Luanda - O poder de José Eduardo dos Santos no MPLA foi construído ao longo de trinta e sete anos.

Fonte: JA

Ao longo desse período, JES teve tempo para tudo: afastar concorrentes internos, fazer aliados e lealdades, promover uma nova geração de dirigentes e iniciar o processo de democracia interna, com a inclusão nos estatutos das múltiplas candidaturas. O argumento da candidatura única, como garante da coesão interna, na verdade vingou mais pelo facto de ela ter sido defendida por JES não só como uma fase da transição pós 37 anos de liderança, mas também porque possuía capital político e influência para o fazer.

Há muito que os líderes do MPLA deveriam ter consciência de que existe da parte dos eleitores uma demanda para que os maiores partidos angolanos sejam também instituições exemplares em termos de democracia interna. Para lá da vontade dos seus militantes, os eleitores em geral querem um MPLA de diálogo, democrático e moderno. A consagração das múltiplas candidaturas nos estatutos do MPLA representou, por isso, uma resposta a essa expectativa dos eleitores, que está por se cumprir efectivamente.

Oito anos depois, o exercício de democracia interna no MPLA continua a ser o principal desafio das lutas internas. Aparentemente, existem os que continuam a defender a coesão interna por via de uma candidatura única que dê continuidade às políticas e às reformas em curso, mas existem outros que entendem que a coesão interna se consegue por via de uma ampla reconciliação nacional interna através de múltiplas candidaturas que propiciem um debate franco e democrático entre camaradas.

Aparentemente, existem duas grandes correntes de opinião. A primeira defende que a coesão interna é assegurada da melhor forma com uma candidatura única, do tipo escolha do sucessor, como se permitiu a JES fazer. A segunda entende que a mesma coesão interna deve ser garantida através de eleições democráticas, nas quais os militantes são chamados a escolher o seu líder e o respectivo programa político.

Ao contrário do que se pretendia, a reunião dos CAP acabou por precipitar, de modo informal, a luta pela sucessão do líder, quando o Presidente João Lourenço ainda tem dois anos pela frente. Agora, colocado o problema às bases, os pré-candidatos terão de demonstrar uma capacidade de luta digna de um presidente do partido, com a elaboração de estratégias, foco, paciência e sentido de oportunidade, para que as múltiplas candidaturas sejam irreversíveis.

A reunião dos CAP acabou também por trazer de volta os mais velhos. O silêncio dos "senadores” do MPLA perante os excessos dos últimos anos da governação de JES deixaram-nos muito mal vistos na sociedade. A grande maioria dos chamados mais velhos participou activamente em processos de nepotismo, corrupção e endeusamento de JES e a determinada altura deixou de ouvir o clamar do povo que diziam representar. Ao também ficarem calados na era João Lourenço no período do isolamento e críticas a JES, os mais velhos viram reduzido o seu papel de reservas morais do partido no poder. As críticas feitas aos mais velhos por quererem que se cumpram os estatutos e que se aprofunde a democracia interna, acabam na verdade por "ressuscitar” o seu papel de autoridades morais, ex-dirigentes com um passado de grande respeito e serviços prestados que lhes dão o direito de serem ouvidos. Parece que os mais velhos voltaram a ter capacidade de ouvir as queixas e as dores dos cidadãos eleitores, que querem o MPLA de maior diálogo e mais democrático e uma governação económica menos dura.

Se alguns mais velhos faziam pronunciamentos esporádicos sobre a sua discordância da estratégia de liderança, a reunião dos CAP revelou-se como uma boa oportunidade de se redimirem e não continuarem a ser vistos como os históricos que não tiveram coragem de criticar os excessos da governação.

Por outro lado, esta realidade demonstra que o silêncio do passado teve mais que ver com a figura tutelar de JES e que hoje, em nome da sua reputação e percurso histórico, muitos dos chamados mais velhos vão querer que a sua opinião seja ouvida.

Ao contrário do que se previa, o clima interno não acalmou. Ou o MPLA encontra rapidamente um entendimento para o seu processo de democracia interna, ou o espaço público será cada vez mais dominado pelo tema da democracia interna, em detrimento até das responsabilidades governativas, que deveriam ser a prioridade e que garantem os votos dos eleitores.

Não há dúvidas, vão ser meses de intensas movimentações políticas dentro do maior partido do país.