Luanda - É o líder da oposição angolana Adalberto Costa Júnior que o disse ao Nascer do Sol, jornal digital português, a 19 de Abril de 2024. Vale a pena ler alguns extractos da entrevista:

Fonte: SOL

Sobre o povo angolano: “O povo angolano é rico de características, mas é extremamente violentado pelo seu próprio Governo.”

 

Sobre a situação pós-eleitoral: A seguir a um ato eleitoral existe sempre a expetativa de haver mudanças, especialmente junto da população, uma vez que foram apresentadas novas propostas. Mas, infelizmente, o que aconteceu foi uma degradação generalizada da situação no que diz respeito aos direitos e liberdade dos cidadãos, e as reformas que toda a gente esperava ficaram por fazer.

 

Sobre as críticas pós-eleitorais: A juventude criticou-me porque recusei ir buscar na revolução de rua a transição para a liderança política. O próprio regime esperava isso e preparou-se para fazer um banho de sangue, para depois colocar a responsabilidade na UNITA.

 

Situação actual dos direitos humanos: Logo que as eleições terminaram vivemos um período de prisões e ameaças, isso levou a que muitas pessoas tenham saído do país, nomeadamente jovens e quadros qualificados, o que é muito grave. Angola está, desastrosamente, distante daquilo que todos nós gostaríamos que fosse.

 

Sobre o terceiro mandato de jlo: Isso não é permitido pela Constituição, mas existe esse debate sobre a mesa. Não somos diferentes de outros países e, se o Presidente insistir num terceiro mandato, a UNITA vai ter a iniciativa de vir para a rua. Sabemos o que estamos a fazer, mas existe algum risco e nenhum cenário pode ser excluído.

 

Sobre o processo do impeachment de jlo: No dia do debate do impeachment, a Assembleia Nacional violou a Constituição e o regimento interno. Foram retiradas as urnas de voto a pedido do presidente e mandou votar de braço no ar, o que é proibido pela Constituição, ainda assim o Tribunal Constitucional disse que foi tudo legal. Temos provas suficientes para a destituição do Presidente e queremos que os Tribunais atuem e façam respeitar a lei.

Sobre as perspectivas para os jovens: Os jovens são muito penalizados pela situação do país e são eles que mais se manifestam perante o quadro de não transição para uma democracia plena. É uma juventude que ganhou perceção da realidade e que reage, apesar do regime tomar uma infinitude de medidas de repressão das liberdades e de perseguir e prender os líderes civicos. Há pessoas da sociedade civil nas cadeias porque criticaram o Presidente da República.

Sobre as eleições autárquicas: Ainda não houve essas eleições porque o Presidente da República não quer, é ele que manda no Governo. A UNITA apresentou um pacote legislativo autárquico em abril de 2018, desde então nada foi feito até hoje.

Sobre o projecto autárquico do governo: O proje to do Governo é passar de 164 para 325 municípios e fazer eleições em 80, nos outros municípios os admi nistradores seriam nomeados. Ou seja, a legitimação popular iria cumprir-se em apenas 25% do território

Sobre o processo político: Continua a não haver diálogo, não há reformas e o que vemos são permanentes violações à Constituição. O regime adotou um quadro de leis absolutamente incomuns nos países democráticos, que restringem as liberdades civis e visam as organizações não governamentais, o que é condenável.

Sobre o ataque à comitiva dos deputados da UNITA: A comitiva que ia para as Jornadas Parlamentares foi violentamente atacada em Cuando-Cubango. Foi tudo organizado e é uma fotografia real de Angola. Tínhamos pedido autorização à Presidente da Assembleia Nacional, ao comandante-geral da Polícia e ao comando provincial de Cuando-Cubango para fazer essa visita de observação, uma vez que o regulamento interno da Assembleia Nacional obriga a que qualquer ação pública dos deputados tenha de ser autorizada por uma comissão parlamentar, que tem uma maioria do MPLA.

Sobre a revisão constitucional: É urgente fazer a reforma da atual Constituição que é atípica. O Presidente da República não é eleito, mas depois transforma-se num deus na terra, com plenitude de poderes e inexistência de prestação de contas. Sendo o chefe do Governo nunca foi à Assembleia Nacional prestar contas. Dou outro exemplo, na África do Sul, o Presidente da República é o chefe do Governo e vai à assembleia regularmente.

Sobre a corrupção: as contratações públicas não se fazem por concurso. Antes das eleições, e no período imediatamente a seguir, 98% das contratações foram feitas sem concurso público, são as universidades, a sociedade civil e instituições apartidárias quem o afirma. A história do célebre envelope continua muito presente em Angola. As ofertas são corrupção ativa e causam danos irreparáveis ao Estado.

Sobre a situação económica de Angola: A economia está um desastre total. O valor do kuanza desvalorizou um terço e a inflação real é galopante. Um reconhecido economista disse-me que se aproxima dos 40%, sabendo que temos uma economia baseada na importação isso é gravíssimo. Há cada vez mais empresas a falir, o desemprego aumentou e assiste-se a uma fuga dos empresários. Este é um cenário que não gostaríamos de ver, mas é a realidade económica de Angola.

Sobre a situação social: Existe um cenário de extrema pobreza. sobretudo nas famílias mais numerosas, há gente a passar fome em Angola e estamos no limite da tolerância. Estão marcadas greves na função pública. Pela primeira vez, há paralisações totais como resposta a uma degradação das condições sociais e económicas. Temos, neste momento, todos os sindicatos a fazer acordos e a exigir um aumento salarial que é absolutamente aceitável. As pessoas perderam um terço do poder de compra e o aumento salarial foi de apenas 5%!