Luanda - Num passado recente a nossa sociedade foi tomada pelo fenómeno dos “novos ricos”, pessoas que vindas de classes sociais mais baixas, enriqueceram subitamente ostentando a sua riqueza sem elegância nem refinamento.
Fonte: JA
Genericamente a nossa sociedade chamou-lhes "marimbondos” combinando os comportamentos de novo-rico e a origem duvidosa dos dinheiros que ostentavam.
Com a chegada do presidente João Lourenço ao poder, reduziram-se consideravelmente os comportamentos de exibicionismo e ostentação tanto por actos como por declarações públicas.
A sociedade parecia ter assumido uma atitude de rejeição a este tipo de ostentação, o que não impedia que todos tivessem consciência da existência de pessoas com maior capacidade aquisitiva do que a generalidade dos cidadãos.
É a capacidade financeira de cada um que determina a sua relação com o mercado consumista. Nada de igualitarismos. Somos a todo o instante incentivados a consumir, comprar e a demonstrar a nosso poder de aquisição. Esta é a essência da cultura consumista que nos domina e isso abrange todos os bolsos.
Depois de um tempo de alguma contenção, começamos a sentir outra vez no espaço público sinais de ressurgimento da ostentação na mídia e nas redes sociais através da música, comportamento de figuras públicas ou como referência de ascensão social. Tanto antes, como agora, a cultura da ostentação traz consigo um conjunto de preconceitos decorrentes da percepção(errada) de que "só é, quem tem” ou que o "ter é determinante para o sentimento de pertença.
Usam-se cada vez mais as estratégias de consumo para a projecção de status epara criar no público a ilusão de que o poder de compra determina o grupo da sociedade a que se pertence ou deseja pertencer.
Vários músicos e produtores musicais aparecem ultimamente a gabar-se de cachets milionários dos seus serviços, projectando não só a ideia de uma superioridade sobre os seus concorrentes, mas também de diferenciação classista do resto da sociedade baseada no alto consumo, como se pretendessem dizer que a sua música, o seu trabalho de produção musical não está ao alcance de "qualquer” pessoa.
São estilos de comportamento destinados a obter notoriedade e de reconhecimento. Tentativas de auto-afirmação por meio da exposição exagerada daquilo que o dinheiro proporciona. Acabam por ser uma demonstração de um vazio intelectual, que leva que alguém recorra ao simbolismo de superioridade que a capacidade financeira de comprar um bem de alto custo proporciona.
As chamadas roupas de grifes ou os vídeo clips com músicas onde os cantores aparecem em casas luxuosas e carros de alta gama projectam um sonho de sucesso associado a alto consumo e ao fácil enriquecimento. É desse alto consumo que vem "supostamente” o status, que é, por sua vez, um cartão de visita imaginário para um patamar de vida que muitos jovens desejam.
Tudo isso tem influência na formação da identidade da nova geração de jovens angolanos que vão certamente olhar para o processo de consumo como elemento determinante para a sua inserção na sociedade, com lógicas que ridicularizam quem tenha estudado, mas não tenha dinheiro; o trabalhador honesto que aufere o salário mínimo ou se estigmatiza quem não tenha as mesmas preferências de consumo.
Nalguns casos, como em muitas festas que agora são realizadas ou até em shows musicais, os promotores optam por não publicitar o preço mais baixo, (como se recomenda comercialmente) optando por publicitar os mais altos como elemento de inclusão e de diferenciação.
Para se ser aceite, é preciso frequentar e para frequentar é necessário "ter capacidade financeira dos que lá estão”. Daí as enchentes, apesar das mesas de um milhão de kwanzas ou nas festas mais caras do país, como estranhamente publicitam os seus promotores.
Na prática, nada isso é alheio às próprias dinâmicas do mercado de consumo. Muitos dos endinheirados demonstram a sua capacidade aquisitiva em meios privados para evitar enviar mensagens erradas para a sociedade. A ostentação afecta directamente o poder simbólico de auto-estima,criando, por um lado, a ideia de superioridade e, no extremo oposto, de marginalidade. É este sentimento que leva a que alguns se vejam colocados de parte, pertencentes ao grupo dos "sem acesso a determinados espaços” por não serem merecedores das mesmas oportunidades ou por não pertencer à "nata da sociedade”.
A ostentação de riqueza no espaço público é o primeiro passo para o aumento da luta de classes. Ao mesmo tempo que alguns se gabam de possuir e gastar milhares de kwanzas para um espectáculo de alguns minutos, outros, sem nada para comer ou sem capacidade de financeira para chegar a estes estilos de vida, desencadeiam movimentos de revindicação e contestação por mais igualdade de oportunidades, melhor distribuição da renda e mais equidade social.
O nosso rico tem, como é obvio, o direito a gozar o seu dinheiro. Pede-se apenas bom senso e algum pudor perante tanta pobreza à vista. Sabendo-se da origem de "certos dinheiros, para alguns desses ricos também se pede vergonha na cara para que um dia não haja necessidade de lembrar que ainda há poucos dias, éramos todos pobres, sem heranças e sem "negócios”.