Luanda - Quando o líder da maior potência do planeta, Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, confirmou a realização da sua visita oficial a Angola, de 13 a 15 deste mês de Outubro, assistiu-se a uma onda de delírios triunfalistas, efusivamente propagandeada de forma despudorada pelos mais ferverosos integrantes e apoiantes do poder legalmente instituído no nosso país. Era a consagração, de facto, da diplomacia económica concebida e conduzida pelo Presidente João Lourenço.
Fonte: Club-k.net
Agora que a Casa Branca anunciou o adiamento das deslocações de Joe Biden a Alemanha e a Angola, devido à projectada trajetória e intensidade avassaladora do furacão Milton, os adversários naturais e os detractores circunstanciais do governo angolano não perderam tempo em fazer uma espécie de celebração vitoriosa, enveredando por uma evolução linguística, em bom ou mau português, com o objectivo de converter "adiamento" em "cancelamento".
Quer dizer, se Joe Biden já não vem a Angola, as oposições podem respirar por mais algum tempo, considerando que se o homem desembarcasse em Luanda nos timings e moldes previstos, as oposições reais e potenciais seriam seguramente acantonadas sem hipóteses de recurso.
Prova disso é que o embaixador americano em Angola, em fim de mandato, não quer que o Presidente americano, em fim de carreira, mantenha qualquer encontro com a sociedade civil angolana.
Seja qual for o desfecho desta novela inusitada, uma vez que a vinda do 46o Presidente dos EUA só depende dele próprio, tendo o Corredor do Lobito no topo das prioridades, não há dúvidas de que estaremos diante da mais eloquente expressão da "diversificação das paranóias” que se estendem de Cabinda ao Cunene e do Lobito Luau.
Os adeptos do poder absoluto, sem qualquer espaço para contra-pesos, defendem uma aliança estratégica com os Estados Unidos acima de tudo e de todos, alardeando que se trata de uma retumbante vitória que não pode sequer ser contestada ou questionada.
Os adversários políticos formais, os detractores de diferentes feições e os críticos mais ou menos cépticos não conseguem disfarçar a satisfação resultante do adiamento da visita do inquilino da Casa Branca, que viria certamente para dar a bênção ao inquilo do Palácio da Cidade Alta.
Uns esfregam as mãos de contente. Outros fazem figas-canhoto. Mas todos querem um autógrafo do "amigo americano". As paranóias não têm ideologias nem filiação política. Não é por acaso que, sempre que o Presidente da República se desloca a uma província, os governadores mandam lavar as ruas e pintar as fachadas dos edifícios. Os observadores atentos, os opositores declarados e os irreverentes jovens criativos fazem fotos, filmam tudo e partilham “mêmes” nas redes sociais. Todos se riem dessas cenas caricatas, ridículas. Mas ninguém ganha juízo.
E eis que surge a pergunta nuclear: quem está verdadeiramente interessado no futuro de Angola e no bem estar dos angolanos, particularmente nos mais de 20 milhões de jovens, na sua maioria mulheres, ou melhor, meninas grávidas de tanta manipulação que não conseque envernizar a miséria que toma conta da maioria das famílias angolanas?
Esta é a verdade verdadeira que a diplomacia económica e a verborreia dos analistas do sistema não conseguem camuflar. Nunca em tempo de paz se viu tantos mendigos nas ruas de Luanda e famílias a disputar restos de comida com cães vadios nos contentores de lixo.
Numa outra perspectiva, também é importante sublinhar que todos aqueles que se consideram parte integrante das chamadas "forças vivas da Nação" (sinceramente não sei bem o que isso significa realmente) querem ser recebidos em audiência pelo líder da maior potência económica e militar do planeta. Não há mal nenhum.
Mas são os mesmos que estão agora inebriados (embriagados) a festejar com a notícia do adiamento (que muitos já consideram cancelamento) da primeira visita de um Presidente americano ao nosso país.
Em todo este emaranhado de posições e percepções, há uma verdade que poucos têm coragem de assumir. Angola funciona como um catavento, move-se em função de impulsos e instintos sazonais, sem qualquer plano estratégico assente numa análise realista dos desafios do nosso tempo.
É por isso que o combate à corrupção e a outrora propalada mas definitivamente esquecida campanha de resgate de valores e moralização da sociedade não dão certo.
Quando se confunde Estado com governo, partido com Estado, Estadista com capataz, governante com negociante, oposição com inimigo, sociedade civil com obstáculo e concertação social com desperdício, não se pode esperar nada de bom a curto, médio ou longo prazo.
Nenhum país saiu da pobreza e atingiu níveis decentes de desenvolvimento económico e social com lideranças obsecadas pelo lucro e a ostentação da riqueza acumulada num lamaçal de fome e doenças que consomem milhões seres humanos.
Joe Biden será bem-vindo neste tempo ou em ocasiões futuras. Seria muito bom que Angola pudesse acolher regularmente dignitários de todo o mundo, sem ter necessidade de se ridicularizar com exercícios desastrosos e onerosos de maquinagem atabalhoada, falta de vergonha e violação dos direitos fundamentais dos mais desfavorecidos.
O que não é desejável é que o governo faça investimentos milionários para melhorar a sua imagem no exterior e não perceba que é urgente uma concertação interna para a definição de uma AGENDA ANGOLANA, tanto para o Corredor do Lobito como para a Segurança Alimentar e também para a Educação, Saúde e Infraestruturas.
A insistência em projectos imediatistas alicerçados apenas nos ciclos eleitorais (uma autêntica febre inauguracionista e despesista que parece não ter cura nem novos hospitais), assim como a opção por metodologias de auscultação ou consulta pública que contemplam quem aplaude e hostilizam quem pensa diferente, tem custado muito caro à maioria dos países africanos.
A disputa pelas riquezas de Africa que está no centro das estratégias da China e dos Estados Unidos, com a presença secular da União Europeia e a sombra omnipresente da Rússia, deveria levar-nos a adoptar um projecto-comum para que possamos estar em melhores condições para enfrentar os desafios do presente e proteger as próximas gerações.
Com o furacão Helen, que já fez sentir o seu poder destrutivo, ou o furacão Milton, que ameaça ser mais devastador, Angola não vai começar nem vai acabar independentemente da concretização ou do adiamento da visita de Joe Biden. O nosso furacão está na governação obstinada pelo poder vertical, de cima para baixo, sem espaço para outras experiências e diferentes pontos de vista que permitiriam apurar os mais amplos consensos.
O Corredor do Lobito, ou melhor, a linha dos Caminhos de Ferro de Benguela (CFB), completa 100 anos de existência em 2028.
Não importa quem venha estar no poder, na oposição ou em cima do muro que separa a linha férrea dos bairros e aldeias mergulhadas na indigência.
O que é realmente importante é tentar perceber como é possível, num país com abundantes recursos hídricos, mas onde o paludismo é a principal causa de morte, os iluminados da situação não tenham capacidade nem sensibilidade para perceber que o saneamento básico deve começar pelo abastecimento de água potável, tanto nos centros urbanos como nas zonas rurais.
Com uma extensão de 1.300 quilómetros, do Lobito ao Luau, a linha férrea, que agora é a maior aposta dos americanos, atravessa dezenas de rios de grande e pequena dimensão, mas não há água nem luz na maior parte das localidades situadas de ambos os lados da linha dos CFB.
Este problema não faz parte das prioridades de Joe Biden. Por isso, seria recomendável acabarmos, já, com todas as paranóias que se estão a generalizar só por causa do novo "amigo americano".