Luanda – O caso dos ativistas Isaías Cassule e Alves Kamulingue, assassinados em 2012 pelos serviços de segurança de Angola, voltou a ser destaque, com novos episódios que geram controvérsia. Uma fonte ligada ao Tribunal de Luanda, que na época participou no julgamento dos envolvidos, decidiu, sob condição de anonimato, compartilhar informações do processo. A fonte adiantou que nunca foi comprovado em tribunal a versão de que Alves Kamulingue fosse um agente do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), infiltrado entre os manifestantes.
Fonte: Club-k.net
Durante o julgamento, realizado no final de 2014, o SINSE apresentou um suposto "ficheiro de trabalho" para sustentar a alegação de que seus agentes não teriam motivos para mandar matar Kamulingue, pois ele seria colaborador da instituição. De acordo com a fonte do Club-K, ao ouvir essa versão, o tribunal requisitou o suposto ficheiro de ingresso de Kamulingue no SINSE. No entanto, o SINSE não conseguiu apresentar o documento, alegando que, devido à antiguidade do processo, o ficheiro foi destruído. Contudo, afirmaram que Kamulingue teria ingressado na instituição em 1997.
No mesmo julgamento, o delegado do SINSE em Viana, identificado como "Lourenço", foi questionado sobre a idade mínima para que um cidadão fosse admitido na instituição. Ele respondeu que o SINSE admitia agentes a partir dos 18 anos. No entanto, cálculos feitos pelo tribunal indicaram que, em 1997, Alves Kamulingue tinha 17 anos. O depoimento do delegado do SINSE, portanto, foi visto como uma tentativa de difamação contra a reputação do falecido ativista. As investigações do tribunal concluíram que Kamulingue nunca foi funcionário do SINSE e que a versão apresentada pela instituição foi forjada.
Alves Kamulingue foi morto por operativos do SIC, sendo que o disparo fatal foi realizado por Francisco Pimentel Tenda Daniel, conhecido como "Kiko", a mando de Augusto Paulo Mota, então chefe das operações do SINSE de Luanda. Os assassinos levaram Kamulingue para uma mata fora de Luanda. Dias depois, os agentes do SIC regressaram ao local, mas não encontraram o corpo, suspeitando que os seus colegas do SINSE tenham se apropriado do cadáver para fazê-lo desaparecer.
O outro ativista, Isaías Cassule, foi morto posteriormente por Júnior Maurício “Cheu”, supostamente a mando do antigo chefe da Direção Principal de Contra-Inteligência Militar, tenente-general Filomeno Peres Afonso, "Filó". Segundo relatos, após levar a vítima para uma área no rio Dande, habitada por jacarés, Júnior Maurício ligou para seu superior, Peres Afonso, para receber orientações. O tenente-general, segundo o assassino, respondeu que estava ocupado, mas orientou para “fazer escorregar.” Quando o caso foi levado à justiça, as autoridades enviaram uma equipe de mergulhadores, que encontrou 13 cadáveres no local indicado, levando à suspeita de que os agentes de segurança terão praticado outros assassinatos e despejado os corpos no rio.
Passados dez anos, e encorajados pelo lema presidencial "corrigir o que está mal e melhorar o que está bem", um grupo de advogados em Angola preparou uma petição para ser entregue ao Presidente João Lourenço, com o objetivo de responsabilizar o tenente-general Filomeno Peres Afonso, "Filó", pelo crime. A petição argumenta que Filó já deve estar recuperado do tratamento médico realizado na África do Sul e, portanto, pode ser responsabilizado pelos assassinatos. Para evitar possíveis sabotagens judiciais, os promotores da petição optaram por recorrer primeiramente ao Presidente da República, citando a frase de João Lourenço: "Ninguém é suficientemente rico ou poderoso que não possa ser punido; ninguém é pobre demais que não possa ser protegido."