso revelar que ao ouvir isso escondi-me num dos aposentos da sala de VIP até que o Gulfstream descolou sem mim. Nunca fui médico, enfermeiro ou socorrista e ferido não precisa de intérprete, pensei eu.


Às 21 horas e sensivelmente 4 minutos Nando Ngombidi pôs os trens do "Cunene", nome de baptismo do nosso Gulfstream, a tocar a pista de aterragem em Luanda!

Venâncio da Silva Moura, à época vice-ministro das Relações Exteriores, e eu fomos ao avião e retirámos dele os feridos, ou seja, o presidente Quett Masire e o seu chefe de Protocolo, este com ferimentos num braço, pusemos o presidente, gravemente ferido, numa cadeira de rodas (as minhas mãos e as do vice-ministro ficaram borradas de sangue do presidente, que sangrava pelas costas), colocámo-los numa ambulância e rumámos para a então Clínica D. João II, ou Clínica do Prenda.


Algumas horas depois o Dr. Fernando Octávio, aka Nando Octávio, operava o presidente (um projéctil atingira-o, ficando alojado a 2 cm do pulmão). Nessa mesma noite fui detido por erro de julgamento do ministério da Segurança de Estado, mas cedo se concluiu que eu não tivera a menor culpa e Kundi Paihama mandou-me em paz. No dia seguinte acompanhei José Eduardo dos Santos e outros estadistas da sub-região na visita aos sinistrados.


Nesse dia Eduardo dos Santos disse aos seus colegas: "Eu sou marxista, mas devo dizer que o que aconteceu (referindo-se ao facto de ninguém ter perecido no acidente) foi um verdadeiro MILAGRE".