Luanda - O Tribunal de Luanda registou, na semana passada, o insólito caso de uma sentença ter sido ditada sem alegações finais dos advogados e com os detidos em situação de excesso de prisão preventiva.
Fonte: JA
O processo 225/23-B sobre a apreensão de drogas no Porto de Lunda começou mal desde o início. O caso foi conhecido numa altura em que as redes sociais estavam cheias de acusações de alegado envolvimento de oficiais da Polícia Nacional no tráfico de drogas e o envolvimento do superintendente chefe, António (Toy) Buila, oficial de campo do comissário Pedro Kandela, factos que atraíram todas as atenções para o caso.
Rapidamente foi feito o "julgamento público” e com toda a pressão pública e política, os acusados estavam praticamente condenados, antes mesmo do julgamento em tribunal.
Segundo a acusação, o crime ocorreu com a posse de 45,6 quilogramas de cocaína, em forma de pó, importados do Brasil, disfarçados em 34 pacotes que se encontravam camuflados nos ventiladores de refrigeração de três contentores de frio, carregados de várias caixas de coxa de frango. No entanto, nas sessões do julgamento os peritos declararam que, dos 34 pacotes apreendidos no processo, apenas dois foram examinados. Também revelaram que encontraram 16 pacotes no armazém da firma SuperHelo, pertencente a empresa Refriango, e não 34 pacotes constantes na acusação.
Dois outros factos são importantes: o primeiro, o dos importadores dos contentores com droga não terem sido acusados de nada e o segundo, o de nenhum dos arguidos ter sido apanhado em flagrante delito ou com a suposta droga em mãos. É bom lembrar também que as autoridades agiram na sequência de uma denúncia anónima que, se admite, que tenha sido feita por um grupo rival em retaliação por uma má repartição de lucros.
Na passada quarta-feira, terminava o último prazo da prisão preventiva, facto que levou os advogados a solicitar que, antes de qualquer outro passo do julgamento, caberia ao juiz levantar a prisão preventiva dos arguidos.
António Verdade, representante do Ministério Público também apoiou a posição dos advogados, mas o juiz recusou-se a decretar o fim da prisão preventiva enquanto os advogados insistiam que a lei fosse cumprida.
Perante o impasse, o juiz Fernando Kiculo deu ordem de expulsão dos advogados de defesa da sala e preferiu ditar a sentença no mesmo dia em que estavam agendadas as alegações.
As alegacões finais representam a última oportunidade que o Ministério Público e advogados de defesa usam para valorizar ou desvalorizar factos e elementos apresentados no julgamento e convencer o juiz, antes deste proferir a sua sentença.
A regra é que, feitas as alegacões, o juiz necessite de um tempo para avaliar as suas notas e decidir em função dos argumentos tanto do Ministério Público e como dos advogados
Em caso de ausência ou impedimento dos advogados, o tribunal deveria nomear defensores oficiosos, o que se tivesse acontecido levaria ao mesmo resultado que os advogados pretendiam, ou seja, os defensores oficiosos, certamente, pediriam tempo para analisar o caso e para isso o juiz teria de determinar o fim da prisão preventiva e decretar a continuação do julgamento com os arguidos em liberdade.
Tudo indica que estamos em presença de mais um caso em que a opinião pública influencia o convencimento das decisões tomadas pelos tribunais. A discussão continua a ser até que ponto a decisão final dos jurados, antes mesmo do julgamento, sofre mudanças baseadas na opinião formada na opinião pública?
Na ausência de uma explicação melhor ou de provas para qualquer outra afirmação, acreditamos que, perante o excesso de prisão preventiva, o juiz terá tido receio de fazer cumprir a lei, temendo as reacções da sociedade depois de, na praça pública, já se ter "declarado” os acusados de culpados dos crimes de que iam acusados.
Qualquer outra suposição é ainda mais grave do que a eventual falta de coragem do juiz em fazer justiça.
Esta é a razão porque temos vindo a ser rigorosos defensores do princípio da presunção da inocência. O sensacionalismo e a violação da presunção de inocência acabam inevitavelmente por se repercutir na vida de alguém. O mais provável é que estes arguidos estejam a pagar mais pelo que se disse deles do que pelos crimes que realmente cometeram.